Sobreposição apoteótica
Eis que estreou o novo e, até onde consta, derradeiro Batman
de Christopher Nolan. Mas se Batman- o cavaleiro das trevas ressurge (Batman
– the dark Knight rises, EUA 2012) traz consigo toda a pompa e grandiloquência
imaginadas para esse “gran finale”, traz também vícios e desacertos narrativos
e estruturais que tornam esse aguardado desfecho uma experiência relativamente
frustrante e digna de ressalvas inimagináveis nos dois primeiros filmes da
série.
É preciso estabelecer um nível de condescendência com Nolan. O cavaleiro das trevas (2008), em toda a sua exuberância, deixou muito pouco
de relevo dramático dentro do universo do homem-morcego para ser explorado
ainda nessa leitura de Nolan. Dessa forma, a missão era ingrata. As
expectativas desmesuradas de público, crítica e indústria não tolerariam um
filme inferior ao que promoveu o coringa de Heath Ledger à galeria de grandes
personagens da história do cinema. Mas nada sugeria que o resultado pudesse ser
tão contraditório.
O cavaleiro das trevas ressurge traz ecos francamente
incômodos de A origem, sucesso inventivo e corpulento que Nolan rodou no
ínterim entre os dois últimos filmes da trilogia do cavaleiro das trevas. Não
obstante, a fluxo narrativo é enviesado. Há muita parcimônia a princípio e
muito atropelo na meia hora final. Como se isso não bastasse, Nolan descrê da
imagem. Logo ele, um cineasta visualmente tão eloquente se submete a cenas
meramente expositivas – talvez uma insegurança eriçada após alguns olhares
dispensados a A origem.
Outro grave problema é o vilão. Ainda que seja pelo prazer
de especular, o desfecho de O cavaleiro das trevas sugeria que o Coringa ainda
se mostraria presente na trajetória de Batman, mas a tragédia que acometeu
Heath Ledger transformou isso. Não à toa, Nolan hesitou tanto antes de
confirmar a participação no terceiro filme. Ele refugiou-se, então, em Bane. Vilão pouco
carismático, mas protagonista de um dos mais marcantes arcos do homem-morcego
nos quadrinhos, replicado com alguma carga dramática no filme. Escolheu um ator
carismático e promissor, Tom Hardy, para dar viço ao personagem. Hardy
esforça-se e até tem seus momentos, mas a lembrança perene do Coringa de Ledger
torna ainda mais ingrata sua missão. Bane é uma caricatura mal formulada em cena. Um vilão que,
inclusive, se apequena no desfecho (que apresenta uma reviravolta previsível
–outra falha aqui proporcionada pela apática tentativa de “casar” com o filme
original).
Tom Hardy como Bane: um ator talentoso e carismático que sucumbe a um personagem mal elaborado
Como se não bastasse, o filme apresenta outros dois graves
problemas. O primeiro é o fato de Nolan repisar, em termos dramáticos, aspectos
do personagem Wayne/Batman já suficientemente desenvolvidos nos dois primeiros
filmes sem o acréscimo de uma nova camada ou um conflito redesenhado. O segundo
problema é a inversão de tom do filme. Há um norte moralista na narrativa que
inexistia no capítulo anterior. A complexidade moral de O cavaleiro das
trevas, sua ambiguidade trágica e sua protuberância filosófica dão vez a um
discurso político mal adornado que parece viver apenas para justificar o vazio
da proposta do terceiro filme.
Nolan, em sua opção pelo hiper-realismo, não soube
administrar sua cria. Fez um dos melhores filmes da história e se viu incumbido
de continuar de onde parou. Acabou por fazer um desfecho válido do ponto de
vista do entretenimento, digno, sob a perspectiva das grandes trilogias
cinematográficas, mas invariavelmente decepcionante se consideradas suas
potencialidades.
Apesar de dar vida a uma personagem que nunca escapa à
figura de apêndice narrativo, Anne Hathaway impressiona como mulher gato –
ainda que essa alcunha (acertadamente) jamais seja pronunciada. Chistian Bale,
por sua vez, parece no piloto automático. Percepção que tem seu pico em uma
cena com Michael Caine ainda na primeira hora do filme.
A conclusão possível após refletir sobre esse terceiro filme
– e a necessidade de reflexão não deixa de ser um mérito construído mais pelos
dois primeiros filmes do que por este derradeiro – é de que Nolan sentiu a
pressão. Ilusionista que é, e O grande truque (outro ótimo filme que realizou
na entressafra dos filmes do morcego) continua a ser um testamento eloquente,
pensou que poderia ludibriar sua plateia com seus artifícios. Pode ter
conseguido.