“Já nasci com o DNA do cinema”
Cristiane Costa esbanja conteúdo, versatilidade e generosidade. Cinéfila declarada, ela mantém um dos mais charmosos e inteligentes blogs de cinema da atualidade, o imprescindível
Madame Lumière. Cris é a entrevistada do primeiro
Claquete Entrevista, coluna mensal que abrirá espaço para cinéfilos, críticos e demais envolvidos com essa paixão maior que a vida que é o cinema.
Nesse gostoso bate papo com
Claquete, Cristiane elenca alguns filmes de sua vida, discute a função da crítica de cinema, analisa o advento de novas mídias e tecnologias, relaciona os principais cineastas de sua geração, diz quais foram os melhores filmes do ano passado e ainda abre para gente algumas de suas preferências cinéfilas.
1- Desde quando você se considera cinéfila?
Já nasci com o DNA do Cinema, acredito que é uma herança que já está no meu sangue, no meu eu, no entanto se for precisar um período, me considero cinéfila desde minha adolescência. Naquela época eu já tinha comportamentos que demonstravam meu amor pelo cinema e que, na maturidade, seriam mais intensos, mais profundos. Assistir 5 filmes em um único dia, ir a uma sessão de Cinema atrás da outra e estabelecer relações entre o Cinema e outros campos do saber tornou-se recorrente na minha vida. O engraçado é que meu pai me proibiu um bom tempo de ir ao Cinema e só fui à uma sessão a por volta dos 18 anos, então eu assistia vários filmes na tv aberta e, quando comecei a trabalhar e ter meu próprio dinheiro, alugava os que eu sempre quis assistir e nunca tinha tido a oportunidade de fazê-lo de forma mais independente.
2- Qual é, precisamente, a tua relação com o cinema?
Minha relação com o cinema tem a ver com uma paixão e curiosidade naturais que simplesmente eu deixei aflorar no decorrer dos anos, mas definitivamente é uma relação em construção porque é um relacionamento com a sétima arte que por si só é um campo aberto, ilimitado, e um grandioso laboratório para entendimento de mim mesma e das relações humanas, Acima de tudo, é o meu ato de entrega porque, quando eu me entrego ao cinema, eu abro meu coração para histórias que me emocionam, que podem ser um reflexo da minha vida, que podem revelar valiosas descobertas, que podem catalisar mudanças.
3- Como surgiu a ideia de fazer um blog?
O Madame Lumière surgiu espontaneamente, por pura inspiração que me moveu a uma apaixonada ação, o de explorar esta magnífica seara. Não houve um planejamento mesmo com minha familiarização com o cinema, as letras, o webjornalismo, mas desde o começo, eu queria que fosse um espaço intimista e diferenciado que refletisse quem eu sou, como eu comunico minhas paixões e meu conhecimento. Ele surgiu muito mais como um desejo de falar o que eu sentia sobre o cinema e todas as experiências relacionadas a ele. Compartilhar tais emoções e percepções com pessoas, fazê-las se apaixonar pelo Cinema e compreender os sentimentos do mundo através da tela grande são as minhas bases como escritora e, a meu ver, são as bases de um cinema que comunica o que somos, por isso o blog tem uma perspectiva de ordem comportamental, humanista. É uma experiência puramente pessoal com uma linguagem muito própria e que não deixa de lado a base contextual do cinema, não deixa de abraçar o coletivo.
4- Qual a sua cinematografia preferida? Por quê?
Sou bem eclética, então é bastante variável porque há diversos trabalhos ora esteticamente primorosos, ora emocionalmente marcantes, ora ambos e minha cinematografia preferida ainda é bem pulverizada, de Victor Fleming, passando por Fritz Lang e Sam Mendes até comédias românticas de Nancy Meyers. Mas vamos lá: Conceitualmente, gosto muito do cinema europeu de François Truffaut e Luis Buñuel, da fase expressionista/ realista alemã na década de 20, do cínico e sensual americano noir da década de 40 e da geração Hollywood anos 70/80 (Coppola, Spielberg, Scorsese). Dentre estes, aprecio filmes que romperam barreiras tradicionais de pensamento, que foram divisores de águas e são exemplos de impetuosidade cinematográfica. No geral considerando o número de filmes admirados, minha cinematografia preferida ainda está muito relacionada a Pedro Almodóvar, Martin Scorsese, Woody Allen, Quentin Tarantino, Alfred Hitchcock, Joel e Ethan Coen, Tim Burton, Juan Jose Campanella, Carlos Saura e Clint Eastwood que sabem colocar a câmera para emocionar e que são únicos no que fazem a ponto de serem também autorais: Almodóvar e o colorido desejo, Scorsese e a precisão cinematográfica, Allen e a autêntica neurose da modernidade, Tarantino e a abordagem cult e pop, Hitchcock e o terror humor, Os Coen e seu negro sarcasmo, Tim Burton e a lúdica estética, Juan José Campanella e sua universal latinidade, Carlos Saura e a flamenca paixão, e Eastwood e a contemporaneidade humanista.
Cineastas referenciais: 1- Christopher Nolan, 2- Pedro Almodóvar e Quentin Tarantino, 3 - Sofia Coppola, 4 - Tim Burton e 5 - Juan José Campanella
5 – Em relação ao cinema nacional, qual a sua posição?
Penso que o cinema nacional desenvolveu-se bastante nos últimos anos com a notoriedade de trabalhos bem realizados por ótimos cineastas brasileiros como Fernando Meirelles, Walter Salles, Sandra Werneck, Laís Bodanzy, Guel Arraes, Hector Babenco, entre outros. Isso é motivo de orgulho para nós brasileiros. O público começou a assistir mais estes trabalhos com os incentivos culturais e propagandistas, acreditando no cinema nacional, porém, ainda penso que faltam investimentos massivos na indústria de cinema nacional e faltam oportunidades bem abertas de carreira neste segmento. É necessário também abrir o leque para trabalhos criativos de outros diretores talentosos que não sejam, por exemplo, uma extensão da rede Globo como o trabalho de Daniel Filho que faturou nas bilheterias com sucessos como Se eu fosse você 1 e 2 e Chico Xavier. Não estou criticando o trabalho dele, o qual também respeito, e nem criticando o apoio financeiro da Globo, porém temos que andar por pernas próprias que alcancem o nível de excelência global em filmes estrangeiros, como o do cinema argentino de Juan José Campanella, o alemão de Michael Haneke. Também acho que tem que parar de fazer o cinema 'favela' como se o Brasil só tivesse isso para dizer ao mundo. Entendo que é uma vertente da violenta realidade social do nosso país, mas incomoda-me o fato de usarem muito deste argumento em vários filmes nacionais sendo que o Cinema deveria ser palco das existenciais problemáticas humanas. Temos muita gente talentosa para fazer isso, basta aumentar o patrocínio, entregar roteiros diferenciados nas mãos de diretores competentes.
6 – Quais são os grandes diretores da sua geração?
Sou jovem, então citar os diretores da minha geração seria mais difícil. Dos mais jovens, com um trabalho formidável e um potencial de crescimento espetacular estão Jason Reitman, Christopher Nolan, Sofia Coppola, Spike Jonze e Laís Bodanzy.
7 – Qual foi o grande filme da década passada? Por quê?
Gostaria de citar 2 filmes, incluindo excepcionalmente um de 1999. Beleza Americana (de Sam Mendes) é beleza cinematográfica pura, do roteiro à direção, do humor ao drama, do elenco às entrelinhas. É um grande filme porque é um filme que desmascara de forma realista e, com uma sarcástica melancolia, a fútil aparência da sociedade contemporânea.
Em 2006, Ang Lee nos trouxe o primor de uma história de amor entre 2 homens em O Segredo de Brockback Mountain. Não é somente o drama de uma relação amorosa homossexual, mas é o drama de uma história de amor universal, um romance verdadeiro. A forma sensível e não estereotipada como foi filmado, o brilhantismo de Jake Gyllenhaal e do saudoso Heath Leger tornam o filme grandioso e inesquecível.
Beleza americana: Tão bom que cavou uma vaga na década seguinte...
8 – Qual foi o grande filme do ano passado? Por quê?
Eu ficaria com 2 grandes filmes do ano passado, nesta ordem de preferência: Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino, pelo roteiro preciso e a direção eficaz em reconstruir um momento da história do Nazismo e rir vingativamente de tudo isso, e Amor sem Escalas de Jason Reitman, também pelo roteiro contemporâneo e a direção objetiva e não menos sensível que trouxe um elemento existencial (e corporativo) importante: a angústia do desemprego em um período de crise global.
Pôster promocional de Bastardos inglórios: o melhor de 2009George Clooney e Vera Farmiga em cena de Amor sem escalas: um filme que trouxe um "elemento existencial"9 – Há quem acredite no potencial terapêutico do cinema. Você concorda com a ideia de que o cinema pode desempenhar outros papéis além do entretenimento? Por quê?
Totalmente. Como disse anteriormente, o cinema é um grandioso laboratório para entendimento das relações humanas e tem um efeito mimético que espelha muito do que o ser humano é e como ele se sente, logo ele se torna uma grande experiência catártica, de libertação, de cura. Basta entregar-se a cada filme, deixar com que ele se conecte com sua mente e alma, e não há como escapar, Cinema é a melhor terapia do mundo, certamente, ele trará um melhor autoconhecimento e o conhecimento do outro e ainda te fará uma pessoa mais feliz.
10 – Você acredita que o advento de novas tecnologias (como o 3D e o perfomance capture) e de novas mídias (como o Blu- ray e os downloads digitais) possam promover mudanças significativas no cinema?
Não há dúvidas de que as mudanças acontecem com o advento de qualquer tecnologia porque estúdios e distribuidoras movimentam o mercado baseados também no que é tendência de consumo em cinema. Novos discursos, novas campanhas de marketing, novos preços já estão por aí. Já estamos testemunhando tal mudança, a começar a filmagem de filmes em 3 D e/ou convertidos em 3 D, desprendendo tempo, capital e conhecimento para manobrar o mercado e vender modernidade no cinema. Com o advento da pirataria descontrolada, Blu-Ray e downloads digitais se tornaram necessários mas também é preciso pensar na democratização da cultura cinematográfica e na acessibilidade da sétima arte a quem deseja cinema mas não tem conhecimento e nem dinheiro para acessar as novas mídias, então prefiro enxergar tais mudanças como uma forma de oferecer ao público uma experiência cinematográfica mais realista, mais vivaz. Não acho que elas trarão mudanças muito significativas, mas trarão um movimento do mercado em competir e conquistar o consumidor, só espero que não se esqueçam da qualidade do filme em seus elementos intrísecos como roteiro, direção, elenco, etc... isso independente de tecnologia.
11 – Qual foi ou é o melhor período para ser cinéfilo?
Não vivi as décadas de 70 e 80 em termos 'presenciais', porém é uma das melhores épocas do cinema, um ilustre período de grandes filmes como O poderoso chefão, Taxi Driver, O último tango em Paris, Blade Runner, etc. Eu queria ter vivido esta época, preferencialmente, estar em Hollywood, ser amiga íntima de Martin Scorsese (risos). Era tempo de revolução, com o talento criativamente rebelde de diretores em ascensão do porte de Scorsese, Altman, Coppola, Lucas, Spielberg e a nova ordem do cinema que refletia muito da contemporaneidade habitual: sexo, drogas, violência, ficção, ação. Era também um tempo de libertação do erotismo. Tempo de ser um fora da lei. Tempo de ir ao espaço. Tempo de ser autêntico e nada caricato. Não há como não reverenciar as obras destas décadas e o trabalho destes diretores, titãs do Cinema.
12 – Quais são os melhores críticos de cinema na sua avaliação e por quê?
Esta é uma pergunta difícil porque acho a crítica de cinema deficiente e homogênea demais, inclusive são poucos os bons críticos no Brasil que conseguem reunir paixão, expertise, contexto, profundidade, espontaneidade, imparcialidade e, principalmente, proximidade com o leitor, fugindo da dicotomia gostei-não gostei.
Não é fácil ser crítico, não importa qual o segmento, porque implica apontar virtudes e desvirtudes de uma obra/produto, e a depender do veículo de comunicação para o qual se trabalha e das relações humanas que se tem, sua liberdade de expressão pode ser afetada, sua crítica também. Infelizmente esta é uma realidade porque avaliar um blockbuster ruim após ter sido convidado pela distribuidora para a première é bem delicado. No mais, alguns bons críticos escrevem para jornais, fazem textos mais profundos sobre determinado aspecto do cinema e, o Brasileiro tem um baixo índice de leitura, quase não compram jornais e, poucos têm paciência de ler textos mais elaborados, inclusive até mesmo a internet educou o ser humano a ler conteúdos pasteurizados, superficiais, facilmente digeríveis. Além disso, o problema não é só da crítica, é mais geral e complexo. Para formar novos e bons críticos para novos e bons leitores, falta acesso à educação em cinema e ao diálogo metalinguístico que ela estabelece com vários conhecimentos, falta o público educar melhor o olhar para o bom cinema e não ceder somente a massificação de filmes sem qualquer conteúdo, falta o mercado de trabalho oferecer mais vagas para profissionais de cinema, inclusive os jornalistas nesta área, falta o mercado editorial parar de vender propagandas de blockbusters que lotam as raras revistas do segmento e invetir mais no conteúdo para uma educação cinematográfica. Dos que acompanho e que posso citar estão Inácio Araújo, Cássio Starling, Ricardo Calil, Isabela Boscov e Ana Maria Bahiana, porém ainda não encontrei o meu crítico ideal de cinema, prefiro ser eu mesma, por enquanto, a minha própria crítica de cinema e também visitar alguns blogs de cinema que, a meu ver, expressam uma opinião mais sincera sobre o filme e tem demonstrando um grande esforço em valorizar a arte cinematográfica, educando a blogosfera na disseminação da cultura e na formação de opinião.
13 - Qual é o papel da crítica de cinema na sua opinião?
O papel da crítica de cinema é explorar a linguagem cinematográfica com embasamento teórico e contextual e indicar ao seu leitor os melhores caminhos que colaborem para uma experiência mais intensa e profunda com o filme, desta forma, aguçando o olhar do leitor, abrindo sua mente para a apreciação do paladar visual, a sensibilidade das linguagens, a emoção da história e como tudo isso pode ser útil a cada existência. Gosto de pensar na crítica de cinema como “alavancadora” de novos pensamentos e questionamentos a partir de uma obra de arte, gosto de pensar na crítica que faz com que o público pense e encontre respostas a perguntas e perguntas a respostas. Penso exatamente como o cineasta Alejando Amenábar, " Meu cinema não é um cinema de respostas e sim de perguntas". Assim deve ser o papel de crítica.
14 – Quais filmes você elencaria como os mais importantes para você hoje? Por quê?
Os mais importantes ainda são aqueles que falam comigo profundamente e que marcaram momentos de minha história cinéfila de uma forma muito intimista, pessoal; não necessariamente são os que acho os melhores na minha cinematografia preferida. Elencaria alguns como E o Vento Levou, O poderoso chefão, O Fabuloso destino de Amèlie Poulain, Pequena Miss Sunshine, Fale com Ela, Beleza Americana, Moulin Rouge, Adeus Lênin, O Filho da Noiva, Titanic, a trilogia do Senhor dos Anéis e a de Toy Story, Closer, Brilho eterno de uma mente sem lembranças, entre outros.
Filmes de uma vida: 1-Closer, 2- O fabuloso destino de Amèlie Poulain, 3- Moulin rouge, 4 -Adeus Lênin e 5- Pequena miss sunshine15 – Qual filme você recomendaria para alguém que quer se apaixonar por cinema?
Se fosse para indicar somente um filme : Crepúsculo dos deuses, que já tem a sua excelência em falar de Cinema e é uma obra prima. Porém seria injusto citar somente um(risos). E o vento levou, Casablanca, A Felicidade não se compra, Cinema Paradiso... são belos e apaixonantes.
E se quer se apaixonar mais? Renda-se ao primor de O poderoso chefão.
Pôster de Crepúsculo dos Deuses: Para se apaixonar pelo cinema...Claquetadas:
Qual filme você acha que poderia mudar o mundo se o mundo pudesse ser mudado?
A Felicidade não se compra
Oscar ou Cannes?
Oscar, com melhorias.
Tarantino ou irmãos Coen?
Tarantino na direção e irmãos Coen no roteiro.
Pipoca doce ou salgada?
Salgada, com um fio de azeite
Um filme romântico:
Diário de uma paixão
Um filme de ação:
Os sete samurais
Uma comédia:
Aconteceu naquela noite
Um drama:
Beleza americana
Um suspense:
Um corpo que cai
Um terror:
O bebê de rosemary
Um filme que você mudaria o final:
E o vento levou
Um filme que você pensou que ia gostar e não gostou:
Império dos sentidos
Um filme que você pensou que não ia gostar e gostou:
Sangue Negro
Humphrey Bogart ou Gary Grant?
Cary Grant...always
Tom Cruise ou Brad Pitt?
Hmmm, que difícil! Tom Cruise, pelo conjunto da obra.
George Clooney ou Javier Bardem?
Javier Bardem, sempre!
5 diretores da sua vida:
Martin Scorsese
Pedro Almodóvar
Woody Allen
Clint Eastwood
Juan Jose Campanella
Se sua vida desse um filme, qual seria o título?
Pétalas e espinhos