Mais cedo nesse ano, algumas artistas ligadas ao cinema,
enviaram uma carta aberta à direção do Festival de Cannes protestando pela
presença diminuta de diretoras entre os selecionados para participar do
festival. O diretor do evento, Thierry Frémaux, rebateu a crítica das
feministas e disse que a seleção se esmera na oferta e na proposta pertinente
aos preceitos do festival. E é verdade. A edição 2011 do evento francês, por
exemplo, havia sido bastante elogiada pela vasta presença de diretoras entre os
principais concorrentes na croisette.
Mas porque esse caráter pendular na presença de diretoras em
festivais de cinema? A resposta é fácil. Ainda são poucas. Disso, o leitor mais
antenado no mundo do cinema já sabe, mas o que não é tão óbvio assim é o
caminho traçado pelas diretoras atuantes nesse momento e, muito menos óbvio, é
o impacto que as escolhas delas terá no futuro e na formação de novas
cineastas.
É fácil apontar quem goza hoje de maior influência entre as
mulheres que dirigem. Sofia Coppola, é bem verdade, carrega no nome o peso
artístico de seu pai, mas com apenas quatro filmes no currículo de diretora,
ela já criou uma marca própria e uma galeria de fãs incondicionais de seu
cinema. O caminho pavimentado por Sofia, de diretora cult, não é apenas uma
nota de rodapé na história que as diretoras constroem. Está com Sofia a tocha
de seduzir e influenciar jovens mulheres na hora de optar pela direção. É a
filha de Francis Ford quem melhor reúne condições de ser “o Steven Spielberg” de
sua geração para as mulheres. A oscarizada Kathyrn Bigelow, por sua vez, também
desempenha papel importante na formação de novas diretoras de cinema. Se ela
não é conhecida por fazer filmes autorais em que prevaleça a famigerada
sensibilidade feminina, ela mostra que mulheres podem sim fazer “filmes de
menino”. É dela o neo cult Caçadores de emoção (1991), em que Keanu Reeves
e Patrick Swayze são surfistas e policial e bandido respectivamente, e o
premiado Guerra ao terror (2009). São filmes que se não entregassem os
créditos, dificilmente seriam atribuídos a uma mulher. Bigelow, ao se tornar a
primeira mulher a faturar um Oscar por direção por Guerra ao terror, no
entanto, pode ter reforçado a noção de que apenas um olhar essencialmente
masculino em certas produções é premiável. Uma questão que, no momento, só se
pode especular. De qualquer jeito, Kathyrn Bigelow abre portas para que
mulheres avancem sobre territórios masculinos no cinema e, com o tempo,
promovam mudanças mais estruturantes.
Sofia em ação: sensibilidade e marca feminina na hora de dirigir anunciam grande capacidade de influência na formação de novas cineastas
O lado B
Há, contudo, aquelas diretoras que enxergam na função uma
extensão de seus talentos. Assim como ocorre entre os atores, há atrizes que
cederam ao impulso de dirigir. Dessas, a mais consistente é Sarah Polley. Atriz
de pouca popularidade e reverberação crítica, Polley atingiu público e crítica
em cheio com o drama Longe dela (2006), uma história de amor transformada pelo
Alzheimer. Com roteiro e direção de Polley, chega agora aos cinemas brasileiros
Entre o amor e a paixão (2011), outra história de amor com forte prospecção
dramática. Nos últimos festivais de Veneza e Toronto,ela exibiu o documentário
Stories we tell, um filme sobre como a memória transforma experiências
familiares. Todos muito elogiados. Polley diminuiu seu ritmo como atriz para se
dedicar a essa nova e criativa fase. Já Angelina Jolie, atriz blockbuster que
vez ou outra se experimenta por um cinema mais sério, debutou na direção no ano
passado com Na terra de amor e ódio (2011). O filme tem uma inegável pretensão
artística e autoral, o que não deixa de se configurar um contraponto à persona
de Angelina Jolie nas telas.
Já Nancy Meyers, roteirista veterana de Hollywood que, em
2000, debutou na direção com Do que as mulheres gostam, optou por fazer seus
próprios filmes a dividir o mérito de seu afiado texto e expertise feminina com
diretores homens. Desde o filme estrelado por Mel Gibson- que ainda resiste
como a maior bilheteria do astro – Meyers lançou três títulos. Todos grandes
sucessos de bilheteria. O ponto a se observar é que ela mantém o foco em
personagens femininas fortes e sempre busca dar voz a dilemas essencialmente
femininos. Esse gosto se estabeleceu definitivamente em sua encarnação como
diretora, quando passou a ter total controle sobre seus textos.
Sarah Polley já ostenta três elogiadíssimos filmes no currículo de diretora e demonstra que o ofício como atriz pode ser um estágio para algo maior e mais criativo
A libanesa Nadine Labaki estrela os filmes que dirige e não se furta a tratar de assuntos polêmicos sob perspectivas essencialmente femininas
Diversificação é palavra de ordem
Outras diretoras desempenham importante e qualificado papel
nesse tabuleiro. Jane Campion é uma delas. Campion nada mais é do que a segunda
mulher a concorrer ao Oscar de direção (até hoje não passaram de quatro).
Campion foi a primeira mulher a efetivamente permear a película do feminino.
Isso lhe rendeu uma Palma de ouro em Cannes com O piano (1994). A diretora já
errou a mão (Fogo sagrado, Em carne viva), mas manteve-se fiel a sua proposta
de cinema e sempre ativa e interessante.
Outras diretoras que vão construindo legados necessários são
a libanesa Nadine Labaki, cujo mais recente filme (E agora, onde vamos?) acabou
de ser lançado nos cinemas brasileiros, Lynne Ramsey, do angustiante Precisamos
falar sobre Kevin (2011), e a brasileira Laís Bodanzky que estabelece uma
cinematografia plural, pensante e representativa na nova cena cinematográfica
brasileira.
São mulheres que carregam o peso do futuro em seus ombros,
mas agem com extremo bom gosto e pertinência em suas escolhas pontuais. Mas
definitiva, e ainda por ser mensurada, foi a escolha de Haifa al Mansour, que
se tornou a primeira diretora de cinema da Arábia Saudita, seguramente o país
mais repressor no que tange as mulheres. Mansour obteve, ainda, o feito de
dirigir em seu próprio país. Seu primeiro filme, Wadja, não deve ser exibido na
Arábia Saudita, mas já foi mostrado no último festival de Veneza. São mulheres,
cada qual a sua maneira, contribuindo para que tantas outras tenham escolha na
sétima arte.
Jane Campion, uma das mais longevas e interessantes diretoras, orienta Meg Ryan e Mark Ruffalo no set de Em carne viva, um de seus filmes mais desafiadores