sábado, 30 de novembro de 2013

Concurso cultural para assistir Crô - o filme

Quer ganhar um par de ingressos para assistir a comédia dirigida por Bruno Barreto e protagonizada por Marcelo Serrado? É muito fácil participar desta promoção. Basta enviar um e-mail para reinaldoglioche@hotmail.com com a resposta para a seguinte pergunta: Que personalidade (das artes, da política ou de qualquer outra área) seria o patrão ideal para Crô e por quê? A melhor resposta fatura o par de ingressos. É possível enviar quantos e-mails quiser até às 22h de segunda-feira, 2 de dezembro. Participem de mais esta promoção fruto da parceria entre Claquete e o site AdoroCinema.


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crítica - Tatuagem

Grito contra a grita!

Existe uma preocupação que norteia Tatuagem (Brasil 2013), ousada e feliz estreia de Hilton Lacerda, habitual colaborador de Cláudio Assis, na direção de longa-metragens.
Essa preocupação concerne em deixar claro para o espectador que o Brasil pouco avançou em matéria de liberdades individuais desde que voltou a ser uma democracia. É uma preocupação legítima e que permeia o filme de maneira orgânica no desenho que Lacerda dá à trama.
Clécio (Irandhir Santos) é o diretor de uma trupe teatral de ar revolucionário na Recife de 1978 que busca no drible à censura dos militares a beleza de seu ofício. Clécio tem um filho e se dá bem com a ex-mulher, mas é homem que gosta de homem e não se furta a fazer o que gosta. É um homem inteligente, paciente e extremamente emocional. O ambiente em que vive é de liberdade, mas há rachaduras. De certa maneira, a presença de Arlindo (Jesuíta Barbosa), um militar que vai se encantando pelo padrão de vida daqueles artistas escanteados pelos bons costumes, expõe essas rachaduras.
Arlindo vive em um quartel com visível desconforto, Lacerda não se furta a dimensionar o forte apelo homoerótico daquele ambiente. Mas o desconforto de Arlindo, chamado de fininha em parte por sua voz e em parte por sua envergadura, não vem daí. É preciso conhecer a família de Arlindo, daquelas tradicionais e aguerridas à religião, para discernir as raízes do desconforto de Arlindo. Ele não demora em atender seu desejo por Clécio, não se trata de alguém que não tinha conhecimento de suas pulsões sexuais, mas de alguém  que vivia de escondê-las e que uma vez no ambiente de Clécio, estimula-se a vivê-las por inteiro.
Tatuagem é um filme que trata o desejo como válvula desestabilizadora que ele é. Não raro os personagens se chocam, mas não há qualquer tipo de recriminação. Há sim um discurso, por vezes ereto demais, contra a incompreensão, o preconceito institucionalizado e a hipocrisia generalizada que jazem no convívio social. Nesse contexto, um número do grupo teatral de Clécio denominado "ode ao cú" é de uma eloquência ímpar. Ali é erguida uma reflexão sobre liberdade como jamais foi feito no cinema e com uma estética abusada, bem ao gosto do cinema pernambucano desafiador e incandescente que se pratica atualmente.
Lacerda se volta contra alguns paradigmas que norteiam alguns cânones do preconceito como o fato de crianças não poderem ser criadas em um ambiente que fuja aos padrões morais da maioria. Essa agenda, é bem verdade, enfraquece Tatuagem como cinema no mesmo compasso em que o habilita como catarse de uma causa. Se não é tão intransigente como Assis, Lacerda peca por ater-se demais a aspectos que não acrescem à narrativa.
As cenas de sexo entre Clécio e Arlindo, no entanto, não se encaixam nesse excesso. Há um interesse temático de mostrar dois homens se amando e as cenas, por mais fortes e gráficas que sejam, cumprem propósito central da narrativa de entender a função do desejo e como ele vai transformando aquelas figuras tão diferentes e, simultaneamente, se transformando em algo diferente também; em amor. A tatuagem que dá nome ao filme finalmente se justifica como catalisadora dessa transformação.
Os atores estão muito bem, desde Rodrigo Garcia como Paulete, amor de ocasião de Clécio, até Jesuíta Barbosa que deve tomar o cinema de assalto nos próximos meses. Seu desafio será eclipsar o talento colossal de Irandhir Santos, ator que parece desconhecer limites e ser capaz de arrebatar fazendo qualquer coisa. Ele é corpo e alma de Tatuagem, um filme que sem seus atores pareceria mais um grito e menos arte.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Em off

Nesta edição da seção Em off, James Franco e Seth Rogen dão um tapa com luva de pelica no convencido Kanye West, a corrida pelo Oscar tem seu primeiro highlight, os dez melhores filmes de 2013 pela Cahiers Du Cinema e animações de alta qualidade produzidas fora do mainstream americano.

É aquela época do ano...
Saíram os indicados ao Independent Spirit Awards 2014, que na prática dá a largada na corrida pelo Oscar. A premiação, entregue na véspera dos prêmios da academia, celebra o cinema independente.
Como esperado, 12 years a slave, que disparou na dianteira nos bolsões de apostas para o Oscar, é o líder de indicações com sete. Na sequência vem o novo e já premiado filme de Alexander Payne, Nebraska, com seis menções. Frances Ha, Inside Llweyn Davis – balada de um homem comum e All is lost completam a lista dos indicados a melhor filme.
Matthew McConaughey, Cate Blanchett, Shailene Woodley e Julie Delpy são alguns dos destaques desta edição. Confira abaixo os indicados nas principais categorias.

Chiwetel Ejiofor é um dos destaques de 12 years a slave na premiação

Melhor Direção
Shane Carruth (Upstream Color)

J.C. Chandor (All Is Lost)
Steve McQueen (12 years a slave)
Jeff Nichols (Amor Bandido)
Alexander Payne (Nebraska)


Melhor Atriz
Cate Blanchett (Blue Jasmine)

Julie Delpy (Antes da Meia-Noite)
Gaby Hoffmann (Crystal Fairy)
Brie Larson (Short Term 12)
Shailene Woodley (The Spectacular Now)


Melhor Ator
Bruce Dern (Nebraska)

Chiwetel Ejiofor (12 years a slave)
Oscar Isaac (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)
Michael B Jordan (Fruitvale Station)
Matthew McConaughey (Dallas Buyers Club)
Robert Redford (All Is Lost)


Melhor Roteiro
Woody Allen (Blue Jasmine)
Julie Delpy, Ethan Hawke e Richard Linklater (Antes da Meia-Noite)
Nicole Holofcener (À Procura do Amor)
Scott Neustadter e Michael H. Weber (The Spectacular Now)
John Ridley (12 years a slave)


Melhor Atriz Coadjuvante
Melonie Diaz (Fruitvale Station)

Sally Hawkins (Blue Jasmine)
Lupita Nyong’o, (12 years a slave)
Yolonda Ross (Go For Sisters)
June Squibb (Nebraska)


Melhor Ator Coadjuvante
Michael Fassbender (12 years a slave)

Will Forte (Nebraska)
James Gandolfini (À Procura do Amor)
Jared Leto (Dallas Buyers Club)
Keith Stanfield (Short Term 12)


Melhor Fotografia
Sean Bobbitt (12 years a slave)

Benoit Debie (Spring Breakers: Garotas Perigosas)
Bruno Delbonnel (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)
Frank G. Demarco (All Is Lost)
Matthias Grunsky (Computer Chess)


Melhor Edição
Shane Carruth e David Lowery (Upstream Color)

Jem Cohen e Marc Vives (Museum Hours)
Frank G. Demarco (All Is Lost)
Matthias Grunsky (Computer Chess)


Melhor Filme Estrangeiro
Um Toque de Pecado (China)
Azul é a Cor Mais Quente (França)
Gloria (Chile)
A grande beleza (Itália)
A Caça (Dinamarca)


A lista das listas
A lista da Cahiers Du Cinéma dos dez melhores filmes do ano é uma instituição. Ainda que não goze do prestígio de outrora, a publicação é das mais influentes no quesito cinema e não entretenimento. Além de ter sido a mãe da teoria do autor, já que a Nouvelle Vague saiu, de certa maneira, de suas páginas.
Uma prerrogativa da lista, ano após ano, é a de polemizar na mesma medida em que faz escolhas inusitadas tanto para os padrões da revista como para as expectativas alimentadas pelo público.
Neste ano, a presença de Spring breakers: garotas perigosas, logo na segunda posição, chamou a atenção. Outro aspecto que salta aos olhos, é a forte presença de filmes saídos de Cannes na lista. São cinco ao total, incluindo o primeiro colado, Stranger by the lake, e o vencedor da Palma de ouro Azul é a cor mais quente. Os americanos, com três menções, também se destacam no ranking que tem em suas cabeças produções centradas no sexo. Não deixa de ser laudatório que os três primeiros colocados do ranking reflitam o grande tema de 2013 nos cinemas. Confira a lista da Cahiers Du Cinema:

Cena do esteticamente ousado e narrativamente intrigante Stranger by the lake, em que homens se encontram para fazer sexo fortuito próximo a um lago

1- Stranger by the Lake, de Alain Guiraudie
2. Spring Breakers, de Harmony Korine
3. Azul é a cor mais quente, de Abdellatif Kechiche
4. Gravidade, de Alfonso Cuaron
5. Um toque de pecado, de Jia Zhang Ke
6. Lincoln, de Steven Spielberg
7. La Jalousie, de Philippe Garrel
8 – Haewon et les Hommes, de Hong Sang-Soo
9 – Dia e Noite, de Yann Gonzalez
10 – La Bataille de Solférino, de Justine Triet

 Animação tipo exportação
Na esteira do lançamento da animação argentina Um time show de bola, o AdoroCinema elencou 20 animações não americanas para provar que há muita coisa boa sendo produzida fora da terra do tio Sam. Tem até produção vencedora do Oscar na lista. Confira!

Ah, as paródias!
James Franco e Seth Rogen resolveram parodiar um clipe de Kanye West e, bem, fizeram algo impagável. Vale a pena assistir!

domingo, 24 de novembro de 2013

Insight - A sexualidade feminina pelo olhar masculino

Há Pedro Almodóvar e há os outros. Ao longo dos anos, crítica e cinéfilos exaltaram o olhar exercitado pelo cineasta espanhol para as coisas do feminino. A alma da mulher é compreendida em toda a sua paradoxalidade  e complexidade pelo cinema de Almodóvar, diz o senso comum produzido na roda cinéfila. Há quem credite esse atributo invejável à homossexualidade do diretor. É uma tese discutível, mas amplamente aceita. O próprio Almodóvar em diferentes entrevistas, para veículos de diferentes países, estabeleceu uma lógica de morde e assopra. Ora dando vazão à teoria, ora rejeitando-a veementemente.
Mas Almodóvar é, ainda que com esses paroxismos, um consenso. O ano de 2013, no entanto, inseriu um novo componente nesse debate. Como já é notório, o vencedor da Palma de Ouro em Cannes Azul é a cor mais quente (nome nacional da fita escolhido por leitores do AdoroCinema em promoção realizada em parceria com a distribuidora do filme no Brasil), apresenta um romance lésbico com cenas bastante gráficas.
O filme do franco tunisiano Abdellatif Kechiche foi desautorizado pela autora da HQ na qual o filme se baseia. Para a francesa Julie Maroh, Azul é a cor mais quente só atrai interesse para si pelas comentadas cenas de sexo. “Tirem o sexo e ninguém irá querer ver o filme”, bradou. A autora criticou Kechiche que, segundo ela, a teria deixado de fora do processo criativo do longa-metragem. Maroh diz, ainda, que Kechiche filma o romance lésbico com fetichismo, como um voyeur, com pegada heterossexual e não mimetiza em celuloide o sentimento e a visão que ela tangencia, ou quis tangenciar, na obra original. Depois do pronunciamento de Maroh, as atrizes Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos se manifestaram na mídia insinuando que teriam sido manipuladas por Kechiche na feitura do filme. O cineasta, então, rompeu o silêncio e disse que o filme então não deveria ser visto. Depois voltou atrás.

Almodóvar e uma de suas musas, Penélope Cruz, em fotografia da Vanity fair... 

... e Kechiche com suas atrizes exibindo o certificado e Palma de ouro conquistados neste ano

A polêmica em torno de Azul é a cor mais quente faz mais do que por em lados opostos feministas e diretores homens. Stanley Kubrick realizou um bom ensaio sobre sexualidade, e por consequência sobre sexualidade feminina, em De olhos bem fechados. Stephen Daldry, que também gay, fez o excelente As horas, que aborda o universo feminino, e aí obviamente inclusa a sexualidade, com destreza até hoje inigualável. Woody Allen também construiu personagens femininas muito fortes, muito tridimensionais, a Jasmine – do novo Blue Jasmine – honra essa tradição. E feminista que se preze tem ojeriza a Woody Allen.
O novo filme de François Ozon, que também é gay, Jovem e bela, também exibido em Cannes, provocou ira nas feministas. No filme, uma jovem endinheirada resolve se prostituir para viver essa experiência. As feministas acusam Ozon de fetichista, no que o autor se exime por bradar “sou gay” e estar interessado na descoberta da sexualidade pela mulher em tempos muito mais cínicos e permissivos. Há mais de 40 anos, o espanhol Luis Buñuel apresentou proposta similar em A bela da tarde (1967), em que a infeliz esposa, jovem e rica, vivida por Catherine Deneuve resolve se prostituir às tardes enquanto o marido médico trabalha.
Entre fetiche, curiosidade e sensibilidade, a sexualidade feminina parece interessar mais aos cineastas homens do que às mulheres. Salvo Jane Campion, Sarah Polley e circunstancialmente uma ou outra diretora, o cinema carece desse olhar que muito acrescentaria a muito mais plural, complexa e apaixonante sexualidade feminina.

As atrizes de As horas, filme que investiga a fundo o feminino... 

... e Marine Vacth em cena de Jovem e bela, o filme de Ozon que provocou a ira das feministas

sábado, 23 de novembro de 2013

Crítica - Jovem e bela

Entre a ingenuidade e a perversão

O segundo filme de François Ozon, que para todos os efeitos é o cineasta mais sofisticado a desvelar narrativas no cinema atual, lançado em 2013 nos cinemas brasileiros, é um primor tanto em matéria de provocação como de reflexão. Jovem e bela (Jeune & Jolie, FRA 2013) ostenta em sua essência a referência suprema que é A bela da tarde, do mestre Luis Buñuel, sobre uma mulher que se prostitui às tardes em busca de prazer carnal não verificado em sua relação conjugal. Mas essa referência é parca. Em Jovem e bela, Ozon não está interessado, em primazia, em discorrer fetiches femininos ou masculinos que se intercambiam aos primeiros. Ele recusa aprofundar-se justamente naquilo que o público espera dele. Isabelle (Marine Vacth) fez 17 anos justamente no momento em que perde sua virgindade com um turista alemão durante um verão em que passa na praia com sua família. Dali em diante, acompanharemos Isabelle se prostituindo, sempre com homens mais velhos, pelas próximas estações.
Ozon sabe fazer as perguntas certas. Por que, afinal, aquela garota bonita e bem de vida se entregaria à prostituição? Há pistas sedutoras ao longo do caminho, mas não há uma resposta formal. Ozon enseja uma reflexão sobre a descoberta da sexualidade e toda a construção moral que se organiza em seu entorno. Mesmo no seio da liberal sociedade francesa. Em um dado momento, um personagem pergunta para Isabelle porque cobrar nesses encontros sexuais e ela responde “porque assim é mais fácil”. O que é mais fácil? Ora, experimentar. Experimentar-se sem ter que se explicar, explicar-se. É interessante observar como Isabelle, aparentemente uma figura desapaixonada, vai arregimentando sua sexualidade como arma, mesmo que opte por frear-se cá e lá.
Logo na abertura do filme, o cineasta esbraveja sua provocação. Com um binóculo, observamos uma garota fazendo topless. Depois vemos que quem observava a garota era um menino e logo adiante descobrimos que o menino é o irmão da garota, que é justamente Isabelle. A curiosidade pelo sexo, o receio em relação ao sexo, o temor em relação ao sexo e demais rodeios humanos em relação ao sexo pautam Jovem e bela, que incide um olhar agudo sobre a “beleza perdida” da juventude – principalmente na primorosa cena final – e a forma como o sexo se transforma em um canal a irrigá-la.
Imagens belas adornam uma das narrativas mais sofisticadas
do ano nos cinemas
Ozon sabiamente faz com que o espectador sinta-se amoral por a todo tempo adivinhar as razões que movem Isabelle para logo depois desorientá-lo com a ausência de uma resposta clara e abalizada. Ao posicionar seu público na esquina da dúvida, brincando com os conceitos de ingenuidade e perversão – que balbuciam e se bifurcam na tela – o cineasta oferece uma análise porosa, desabrida e cheia de vida e indagações, tal como a juventude.
É preciso louvar, ainda, o talento da atriz Marine Vacth. Ela pratica o que parece uma “não atuação”. Sempre desconfortável em cena, seja simulando prazer, seja sendo uma adolescente desengonçada ou uma mulher segura da potência de sua sexualidade, Vacth sobeja precisão e frescor. Sua performance afiada é sinal, também, do excelente momento criativo que vive Ozon. Ainda que Jovem e bela não seja no todo tão impressionante e complexo como Dentro da casa, é um filme de invejável fôlego narrativo e sofisticação singular. É cinema com muito mais do que algo a mais.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Claquete repercute - Febre do rato


Cláudio Assis é dos diretores mais criativos, intransigentes e pulsantes do cinema nacional. Sua ainda curta filmografia é caracterizada por uma estética ousada e virulenta e interesses temáticos peculiares que colidem na caretice dos tempos contemporâneos e não se ajustam aos padrões comerciais vigentes no cinema. Reiteradas declarações do diretor pernambucano dão conta de que ele se incomoda com essa percepção que o desenha tão marginal e circunscrito, mas seu cinema se oxigena de uma forma que as palavras raivosas de Assis não conseguem tangenciar. Febre do rato (Brasil 2011), nesse contexto, até que é bem comportado. É o filme mais convencional do anticonvencional Assis. Se há menos experimentações estéticas, os temas que atraem o diretor estão todos lá incautos em uma representação acalorada e transgressiva da baixa Recife.
O preto e branco da fotografia de Walter Carvalho é uma edulcoração da forma, uma poesia narrativa a que Assis se permite à medida que fala de arte, poesia em particular, como elemento de transgressão, de elaboração de uma identidade livre, mutável e anárquica como Zizo (Irandhir Santos), o protagonista do filme. Conhecido como poeta, Zizo perambula por Recife recitando poemas anárquicos no conteúdo, mas cintilantes na forma. Enérgico e cheio de paixão, Zizo  faz sexo com mulheres velhas da região, fuma maconha e escreve, escreve e escreve.  A destilar seu inconformismo para pazinho, um coveiro que vive as turras com a mulher que é o homem de sua vida, Zizo se assombra com a falta da capacidade de aperrear das pessoas. Do trepar sem gozar, como tão bem alude. Acontece que o próprio poeta vai ficando refém de um amor que o toma de assalto e lhe esfrega a impotência na cara. Eneida (Nanda Costa) é uma jovem libertária que provoca o poeta, mas hesita em se entregar para ele, a quem rotula sacanamente de publicitário. Enquanto investe na tentação que é Eneida, Zizo vai dando outro corpo a seu anarquismo.
A trama de Febre do rato, o nome do filme é também o nome do tabloide que Zizo edita contra as forças dominantes da sociedade, é ela mesma a mimetização da anarquia do cinema de Assis, estranhamente mais organizado narrativamente.  A nudez, o sexo e o despojamento com que se misturam a um ambiente de aridez expressa e contínua mimetizam o caráter transgressivo em Assis e toda a opulência de seu discurso contra as elites (política, intelectual ou qualquer outra).

O poeta e sua inesperada e desejada musa: transgressão porosa

Febre do rato é, portanto, menos uma crônica pernambucana ou de Pernambuco e mais uma intermitência intradiegética. Ou a proposição dessa intermitência.  O roteiro, assinado em colaboração com Hilton Lacerda e Xico Sá, não à toa dá à poesia a incondicionalidade da razão. Todos ouvem Zizo mesmo que não o entendam. Pazinho certo momento lhe informa disso para ser retrucado: “Eu gosto de você gostar do que não entende”.
O radicalismo de Assis, nesse sentido, está menos nos devaneios estéticos que alienaram muitos em Amarelo manga (2002) e Baixio das bestas (2007) e mais na veiculação das ideias. No fim do filme, quando Zizo recita um poema e incita que os ouvintes tirem a roupa como metaforização para o desnudamento de seus corações,  Assis atinge o epicentro desse radicalismo formal e ao exibir Irandhir Santos e Nanda Costa totalmente nus, funde o discurso de seu protagonista ao do filme de maneira irreversível.  Cláudio Assis, mais maduro, ainda quer aperrear.


domingo, 17 de novembro de 2013

Crítica - Blue Jasmine

A mãe de todas as crises

Blue Jasmine (EUA 2013), o último Woody Allen, é de certa forma, a visão do diretor nova-iorquino sobre a crise econômica que em 2008 derreteu a economia americana e que ainda se faz sentir, mas é antes disso um elaborado estudo de personagem. A personagem em questão é Jasmine (Cate Blanchett), uma mulher que precisa se adaptar à pobreza depois que seu marido milionário, Hal (Alec Baldwin), foi preso por fraude financeira. Ela se muda de Nova Iorque para São Francisco, na Califórnia, para morar com a irmã pobretona, com quem sempre teve uma relação conflituosa, enquanto planeja sua reestruturação.
Tão logo encontramos Jasmine, no voo que a leva para São Francisco, percebemos seu colapso emocional e Cate Blanchett é muito hábil em aprofundar essa sensação ao longo do filme.
Woody Allen escreve uma personagem riquíssima do ponto  de vista narrativo, mas não se furta à combinação de referências que vão desde Tennessee Williams e Elia Kazan, com Uma rua chamada pecado, a Eric Romher, na fotografia e nos enquadramentos, passando pelo escândalo da pirâmide financeira cujo protagonista Bernard Madoff foi preso em dezembro de 2008.
O que Allen parece querer dizer com seu filme, um misto bem urdido de conto moral e estudo de personagem, é que a aparência não pode esconder, pelo menos não em termos perenes, problemas intrínsecos à concepção emocional de um indivíduo.  Assim é Jasmine, que antes se chamava Janette, alguém que sente a necessidade de se reinventar a cada percalço que enfrenta.  Apesar da elegância e da beleza fulgurantes, Jasmine é um poço de insegurança a se projetar sobre a irmã Ginger (Sally Hopkins) que por sua vez apresenta um palpável complexo de inferioridade. As características das personagens são, portanto, as chaves do comentário de Allen ao apontar para a mãe de todas as crises, àquela que nasce no interior do indivíduo.

Cate Blanchett confere vibração e carga emocional ao filme mais triste de Woody Allen em muitos anos

Os flashbacks irrigam não só o passado de Jasmine, mas aclimatam seu futuro na medida em que permitem um desenho mais inteiro da personagem, ainda que Allen enxergue a necessidade de justificá-los recorrendo ao clichê da impulsividade da mulher traída para certificar-se que sua Jasmine saia humanizada ante o olhar da audiência. A preocupação de Allen, entretanto, é legítima. Jasmine é inegavelmente uma das personagens mais antipáticas da galeria alleniana e elaborada em cima de uma representação caricatural de socialite elitista. Mas bastava confiar mais no trabalho paranormal de Cate Blanchett em dimensionar essa mulher cheia de defeitos e vicissitudes. Allen é generoso com sua estrela. A filma como a musa que ela é e Blanchett retribui o favor dominando substancialmente a personagem tão bem escrita pelo cineasta. Por isso, os flashbacks poderiam ser menos didáticos sobre as circunstâncias da deflagração do colapso emocional de Jasmine.
Feita essa ressalva, Blue Jasmine é o filme mais bem lapidado dessa safra mais recente de Allen decidida a fundir drama e comédia, que tem Você vai conhecer o homem dos seus sonhos e Meia-noite em Paris como exemplares mais vívidos. É, também, seu filme mais desesperançoso em muito tempo. Não exatamente por isso, mas pela radiografia precisa tanto de uma personagem tão complexa como das visões de mundo que a gravitam, que Blue Jasmine se ajusta como o melhor filme do diretor americano desde Match point- ponto final.  

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Crítica - Capitão Phillips

Sobrevivência a qualquer custo

O que difere o cineasta inglês Paul Greengrass de outros contemporâneos é sua contenção quase vocacional equilibrada à aspereza do registro que inequivocamente se emparelha à verve documental. Essa característica de seu cinema, que elevou a trilogia Bourne ao status de obra influente não só no cinema de ação, está presente em Capitão Phillips (Captain Phillips, EUA 2013), filme que recria o sequestro do cargueiro Alabama por piratas somalis ocorrido em 2009.
Greengrass resiste a clichês que costumam povoar esse tipo de filme e se concentra exclusivamente na ação; opção esta que reforça a voltagem emocional do que se testemunha. O mérito do diretor está menos em tirar tensão de uma situação que já se sabe o desfecho – afinal o capitão Phillips viveu para contar a história – e mais em filtrar dessa situação extraordinária, e ao mesmo tempo banal, um valioso comentário sobre a luta pela sobrevivência. Seja ela no curto ou no longo prazo. Desse rico subtexto, Greengrass ainda oferece um potente comentário político deflagrado nos dramas humanos dos personagens. Sejam eles os piratas somalis, que trafegam entre a ingenuidade e o instinto, ou a tripulação assustada com o ataque ao Alabama.
Nesse recorte em particular entra o personagem que batiza a fita. O capitão Phillips de Tom Hanks nada mais é do que um homem comum, com suas convicções e dilemas que só podem ser intuídos pelo público a partir de sua postura enquanto é feito refém pelo grupo de quatro piratas somalis. É da mesura entre as necessidades que movem Phillips e Muse (Barkhad Abdi), o líder dos piratas, que Capitão Phillips atinge todo o seu potencial. O desespero de dois homens que estão apenas fazendo seu trabalho vai sendo talhado à medida que as circunstâncias desfavorecem ambos em escala cada vez mais acelerada.

Por uma vida menos ordinária: a luta pela sobrevivência, em seus tons mais agudos e alarmantes, move Capitão Phillips que é constantemente abastecido pela tensão que emana dos personagens

Sem diminuir o ritmo da ação e com atenção cirúrgica à maneira como ela afeta os personagens, Greengrass realiza um filme sem mocinhos e consegue a proeza de não tomar partido mesmo filmando o sequestro de um navio por piratas. Esse fator, aliado à destreza com que encena a tomada do navio pelos piratas, a dureza e tensão das negociações e o desenvolvimento da ação da Marinha americana para resgatar Phillips reforçam essa verve documental que tanto precede o diretor inglês.
Tom Hanks volta a apresentar uma performance digna de prêmios. A maneira como ele aborda seu personagem nos diferentes momentos dessa montanha russa emocional ao qual é submetido é um teste não só de fôlego dramático como de fisicalidade (principalmente no final). Mas em matéria de atuação, o filme é mesmo de Barkhad Abdi. Ator estreante, sua intensidade aqui é superlativa. Ao ponto de eclipsar Tom Hanks vez ou outra. Do olhar ao gestual, Abdi toma conta de praticamente todas as cenas em que aparece.
Com atores tão enraizados em seus personagens, um diretor tão lúcido e técnico e um roteiro assinado pelo ótimo Billy Ray que não deixa a peteca cair um momento sequer, Capitão Phillips se firma como um dos pontos mais altos de 2013 nos cinemas. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Em off

Nesta edição da seção Em off, o grande filme do feriadão é uma flor de Woody Allen; a lista de filmes mais assustadores de outro cineasta nova-iorquino; o hype de 50 tons de cinza ganha volume; a Disney ri à toa; a profecia de Ang Lee a espera por ela: Ninfomaníaca.

Os filmes mais assustadores segundo Scorsese
Martin Scorsese, como muitos já sabem, é um cinéfilo inveterado. Daqueles de fazer o mais cinéfilo dos cinéfilos se sentir uma fraude. Até porque Scorsese é, também, um dos maiores cineastas de todos os tempos. Ao Daily Beasy, o diretor de clássicos como Taxi driver, A última tentação de cristo e Os bons companheiros revelou sua lista de filmes mais assustadores da história do cinema. Há alguma coisa mainstream aí, mas o predomínio é dos clássicos marginais e obscuros da era do preto e branco. Aprendam crianças!

1- Desafio do Além (1963), de Robert Wise
2- A Ilha dos Mortos (1945), de Mark Robson
3- O Solar das Almas Perdidas (1944), de Lewis Allen
4- O Enigma do Mal (1982), de Sidney J. Furie
5- Na Solidão da Noite (1945), de Alberto Cavalcanti, Charles Crichton, Basil Dearden e Robert Hamer
6- Intermediário do Diabo (1980), de Peter Medak
7- O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick
8- O Exorcista (1973), de William Friedkin
9- A Noite do Demônio (1957), de Jacques Tourneur
10- Os Inocentes (1961), de Jack Clayton
11- Psicose (1960), de Alfred Hitchcock

Confira o trailer clássico de Desafio do além


A profecia de Ang Lee e seu grau de acuidade
Ang Lee, vencedor de dois Oscars de melhor direção, disse que a indústria chinesa superará Hollywood em termos de faturamento em dez anos. Isso, sem se preocupar em se comunicar com o resto do planeta. “O grupo que fala chinês é provavelmente quatro vezes maior que as pessoas que falam inglês", exortou o taiwanês. Lee não está sozinho nessa previsão. Enquanto muitos apreciam o exotismo de Bollywood, há quem entenda que o mercado chinês represente o verdadeiro risco para Hollywood. Não à toa, os grandes estúdios americanos se movimentam para realizar parcerias com estúdios chineses, agradar censores e todo tipo de manobra para evitar que a reserva de mercado chinesa se torne cada vez mais atraente para o público local.

No compasso da Ninfomaníaca
O marketing é agressivo e até faz lembrar uma megaprodução hollywoodiana. Com direito a censura do YouTube e tudo. É bem verdade que Ninfomaníaca é o filme mais caro da carreira de Lars Von Trier. Tão caro que o próprio diretor abriu mão do corte final da fita, algo impensável para um cineasta tão autoral e intransigente como o dinamarquês. Como se sabe, serão duas versões. Uma hard core, que será exibida fora de competição no festival de Cannes em 2014, e outra mais leve, mais comercial que será dividida em dois capítulos. O primeiro será lançado no Brasil em janeiro de 2014. O segundo, talvez, apenas após Cannes. Quem esteve no Brasil, para uma cirurgia plástica e para a divulgação de um calendário que estrela, foi Uma Thurman, que atua em Ninfomaníaca. A atriz falou que admira o dinamarquês a quem considera “gênio, atrevido e um pouco louco”. No final das contas, tudo isso rima com marketing.

A Jasmine de Woody Allen

O melhor filme de Woody Allen desde o melhor filme de Woody Allen! Essa é a pecha que recebeu Blue Jasmine, que estreia nesta sexta-feira (15) em circuito comercial no Brasil. Mas qual é o melhor filme de Woody Allen antes de Blue Jasmine? Aí está a graça. Tem quem ache que é Meia-noite em Paris (2011), tem quem ache que é Match point- ponto final (2005) e tem quem vá até Noivo neurótico e noiva nervosa (1977). De qualquer jeito, Blue Jasmine – “uma comédia que não faz rir e ainda assim é hipnotizante” nas palavras do crítico A.O Scott do The New York Times – avoca aquele tipo de consenso irresistível.
Cate Blanchett faz uma socialite falida, depois da prisão do marido por fraude financeira, que precisa se adaptar à vida de pobretona. Allen foca nas compulsões, obsessões e impulsos dessa mulher que precisa se reinventar e pode ruir antes disso. 

Vivendo o hype!
A Entertaiment Weekly desta semana destaca em sua capa o casal protagonista de 50 tons de cinza. Além de um editorial fotográfico estrelado por Jamie Dornan e Dakota Johnson, a reportagem traz bastidores da produção e a nova data de lançamento do filme: 15 de fevereiro de 2015. A mudança de agosto de 2014 para o valentine´s Day do ano seguinte se deve pelos sucessivos imprevistos que marcaram a produção nos últimos meses.


Rindo à toa
A Disney, que já esfrega as mãos para 2015 quando lançará entre outros filmes as aguardadas sequências de Os vingadores e Star Wars, anunciou nesta semana que quebrou o recorde de bilheteria mundial em um ano em 2013. Com U$ 3,79 bilhões em faturamento e com dois meses e três lançamentos separando 2013 do fim, a Disney tem mesmo muitas razões para comemorar.  

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Espaço Claquete - O legado Bourne

Seguir uma franquia sem seu principal astro é um problema que muitos estúdios já tiveram que encarar. Tiveram, entre aspas porque essa é uma opção puramente mercadológica. No caso da franquia Bourne, a dependência de Matt Damon é ainda maior. O legado Bourne (The Bourne Legacy, EUA 2013), sem Damon e com Jason Bourne apenas como uma sombra, consegue se desvencilhar desse problema com relativo sucesso. O que não implica constatar que seja um bom filme de ação ou mesmo um eficiente thriller de espionagem.
Dirigido por Tony Gilroy, responsável pelo roteiro da trilogia original, o filme amplia o escopo da franquia e mostra outros agentes como Bourne de programas patrocinados pelo governo americano que passam a ser eliminados quando as coisas começam a dar errado e Bourne expõe alguns segredos sujos das agências de inteligência americana e seus contratos obscuros com empresas de segurança privada.  A ação se desenvolve paralelamente aos eventos de O ultimato Bourne.
Se Gilroy é hábil em adequar seu filme ao novo contexto da série, ainda que não definitivo, é pouco eficiente em tornar a trama de O legado Bourne cativante. O filme é perigosamente previsível, com poucas, esparsas e enjoadas cenas de ação e um protagonista pouco carismático. Jeremy Renner, frequentemente um poço de carisma, sofre para dar viço e carga dramática a Aaron Cross, que não é desmemoriado, mas pouco sabe sobre o programa do qual faz parte.
A luta pela sobrevivência é o motriz da série que continua a investir em intérpretes sofisticados (Edward Norton e Rachel Weisz são as novas adições) e no clima de teoria conspiratória. No entanto, Gilroy não tem como diretor o mesmo senso de espetáculo de Paul Greengrass e não conta com o elemento surpresa que favoreceu Doug Liman no debute da série. Se por vezes, O legado Bourne soa um filme mais sério do que de fato é, é mérito seu. O problema é que na maioria das vezes o filme soa mais banal do que realmente é.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Crítica: Kick-Ass 2

Pensando na sequência...

Kick-Ass: quebrando tudo foi um sucesso acidental, na concepção mais ampla do termo. Objeto de culto, em parte pela apoteose que é a personagem Hit girl, uma sequência do filme rapidamente se impôs nos planos do estúdio. Kick-Ass 2 (EUA 2013) é bem melhor do que se poderia esperar, dada a desistência do diretor Matthew Vaughn em tocar a sequência e do bafafá em torno da violência do filme construído por Jim Carrey. É bem verdade que o filme dirigido por Jeff Wadlow não é, de maneira alguma, o poço de inventividade narrativa, de originalidade visual e temática que o de Vaughn, mas a essência está preservada. O que depõe contra este filme é sua preocupação em soar pedagógico, algo que vai contra o espírito tanto da HQ na qual se inspira como do filme original. Há uma preocupação em lembrar a plateia de que o que se vê na tela é um filme, que há uma guia moral que precisa ser observada. É desperdício de recurso (e tempo) narrativo.
Feita essa ressalva, Kick-Ass 2 mantém o fio da meada do filme original. Dave (Aaron Johnson) ainda precisa elaborar exatamente o que significa ser Kick-Ass enquanto Mindy (Chlöe Grace Moretz) precisa aprender a se desvencilhar de Hit Girl e ser apenas Mindy. Algo que ela não sabe exatamente como fazer. Chris D´ Amico (Christopher Mintz-Plasse) está cada vez mais obsessivo com Kick-Ass, o responsável pela morte de seu pai. A evolução desses conflitos culminará, como não poderia ser diferente, no pau comendo para todo o lado.
Dave e Mindy sem os trajes: de alguma maneira incompletos...

Há ótimas piadas e gags em Kick-Ass 2 que continua ímpar no uso que faz do humor e da ironia para satirizar tanto a sociedade do consumo como o universo utópico e anedótico das HQs. Nesse aspecto, o filme vale (e muito) o ingresso. Há mais hit girl também, embora ligeiramente mais bem comportada, para quem vidrou na heroína mais original e desbocada de todos os tempos. Há, também, a percepção de que a sequência foi cuidadosamente pensada, o que nem sempre é bom sinal. No próprio filme há duas ou três piadas, todas ensejadas pelo personagem de Aaron Johnson, sobre isso. O lado bom disso é constatar o desprendimento do filme em rir de seu meio e de si. Sempre uma boa notícia.

domingo, 10 de novembro de 2013

Insight - Por que o nazismo ainda move mundos e fundos no cinema?

Praticamente todo ano são lançados filmes que abordam, de algum ângulo, o nazismo ou o holocausto. E não só pelo cinema americano, o cinema europeu também se alimenta dessa aparentemente inesgotável fonte temática. É o caso de Lore (2012), filme alemão lançado este mês nas principais praças do país. No drama, com o fim terceiro reich, uma família capitaneada por um oficial nazista se desintegra. Com o pai e a mãe em fuga, a jovem Lore é instruída a conduzir seus irmãos até uma cidade afastada onde sua avó reside. Além da fome e outras mazelas, ela precisará administrar as relações pandêmicas com judeus naquele cenário de pós-guerra ainda incerto. O filme propõe uma subversão no papel de presa e predador e vai além da retórica habitual das grandes narrativas erguidas depois do colapso do nazismo.
 Os falsários (2008), Bastardos inglórios (2009), A queda – as últimas horas de Hitler (2004), Um homem bom (2008), O leitor (2008) e Hannah Arendt (2012) são alguns exemplos de filmes recentes que abordaram o nazismo e o holocausto de perspectivas diferenciadas, renovadas por um olhar menos reverente e mais reflexivo.
Nesse contexto, de revisão histórica, de análise profunda da essência humana, de suas contradições, fraquezas e fragilidades, atentando para a perenidade das mesmas, reforça o nazismo como um tema riquíssimo do ponto de vista cinematográfico. A multiplicidade de enfoques é tamanha que apenas os seis filmes citados no parágrafo acima demonstram como o tema – ainda que provoque fadiga vez ou outra – está longe de se esgotar no cinema.
Lore, Hanna Arendt e O leitor são frutos de um refinamento que apenas o tempo imprime ao tratamento do nazismo pelo cinema. Não quer dizer que não haja dramalhões como O menino do pijama listrado (2008), mas o nazismo, à medida que sua memória vai ficando confinada ao século XX, se torna alvo de descobertas por outros olhares. É um momento de impensável vigor tanto para o tema no cinema como para aqueles que por ele se interessam.

Cena de Hanna Arendt, excelente filme alemão que vocaliza uma controversa teoria da filósofa que dá nome ao filme de que oficiais nazistas não faziam o que faziam por serem maus, mas por serem comprometidos com suas funções 

Em um Um homem bom, dirigido pelo brasileiro Vicente Amorim, Viggo Mortensen faz um intelectual sem afinidade com o ideário nazista que aos poucos vai compactuando com o regime de Hitler simplesmente por omitir-se

sábado, 9 de novembro de 2013

Perfil - Ethan Hawke

Profissional do cinema


Ele já foi casado com a atriz Uma Thurman, mas não merece que essa seja a primeira frase de um perfil sobre sua pessoa. Ethan Green Hawke, esse texano que completou 43 anos em 6 de novembro, além de ator é escritor (já publicou dois livros) e roteirista indicado ao Oscar (pelo texto de Antes do pôr-do-sol ao lado da atriz Julie Delpy e do diretor Richard Linklater). O que pouca gente sabe é que essa veia literária, artística em estado mais bruto, corre em suas veias, já que é descendente direto do dramaturgo americano Tennessee Williams. O bisavô de Hawke era irmão de Williams. 
A primeira vez que tomamos conhecimento de Ethan Hawke foi em Sociedade dos poetas mortos (1989), aquele belo filme de Peter Weir em que Robin Williams fazia um professor que tentava transmitir o carpe diem para seus alunos. Hawke era um dos jovens atores que faziam os alunos, ao lado de Josh Charles e Robert Sean Leonard. É, inegavelmente, o que se deu melhor em Hollywood. Mas por se dar melhor não se quer dizer que adentrou o sistema como um astro. Isso nunca esteve na carta de intenções do ator que transita entre produções comerciais e independentes.
Nesse sentido, Antes do amanhecer (1995) foi o divisor de águas em sua carreira. O filme que se resume a dois atores conversando sobre vida e amor em uma passagem por Viena acertou em cheio o coração da cultura pop como algo novo, cheio de originalidade e força criativa. Hawke já havia participado, inclusive, de produções indicadas ao Oscar como Quis show – a verdade nos bastidores (1993) e em produções surpreendentes como Vivos (1992), mas foi com aquele filme despretensioso, mas cheio de alma que se projetou no cinema. Na sequência viria o casamento com Uma Thurman, sua parceira em uma das melhores ficções científicas dos anos 90, Gattaca – a experiência genética (1997). No ano seguinte, ele voltaria a colaborar com Richard Linkalater em Newton boys – irmãos fora da lei. O protagonismo já era uma realidade em filmes como Neve sobre os cedros (1999) e Hamlet (2000), moderna e mal sucedida versão de Shakespeare.

 1- Hawke, jovem, em foto Capricho; 2 - erguendo os punhos, ainda jovem, e fazendo cara de mau; 3 - ao lado de Uma Thurman, com se casaria após pedir duas vezes, em Gattaca e 4 - em foto deste ano para o jornal  britânico Guardian


A primeira, e até o momento única indicação ao Oscar como ator, veio pelo papel de coadjuvante em Dia de treinamento em que dividiu  a cena com Denzel Washington, premiado pelo filme


Richard Linklater novamente acionou Hawke para um projeto experimental. Waking life (2001) era um misto de animação e live action repleto de filosofia e angústias existenciais. No ano seguinte, viria a primeira indicação ao Oscar por Dia de treinamento (2001), em que antagoniza com Denzel Washington em um policial fervoroso de Antoine Fuqua.

Indo além?
Nessa última década, Hawke tem se mostrado mais polivalente. Além de escrever roteiros, mergulhar em filmes com propostas diametralmente opostas e debutar na direção, o ator tem apostado em um gênero que começa a demonstrar potencial de crescimento. O terror independente. Com filmes como A entidade (2012) e Uma noite de crime (2013), estreia deste mês nos cinemas brasileiros, Hawke é o primeiro dos atores de prestígio a colocar-se à prova nesse filão. Em 2013, ele esteve nos cinemas também em Antes da meia-noite, terceiro (e último?) arco da história iniciada com Antes do amanhecer.
A estreia na direção foi em 2006 com Um amor jovem. O roteiro, também de autoria de Hawke, é uma sintetização por vezes feliz da trilogia de Linklater. Foi seu único trabalho como diretor lançado comercialmente, ainda que ele já tenha dirigido outras coisas.
Filmes como O senhor das armas (2005), Roubando vidas (2001), Nação fast food – uma rede de corrupção (2006) e Antes que o Diabo saiba que você está morto (2007) são provas fidedignas da versatilidade do ator em matéria de cinema. Justamente por isso, muita gente não entendeu o porquê dele dividir a cena e o topo do cartaz com a estrela teen Selena Gomez em Getaway, seu filme mais comercial do ano e, também, seu maior fracasso em 2013.

Fim de caso? Ao lado de Julie Delpy em Antes da meia-noite: a ideia de um quarto filme agrada ao ator

Atualmente casado com Ryan Shawhughes-Hawke, que foi babá de seus filhos com Uma Thurman, Hawke segue com uma carreira regular, sem muitos altos e baixos. Disse em entrevistas recentes que está mais interessado em Shakespeare, que se arrepende de ter casado muito jovem e que não entende como nos EUA o sexo pode assustar mais do que a violência no cinema.
Sem querer produzir sentido com sua carreira, mas ciente de que está em uma posição em que pode escolher projetos pelos parceiros com quem quer trabalhar, pelos roteiros ou simplesmente pelo dinheiro, Hawke se configurou em um operário do cinema americano. Em toda a liberdade, mas também com todo o confinamento que o termo tem a oferecer.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

TOP 10 - Dez atuações "padrão Tom Hanks"

O cineasta Paul Greengrass admitiu em recente entrevista à revista Preview que fator preponderante para que aceitasse dirigir Capitão Phillips, uma das principais estreias deste mês nos cinemas brasileiros, foi trabalhar com Tom Hanks. “Foi uma decisão muito pessoal minha. Todo cineasta quer ter um ator como Tom Hanks em seu filme”, disse o diretor. Muitos comentaristas estão considerando que Hanks irá ao Oscar, Claquete antecipou o bom momento do ator – agora confirmado – em maio deste ano. A seguir, lista dez atuações que ajudaram a consolidar o padrão Tom Hanks de qualidade.



10 - Apollo 13 – do desastre ao triunfo (Apollo 13, EUA 1996), de Ron Howard
Eis aqui um trabalho genial em sua simplicidade. Hanks puxa o bonde de um elenco estrelado em um filme de grande apelo comercial e enorme potencial dramático. É seu personagem, porém, quem representa o elo com o público. Algo que Tom Hanks faz como ninguém.

9 - O terminal (The terminal, EUA 2004), de Steven Spielberg
Hanks põe todo o seu carisma a serviço de um personagem preso a uma situação esdrúxula. Por seu país ter sofrido um golpe de Estado, não pode sair do terminal de um aeroporto. Spielberg faz um filme doce e cheio de camadas contando com a astuta colaboração de Hanks que cria um personagem inesquecível. Difícil pensar que O terminal seria um filme tão lembrado, até porque em essência é bem banal, se Hanks não fosse o protagonista.

8 - Náufrago (Cast away, EUA 2000), de Robert Zemeckis
Tom Hanks segura sozinho, há quem diga que houve ajuda de Wilson (uma bola), um filme de mais de duas horas em que há a predominância do silêncio. Hanks voltou ao Oscar por esse trabalho louvável de atuação em que demonstra uma infinidade de recursos dramáticos provando ser um ator muito maior e mais capaz do que muitos tinham por fato.

7 - Matadores de velhinhas (The ladykillers, EUA 2004), dos irmãos Coen
Os irmãos Coen eram parte da nata de cineastas americanos com que Hanks ainda não havia colaborado. Nessa espirituosa sátira ao establishment americano, o primeiro remake dos Coen, Hanks vive um larápio cheio de lábia e com um visual excêntrico. É o ator exercitando sua veia cômica em uma proposta para lá de sofisticada.

6 - O resgate do soldado Ryan (Saving private Ryan, EUA 1998), de Steven Spielberg
É seguramente uma das melhores atuações de Hanks. Inesperadamente sutil e subitamente grave, o ator preenche de vivacidade e emoção seu personagem, um homem que precisa liderar um punhado de soldados em uma missão potencialmente suicida para resgatar um único homem no crepúsculo da segunda guerra mundial. Se já não tivesse ganhado dois Oscars, a academia não teria desculpas (e mesmo assim elas são pouco aceitáveis) de não ter lhe dado o Oscar por esse desempenho.

5- À espera de um milagre (The green mile, EUA 1999), de Frank Darabont
Tom Hanks novamente fazendo as vezes de canal entre o público e a trama que se desenvolve. Nesse belo drama baseado em obra de Stephen King, ele faz um carcereiro que descobre um dom especial em um prisioneiro e passa a alimentar um conflito existencial que abrange fé, justiça e outras tantas angústias.

4 - Forrest Gump, o contador de histórias (Forrest Gump, EUA 1994), de Robert Zemeckis
Certamente seu personagem mais famoso, Forrest Gump é, também, a graduação de Hanks como ator dramático. Sua prova de que é, afinal, alguém capaz de transmitir com eficiência ímpar os pormenores de um personagem e decodificar aspectos do roteiro que apenas um grande ator seria capaz de tornar em trunfos narrativos.

3 - Jogos do poder (Charlie´s Wilson war, EUA 2007), de Mike Nichols
Uma das melhores atuações da carreira do ator, mas poucos percebem isso. Transitando com fineza entre os registros dramáticos e cômicos, Hanks constrói um personagem satírico sem ser caricato – tarefa dificílima – e se fia como um dos pontos altos desse grande filme de Nichols.

2- Estrada para perdição (Road to perdition, EUA 2002), de Sam Mendes
Tom Hanks faz um homem mau neste filme. Mesmo? A ambiguidade do personagem é dilatada pela qualidade da interpretação do ator na pele deste gangster em fuga com seu filho após este último ter presenciado o assassinato do restante de sua família. Um filme poderoso sobre a descoberta do filho pelo pai e do pai pelo filho e uma crônica sobre o código de ética mafioso por um ângulo jamais visto.

1-Filadélfia (Philadelphia, EUA 1993), de Jonathan Demme
A primeira grande atuação de Tom Hanks? Não. Ele já havia sido indicado ao Oscar antes, e por uma comédia. Mas essa talvez seja sua primeira atuação formal no sentido de se erguer como um dos maiores atores a ter pisado na Terra. Lhe valeu o primeiro Oscar e o personagem aidético que inicia uma luta nos tribunais contra a empresa que o demitiu ainda é de uma pungência fora do normal visto 20 anos depois. Não é qualquer ator que consegue isso.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Crítica: Thor - o mundo sombrio

Loki reloaded!

É consenso que o melhor que havia no filme de Kenneth Branagh que deu origem à franquia Thor no cinema era o conflito shakespeariano a rondar Loki, o irmão adotado do protagonista, corroído pela inveja. Não precisaria de um ator tão bom como Tom Hiddleston para sublinhar essa preciosidade, mas Hiddleston foi superlativo e crucial para o sucesso tanto daquele filme como de Os vingadores, no ano seguinte.
A sequência de Thor, O mundo sombrio (Thor – the dark world, EUA 2013) passou por conflitos que não costumam caracterizar os filmes da Marvel. Parte desses conflitos davam conta da expansão da participação do personagem no filme. Quem quer que tenha brigado por mais Loki em cena precisa ser parabenizado. Se um vilão é o principal termômetro de um filme, O mundo sombrio tem Malekith (Christopher Eccleston), e isso não é boa notícia. Daí a necessidade de Loki. Um vilão testado, aprovado e que nas graças de Hiddleston se torna muito melhor do que o roteiro prevê.
Alan Taylor, cuja expertise na série Game of Thrones lhe valeu o emprego aqui, faz um filme ao gosto de uma produção Marvel. Não há grandes divagações temáticas e há humor. Aliás, se há algo que difere Thor – o mundo sombrio de O homem de aço, é justamente o apreço pelo humor. Não se levar a sério é algo muito sério nesse mundo dos blockbusters megalomaníacos. Além de ser uma fusão entre Star Wars e O senhor dos anéis, esse filme oferece muito pouco a quem pretende assistir um filme que vá além da diversão escapista. E é aí que entra Loki. De longe o personagem mais completo, carismático e tridimensional do universo criado em Thor. Mesmo sem estar no eixo central da trama, ou a movê-la como no primeiro filme e em Os vingadores, o personagem é responsável não só pelos melhores momentos de O mundo sombrio, como por aqueles em que é possível se vislumbrar o tipo de filme que a Marvel poderia estar fazendo se já não gozasse de conforto suficiente na Hollywood de hoje.

Loki em cena: o filme é dele e a gente agradece por isso...

Neste segundo filme, elfos malignos retornam para se vingar dos asgardianos que os subjugaram milênios atrás. Na guerra cujo desfecho pode ser o fim do universo, Jane Foster (Natalie Portman), acidentalmente se torna uma peça fundamental. O que, obviamente, levará Thor (Chris Hemsworth) às últimas consequências para salvá-la. Até mesmo aliar-se a seu irmão. Se você viu o trailer, você já sabe tudo que precisa saber sobre o filme, descontada uma ou outra cena de visual arrebatador. O que torna O mundo sombrio um filme, e não um imenso trailer, é justamente Loki.

A Marvel tem ciência das potencialidades do personagem e o gancho final inspira expectativas de que o eventual terceiro filme, nas mãos de um diretor menos operário, possa ser digno do Deus do trovão e de seu irmão, que teima em roubar-lhe a cena filme após filme. 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Crítica - Serra Pelada

Bamburrou!

Havia grande expectativa, e também alguma apreensão, com Serra Pelada (Brasil 2013), filme de indisfarçável ambição e orçamento graúdo para os padrões nacionais, de Heitor Dhalia. O filme responde bem a essas demandas.
Serra Pelada é um filme comercial, mas é também um filme de Heitor Dhalia. Essa dicotomia serve bem ao cinema brasileiro em um recorte conjuntural, mas desapropria o filme de uma fundamentação dramática mais arejada, de uma investigação cênica mais arrojada e de uma realização mais insidiosa dos conflitos que norteiam a trama – ficcional, mas picotada de pequenas verdades.
Na trama, acompanhamos os amigos Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade) que rumam para Serra Pelada, no Pará, tão logo começam a surgir os boatos de que o lugar está repleto de ouro a ser garimpado. Chegam e rapidamente ascendem na peculiar pirâmide social do lugar. Mas enquanto Joaquim se agarra ao sonho de enriquecer e prover uma vida melhor para sua família, Juliano sucumbe à tentação do poder. Essa espiral bifurcada que acomete os dois personagens é a principal verve dramática desse filme que tem ambição de ser um épico sobre ganância que funde brasilidade a signos do western.
Reforça essa perspectiva a relação entre Juliano e Tereza (Sophie Charlotte), ex-prostituta tornada prostituta particular de um barão cheio de querer em Serra Pelada (Matheus Nachtergaele) e cobiçada ardentemente pelo amigo mais abusado da dupla que vem de São Paulo.
A química entre os dois é um dos pontos fortes do filme. A lógica da pele, do “não te quero, mas te quero tanto” é crucial para que o espectador dimensione a mudança paradigmática que o personagem de Cazarré sofre ao embevecer-se do poder que experimenta no garimpo paraense.

Química em ebulição: Juliano Cazarré e Sophie Charlotte contribuem para um dos picos de Serra Pelada enquanto dramaturgia

Se Serra Pelada alia bem suas pretensões comerciais aos interesses estéticos (a inserção de imagens de arquivo e registros jornalísticos são um primor) e temáticos de Dhalia, é preciso constatar que há gorduras. Se há sutileza e economia narrativa na jornada de Joaquim, o mesmo não pode se dizer do personagem de Juliano, que avança mais do que o necessário para os propósitos do filme. O personagem de Wagner Moura, que originalmente viveria Juliano, Lindo Rico, é o tipo cheio de potencialidade, mas que surge sem qualquer propósito formal na trama. Ainda que Moura domine a cena com virulência e satisfação construindo um personagem tarantinesco. O off é outro elemento mal alocado na narrativa.
São demandas do ponto de vista comercial que interferem no saldo artístico de Serra Pelada. De qualquer maneira, o filme de Dhalia é um espetáculo visual que engrandece a produção cinematográfica brasileira e, no particular, um filme que se não acresce à filmografia do cineasta, certamente não a diminui. 

domingo, 3 de novembro de 2013

Insight - O cinema para o público adulto na berlinda

No ultimo domingo, como parte da cobertura especial sobre o filme O quinto poder no blog, a seção Insight abriu um debate sobre a produção cinematográfica voltada para o público adulto. Na ocasião, estavam sob análise o modelo de produção hollywoodiano, a exposição que esses filmes recebem e a maneira como o sucesso deles é avaliado.
Paul Greengrass que apresenta agora o tenso Capitão Phillips, lançou em 2010 o ótimo e inteligente Zona verde. A ideia do estúdio Universal era muita clara. Pegar a dupla responsável pelo sucesso da franquia Bourne e colocá-los a frente de um filme que discutia com coragem a falácia do governo americano de que havia armas de destruição em massa em poder do regime de Saddam Hussein no Iraque. O filme foi um fracasso de bilheteria retumbante, ainda que tenha contado com boas críticas.
Essa introdução é necessária para contextualizar a resistência do sistema de estúdios hollywoodiano a produções que fujam de sua valoração monetária (remakes, adaptações de HQs, games e etc). Mas não são apenas os estúdios os vilões dessa história. Tanto distribuidores como exibidores se fiam na lógica comercial, afinal, estão no negócio do cinema para faturar. Má disposição para estratégias de marketing, pouco tempo e horários ingratos nas salas de exibição são outros fatores que contribuem para esse sufocamento das opções mais adultas nos cinemas. Em outubro, no entanto, uma concentração incomum de produções dessa estirpe se deu nas salas brasileiras. Bons filmes como Os suspeitos, O conselheiro do crime, O capital, Conexão perigosa, Gravidade, entre outros foram lançados e, por vias tortas, iluminaram a falta que esse tipo de produção faz no circuito comercial brasileiro.

 Matt Damon e Greg Kinnear em cena de Zona verde: filme inteligente que não atendeu às expectativas comerciais do estúdio

Hugh Jackman em cena de Os suspeitos: thriller com vontade de ir bem além do convencional e que foi muito elogiado por isso


Mas o cinema americano, aquele que compreensivelmente recebe mais destaque em todo o planeta, é apenas o caso mais alarmante. O Brasil, por exemplo, viceja no mesmo problema. Filmes voltados a um público que aprecia um entretenimento mais inteligente escasseiam na produção nacional e não se remete a produções autorais que exigem gosto refinado e verve cinéfila, mas filmes como Disparos, Boca e Chamada a cobrar, que apresentam potencial comercial, mas que não se esmeram unicamente neste princípio. São filmes que buscam um público adulto, mas por razões diversas, não acham. Esse tipo de produção é vítima do mesmo sistema perverso que acomete a produção hollywoodiana. Nesse sentido, o cinema argentino se destaca por catalisar onde Brasil e EUA fraquejam. O cinema comercial argentino aposta no público adulto e, não à toa, tem no astro Ricardo Darín seu fiel da balança. Filmes como Um conto chinês, Dois mais dois e mesmo El crítico, em cartaz na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, desafiam ao rimar humor acessível com inteligência argumentativa. Isso para ficar na seara das comédias. O cinema argentino investe em uma produção refinada em variados gêneros, obtendo sucesso comercial com filmes altamente críticos como Elefante branco. O filme abertamente comercial mais inteligente lançado este ano no Brasil é argentino e se chama Tese sobre um homicídio.
Com essa dificuldade de se impor no mercado, o cinema adulto não exatamente artístico vai se abrigar nos festivais e passa a competir por espaço com os referidos filmes artísticos, mudando a cara da programação de alguns festivais de médio e pequeno porte e transfigurando o circuito de arte das grandes metrópoles como São Paulo.

Ricardo Darín em cena do excelente Tese sobre um homicídio: a principal razão de sucesso dos filmes argentinos no Brasil é porque eles apostam (sempre) no público adulto

Se é um cenário preocupante no curto prazo, no longo prazo é alarmante; pois se passamos a ver uma produção que não se ajusta aos padrões circunstanciais de “produto comercialmente viável” empurrada para a janela de lançamentos artísticos, o que acontecerá com as produções mais experimentais, livres e artísticas na concepção inteira do termo? O jogo de influências tende a se desequilibrar. O primeiro sinal disso talvez seja a sombra que o festival de Toronto faz sobre Veneza e como esse se americaniza mais a cada ano, conforme já apontado por Claquete reiteradas vezes.
A revolução na distribuição de conteúdo audiovisual, com novos players se erguendo na internet, pode relativizar esse quadro perturbador. Até porque o público adulto, neste primeiro momento, parece ser o principal alvo de empresas como Netflix e Amazon. Mas, nesse mesmo momento, essa possibilidade é apenas uma aposta obscura. Afinal de contas, os novos players também estão nessa para ganhar dinheiro.