Foi um bom ano. O balanço final da temporada 2012 é muito
positivo. No entanto, dos dez filmes que integram o TOP 10 de Claquete, seis
são lançamentos originais de 2011 que só chegaram em telas brasileiras este
ano. A predominância das produções de 2011 na lista, no entanto, é mais sintoma
das estratégias dos estúdios de concentrarem os chamados lançamentos de Oscar
no início do ano seguinte. Outro aspecto que chama a atenção é a ausência de
blockbusters no Top 10. Há, na verdade, um. Mas é um blockbuster que traz
consigo o elemento surpresa. Com os aguardados lançamentos de Batman e 007, não
se poderia esperar que uma comédia com um ursinho falante conseguisse roubar
destes filmes uma vaga no top 10. Em parte pela decepção de muitos lançamentos
aguardados e em parte por uma safra adulta de filmes independentes fortes e
pulsantes, o top 10 dos melhores filmes de 2012 é bastante diverso e
multifacetado. Há uma produção argentina, uma francesa, uma iraniana e duas
inglesas. Quatro produções americanas e outra coproduzida com o Canadá.
Diretores consagrados como David Fincher e David Cronenberg marcam presença na
lista, mas dividem espaço com nomes ainda em consolidação como Steve McQueen,
Michel Hazanavicius e Nicholas Jarecki.
Filmes que apostaram em uma estética ousada e em uma
renovação da linguagem cinematográfica como A separação, Precisamos falar sobre
o Kevin e Shame marcam presença na lista. Filmes bem realizados e com propostas
revisionistas sobre suas referências, como O artista e Um método perigoso,
também se destacam.
Sem mais delongas, os dez melhores filmes lançados
comercialmente no Brasil na avaliação de Claquete:
10 – A separação (Jodaeiye Nader az Simin, Irã 2011), de Asgar Farhadi
A inteligente e impactante fita de Asghar Farhadi tem o
mérito de ser, ao mesmo tempo, universal sobre conflitos essencialmente humanos
e particular da realidade iraniana. Não é uma equação fácil, mas que Farhadi
com os préstimos de seu excelente par de protagonistas (Peyman Maadi e Leila
Hatami) alcança com um trabalho pulsante, em suas formulações narrativas, e
angustiante, em suas resoluções dramáticas. Um testamento da força do cinema de
ideias.
9 – O artista (The
artist, EUA/FRA 2011), de Michel Hazanavicius
Mudo, em preto e branco e sobre o cinema mudo e em preto e
branco. O artista se esmera na nostalgia e na metalinguagem para proporcionar
uma das grandes experiências cinematográficas do ano. Um filme que nasceu para
ser visto no cinema por uma geração que não viveu na época retratada pelo filme
de Michel Hazanavicius. Encantador e emocionante, o maior mérito de O artista é
desarmar expectativas e cativar com sua genuína presença de espírito.
8 – A negociação
(Arbitrage, EUA 2012), de Nicholas Jarecki
Wall Street continua rendendo grandes dividendos
cinematográficos. Mas A negociação é mais do que uma investigação da vida de
ricos e poderosos. É um estudo algo vertiginoso de um homem que não sabe que
está no limite até ultrapassá-lo. Richard Gere, vivendo um magnata das finanças
em queda livre rumo à desgraça, tem o melhor momento de sua longeva carreira
neste filme que merece ser descoberto.
7 – Elefante branco (Elefante blanco, ARG/ESP 2012), de Pablo Trapero
O cinema argentino parece favorecido por uma espécie de cota
no TOP 10 do ano de Claquete. Trata-se apenas de uma impressão. O vigor do
cinema portenho se confirma perene a cada ano. Pablo Trapero, um dos expoentes
dessa cinematografia, volta a provocar palpitações com um drama tenso e poético
sobre a violência nas favelas do país e, ainda, sobre a crise da fé. Da
instituição igreja e também do homem que a move.
6 – Procura-se um amigo para o fim do mundo (Seeking a
friend for the ende of the world, EUA 2012), de Lorene Scafaria
A melancolia não seria a matéria prima ideal para uma
comédia romântica. Mas esse precioso filme da diretora Lorene Scafaria não é
uma comédia convencional. Com o apocalipse como pano de fundo, Procura-se um
amigo para o fim do mundo fala sobre o poder transformador do amor. E o faz de
maneira cativante e sensível. Um filme agridoce que faz do final triste, feliz
e que nos desperta o desejo de amar, amar, amar!
5 – Um método perigoso (A dangerous method, EUA/CAN 2011),
de David Cronenberg
Um Cronenberg verborrágico que mergulha nas entranhas da
psicanálise, chancela Freud e se maravilha com a humanidade de Jung. O filme
acompanha a formação de uma triangulação intelectual que se mostrou fundamental
para o estabelecimento da psicologia moderna e o faz de maneira inteligente,
despudorada e muito sofisticada.
4 – Ted
(EUA 2012), de Seth MacFarlane
A comédia do ano é também um dos filmes mais originais e
inteligentes produzidos no mainstream hollywoodiano nos últimos tempos. Mas de
tão divertido, poucos notam essa condição. O filme do ursinho maconheiro e
desbocado é uma crítica atroz a seu próprio público em um dos exercícios de
metalinguagem mais bem feitos de todo o sempre e que demonstra que Seth
MacFarlane, mais do que um legítimo entertainer, é alguém que tem algo dizer e
sabe fazê-lo de maneira criativa.
3 –
Precisamos falar sobre o Kevin (We need to talk about Kevin, ING 2011), de
Lynne Ramsay
Com uma narrativa engenhosa e algo inquietante, Ramsay
conduz uma trama de vertigem emocional e não poupa seu público das dúvidas. Sem
respostas fáceis, esse drama sobre a relação de uma mãe e seu filho, que virá a
ser o responsável por uma chacina em uma escola, se ergue sobre as vultosas
sombras e incertezas da existência humana. Investigativo, doloroso, contínuo e
sublime. Precisamos falar sobre o Kevin é daqueles filmes que se perpetuam em
nossa memória. Muito pelo tema ruidoso, mas principalmente pela excelência com
que é tratado pela obra.
2- Os homens que não amavam as mulheres (Millennium – The
girl with the dragon tattoo EUA 2011), de David Fincher
David Fincher fez um trabalho tão minucioso e grave que o
frio sueco é palpável para o espectador. Mas esse não é o maior mérito da
versão americana do best seller que abre a trilogia Millennium. Fincher
sublinha os conflitos dos personagens principais (Mikael e Lisbeth), e a
complexa relação que eles desenvolvem entre si, e faz destes o carro chefe da
trama e não o instigante caso que move a narrativa. Um movimento que acresce
profundidade ao filme que, independentemente disso, se configura também em
entretenimento inteligente e refinado.
1- Shame (ING 2011), de Steve McQueen
Eis um filme que agrega ousadia estética à relevância
dramática. Renunciando qualquer academicismo e usando o corpo de Michael
Fassbender como um discurso artesanal, valendo-se muito de sua experiência como
artista plástico, McQueen realiza um filme impactante sobre a superficialidade
das relações interpessoais nos tempos modernos. Do maniqueísmo de nossas ações
ao egoísmo de nossas reações, Shame concentra sua munição no mundo de Brandon, um
homem viciado em sexo que no curso do filme toma ciência da gravidade de seu
quadro.
Uma obra demolidora, pulsante e artisticamente atraente
destinada ao culto, mas também uma radiografia inequívoca de nosso tempo.