Em primeiro lugar é preciso relevar o péssimo título
nacional. Trair é uma arte (Boogie Woogie, ING 2009) tenta fazer trocadilho com
duas vertentes do filme: a traição e o mundo da arte. O título original é muito
mais feliz ao fiar-se na obra que move um dos arcos da trama – um quadro de
valor inestimável que pertence a um homem à beira da morte (Christopher Lee)
que o comprou do próprio artista e que é assediado pelo principal galerista de
Londres (Danny Huston) para vendê-lo.
Trair é uma arte é comédia muito mais lisérgica e muito
menos escandalosa do que o nome sugere. O filme de Duncan Ward, baseado no
livro de Danny Moyninhan – que também assina o roteiro – é uma análise, por
vezes muito feliz, do mundinho da arte. De seus clichês – e os clichês são
repercutidos com o devido cinismo inglês – e de seus meandros.
O filme congrega os mais variados tipos que integram a cena
da alta arte. Do galerista prepotente homossexual que defende uma
heterossexualidade agressiva inexistente ao colecionador cheio de compulsões
que rivaliza anonimamente com ele. A diretora da galeria moderninha com
ambições maiores do que colocar silicone nos seios, a harmonia entre a cena gay
e a pop arte, a quarentona consumista que se ressente do universo no qual está
inserida, mas não da luxúria que ele enseja e por aí vai.
Há bons momentos no filme de Ward e o diretor, para alguém
tão pouco experimentado no ofício, equilibra muito bem as tramas de sua
narrativa multifacetada. O sexo, e as traições, surgem como um elemento de
barganha, de manifestação de poder e, também, de expressão de um desejo mais
agudo, não necessariamente apenas carnal. Ainda que a frivolidade da arte, e a
facilidade com que se pula de galho em galho é um sintoma desse comentário,
seja externada com rigidez demolidora por Ward e Moyninhan, o filme cunha que o
mundo da arte tem signos bem distintos do eixo social em que a grande maioria
dos mortais se ajusta.
Um exemplo nítido ocorre em um diálogo entre o riquíssimo
colecionador vivido com gosto por Stellan Skarsgard e seu advogado por força do
divórcio do primeiro. Confrontado com o fato de ter que dividir sua comentada
coleção de arte com a futura ex-esposa, ele diz ao advogado para vender
tudo. O advogado lhe adverte que a medida não surtirá efeito, pois o dinheiro
decorrente das vendas precisará ser dividido, no que o colecionador devolve: “é
apenas dinheiro, não vale nada”.
O diálogo revela essa desequilibrada noção de status que
impera no mundo da arte e o quanto ela pode ser ferina.
O filme poderia ser mais ácido. Contudo, já vale como um
entretenimento acima da média. Ainda que não seja arte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário