Sobrevivência a qualquer custo
O que difere o cineasta inglês Paul Greengrass de outros
contemporâneos é sua contenção quase vocacional equilibrada à aspereza do
registro que inequivocamente se emparelha à verve documental. Essa
característica de seu cinema, que elevou a trilogia Bourne ao status de obra
influente não só no cinema de ação, está presente em Capitão Phillips
(Captain Phillips, EUA 2013), filme que recria o sequestro do cargueiro Alabama
por piratas somalis ocorrido em 2009.
Greengrass resiste a clichês que costumam povoar esse tipo
de filme e se concentra exclusivamente na ação; opção esta que reforça a
voltagem emocional do que se testemunha. O mérito do diretor está menos em
tirar tensão de uma situação que já se sabe o desfecho – afinal o capitão
Phillips viveu para contar a história – e mais em filtrar dessa situação
extraordinária, e ao mesmo tempo banal, um valioso comentário sobre a luta pela
sobrevivência. Seja ela no curto ou no longo prazo. Desse rico subtexto,
Greengrass ainda oferece um potente comentário político deflagrado nos dramas
humanos dos personagens. Sejam eles os piratas somalis, que trafegam entre a
ingenuidade e o instinto, ou a tripulação assustada com o ataque ao Alabama.
Nesse recorte em particular entra o personagem que batiza
a fita. O capitão Phillips de Tom Hanks nada mais é do que um homem comum, com
suas convicções e dilemas que só podem ser intuídos pelo público a partir de
sua postura enquanto é feito refém pelo grupo de quatro piratas somalis. É da
mesura entre as necessidades que movem Phillips e Muse (Barkhad Abdi), o líder
dos piratas, que Capitão Phillips atinge todo o seu potencial. O desespero de
dois homens que estão apenas fazendo seu trabalho vai sendo talhado à medida
que as circunstâncias desfavorecem ambos em escala cada vez mais acelerada.
Por uma vida menos ordinária: a luta pela sobrevivência, em seus tons mais agudos e alarmantes, move Capitão Phillips que é constantemente abastecido pela tensão que emana dos personagens
Sem diminuir o ritmo da ação e com atenção cirúrgica à
maneira como ela afeta os personagens, Greengrass realiza um filme sem mocinhos
e consegue a proeza de não tomar partido mesmo filmando o sequestro de um navio
por piratas. Esse fator, aliado à destreza com que encena a tomada do navio
pelos piratas, a dureza e tensão das negociações e o desenvolvimento da ação da
Marinha americana para resgatar Phillips reforçam essa verve documental que
tanto precede o diretor inglês.
Tom Hanks volta a apresentar uma performance digna de
prêmios. A maneira como ele aborda seu personagem nos diferentes momentos dessa
montanha russa emocional ao qual é submetido é um teste não só de fôlego
dramático como de fisicalidade (principalmente no final). Mas em matéria de atuação,
o filme é mesmo de Barkhad Abdi. Ator estreante, sua intensidade aqui é
superlativa. Ao ponto de eclipsar Tom Hanks vez ou outra. Do olhar ao gestual,
Abdi toma conta de praticamente todas as cenas em que aparece.
Com atores tão enraizados em seus personagens, um diretor
tão lúcido e técnico e um roteiro assinado pelo ótimo Billy Ray que não deixa
a peteca cair um momento sequer, Capitão Phillips se firma como um dos pontos
mais altos de 2013 nos cinemas.
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