Não há mais dúvidas de que a internet proporcione novas experiências cinematográficas. A própria existência de Claquete afirma isso. Discute-se, nos mais variados setores, o impacto da internet na linha de produção, na percepção e na lucratividade de diferentes produtos. Com o cinema, não poderia ser diferente. “Eu já trabalhava com internet a pouco mais de 10 anos e a vontade de trazer a tona um projeto diferente e divertido já martelava minha cabeça a muito tempo”, a frase poderia ser de qualquer empreendedor que fez fortuna com a internet, mas é de Leandro Cunha, um carioca de 28 anos que ajuda a entender a “geração Mark Zuckerberg” (nome do criador do Facebook, principal site de relacionamentos da atualidade e o bilionário mais jovem do planeta). Neologismo de fácil acesso e trânsito em um tempo que redes sociais e sites de compra coletivas pipocam na internet como ideias de ontem. Cunha, que é web developer, “empreendedor por natureza” e, talvez na qualificação mais importante, “apaixonado por cinema” teve um estalo. “Eu realmente não fazia idéia de que já existia algo parecido”, afirma ao rememorar sua motivação para criar em parceria com Rafael Amorim, seu “guru da tecnologia”, o Vivacinema!. A ideia do site é agregar e fornecer um espaço de interação cinéfila.
“Nosso objetivo é fazer com que o Vivacinema! se torne uma referência quando se falar em cinema na internet. É proporcionar uma interação única a quem gosta de cinema, trazer experiências pra quem está ali assistindo a um filme. Conseguir com que as pessoas interajam na rede social mas que isso possa também se estender para o mundo real com encontros. Enfim mudar a maneira convencional de simplesmente assistir um filme”.
A jornalista Neusa Barbosa, editora do site Cineweb, enxerga nessa resistência às convenções algo intrínseco a essência da internet. “A internet não foi bem compreendida nem assimilada por estúdios, distribuidores, produtores – muitos a consideram apenas “mídia espontânea”, portanto, gratuita, como eles gostam de dizer.” Para a jornalista, ainda não é possível precisar os impactos que a internet pode alavancar no cinema a longo prazo.
“A tecnologia não para, vem mais novidades por aí”, profetiza convicta. Convicção falta à jornalista, assim como à industria, no que concerne a estratégias para abater as crescentes quedas de público nos cinemas. “O sistema de distribuição como o conhecemos, sem dúvida, está vivendo seus últimos dias. Mas não estou segura do que o substituirá. Porque é necessário criar mecanismos para que os downloads sejam feitos com segurança, qualidade do que se obtém (quem quer ver filmes sem foco, com som horrível?) e também garantindo algum tipo de remuneração para seus autores. Sem essa remuneração, a indústria acaba...”.
O site Amocinema.com é outro espaço de interação cinéfila. Uma manobra do gurpo Turmer que controla o canal pago de maior audiência da TV brasileira, a TNT, para expandir a experiência de se ver filmes. Não há um comercial do canal que não destaque o Amocinema.com
Pirataria
A observação de Barbosa leva a uma outra trincheira que se agigantou com a popularização da internet e, ainda que em menor escala no Brasil, com o acesso à banda larga. A pirataria é um tema delicado que suscita paixões e intervenções nem sempre equilibradas. Grandes momentos dessa discussão foram vividos nas circunstâncias dos lançamentos dos dois filmes Tropa de elite. Enquanto que uma cópia preliminar do primeiro “vazou” e se proliferou, a produção do segundo foi alvo de esquemas militares de segurança. Os resultados das bilheterias sugerem as considerações acerca do debate, embora haja quem insista que sem a “benesse” do comércio ilegal, o primeiro Tropa nunca conseguira a repercussão que obteve.
Cena de Avatar, o filme de maior bilheteria da história do cinema também foi a produção mais baixada ilegalmente em 2010 segundo estatística do MPAA (Motion Picture Association of America)
“Esse foi o tema da minha prova de vestibular”, explica Helen Cristina da Silva, mineira de 21 anos, cinéfila declarada e moderadora de uma das maiores comunidades de cinema do orkut, Apaixonados por cinema. “Eu fiquei tão em dúvida, vou conservar a mesma opinião”, continua a reflexão. “Sou de certa forma a favor, não totalmente, mas entendo o que leva o brasileiro, em particular, a consumir esse tipo de produto. A acessibilidade aos originais é pequena e confronta com a situação financeira da maior parte da população brasileira, então, o que resta são as opções alternativas. Hoje, sou mais a favor de se baixar um filme, por não ser um comércio ilegal como é o caso da pirataria.”
Helen não está sozinha nesse círculo de pensamento. Não obstante, artistas, distribuidoras, selos musicais e outras empresas ligadas a produção audiovisual e musical se juntaram em campanhas de conscientização. Exibidas em cinemas, DVDs originais, em canais como MTV, entre outros, essas campanhas tem como objetivo alcançar esse público. Tentando conscientizá-lo de que ao burlar as vias oficiais, ele prejudica o artista que aprecia.
Não é, por razões como apontou Helen, uma tarefa fácil de se obter sucesso.
Wagner Moura em cena do primeiro Tropa de elite: o filme foi visto por aproximadamente 12 milhões de pessoas antes da estréia nos cinemas
Modificando a experiência cinema
Mas não cabe à pirataria a primazia de modificar a experiência de sentir e reverberar o cinema. A pirataria é mais um reflexo do que causa. A internet, conforme avança em seus desdobramentos e possibilidades, obriga o cinema enquanto plataforma a reinventar-se e a compreendê-la enquanto indústria. As redes sociais, nesse sentido, contribuíram imensamente para uma nova e intensa maneira de se experimentar um filme.
Cena de Batman-o cavaleiro das trevas: o filme de Chris Nolan será o primeiro a ser disponibilizado por streaming no Facebook. A princípio, o serviço estará disponível apenas nos EUA e faz parte de uma nova estratégia de distribuição desenvolvida em conjunto pelo gigante da internet e pelo estúdio Warner Brothers
“Isso é positivo especialmente para a repercussão do filme, o chamado “boca a boca” – que se tornou mais rápido do que nunca, via Twitter, sem demandar investimentos maiores na divulgação. Agora, se o filme tiver uma repercussão negativa, isso também se propaga mais rápido”, lembra a jornalista Neusa Barbosa. O Twitter já se provou uma ferramenta voraz na divulgação de filmes como Atividade paranormal e Distrito 9 (ambos de 2009) e, mais recentemente, Cisne negro que foi uma febre no Twitter brasileiro. Curiosamente, campanhas planejadas no Twitter por distribuidoras não rendem os mesmos dividendos. Apesar de ser um excelente canal para promoções e veiculação de brindes, a voz do Twitter parece guiada pelo acaso dos gostos da maioria o que dificulta a ação do marketing.
Dentro desse escopo, é natural que comunidades e redes sociais específicas sobre cinema fossem surgindo gradativamente (mais sobre isso na matéria que será publicada na próxima quinta-feira). Atualmente, a experiência cinematográfica parece intimamente relacionada com a experiência de se navegar na internet. “Eu visito quase diariamente vários portais e sites sobre cinema e entretenimento e, pra ser sincera, qualquer link sobre cinema é muito convidativo”, encerra Helen com a convicção de quem sabe que cinema e internet se completam.