sábado, 29 de junho de 2013

Especial Guerra Mundial Z - Os filmes de zumbis mais significativos dos últimos dez anos


Todo mundo sabe que George Romero é o dono da cocada preta em matéria de zumbis no cinema. Ok, talvez nem todo mundo saiba que foi Romero quem formatou o conceito de zumbi e deu viço a ele nos cinemas com o filme A noite dos mortos vivos (1968). Depois do lançamento do filme, a popularidade dos mortos vivos só fez crescer. Nada, no entanto, que se compare a febre que assola a cultura pop há alguns anos. O grande expoente dessa nova onda não surgiu exatamente no cinema. Depois de uma brisa no videogame, a febre atingiu seu pico com a série "The walking dead" na TV. Contudo, pode-se dizer novamente que o cinema está por trás desse resgate à adoração pelos zumbis.
Alguns filmes lançados na década passada anteciparam essa vibe que cerca o lançamento de Guerra mundial Z, protagonizado por Brad Pitt.

Cillian Murphy experimenta a solidão no icônico Extermínio (2002)

Danny Boyle é responsável direto por esse resgate dos zumbis direto do cinema dos anos 60 e 70. Em Extermínio (2002), pequeno filme inglês que arrasou nas bilheterias mundiais e conquistou a crítica internacional de maneira efusiva, o diretor que mais tarde ganharia o Oscar por Quem quer ser um milionário? atualiza este universo com zumbis velozes, mais inteligentes do que o habitual e que são resultado de uma epidemia biológica disseminada com origem militar. O filme ganhou uma eletrizante sequência em 2007. Antes, porém, os zumbis voltaram à ordem do dia em Madrugada dos mortos (2004), remake da seminal obra de Romero tocada por um então estreante Zack Snyder. Madrugada dos mortos era um filme de zumbi clássico, mas perfeitamente adornado para os novos tempos. Sucesso imediato e carreira feita, tanto para Snyder – que engataria o sucesso 300 na sequência – como para os zumbis que voltaram com tudo ao topo da pirâmide da cultura pop. Se os vampiros adotaram a purpurina com Crepúsculo, os zumbis seguiram atrozes e propícios à alegoria política. O próprio Romero voltou à ativa com Terra dos mortos (2005), um filme inferior a Extermínio e Madrugada dos mortos, mas um filme de Romero em todas as suas vicissitudes, imperfeições e genialidades. O diretor recicla a ideia dos conflitos sociais – que abasteceu suas severas crônicas sobre o termostato da sociedade ao longo dos anos – em A ilha dos mortos (2009), em que duas famílias rivais que controlam uma ilha discordam sobre o extermínio ou não dos mortos-vivos.

Ação zumbi: Madrugada dos mortos provou que os zumbis estavam mais vivos do que nunca... 

Humor negro: a perola inglesa Todo mundo quase morto conferiu novo status aos mortos vivos no cinema

Outro filme que pode ser agregado a esse balaio de referências zumbis, é Zumbilândia. A comédia de ação acompanha quatro personagens, totalmente distintos entre si, no pós-apocalipse zumbi.Com uma hilária participação de Bill Murray, o filme rapidamente tornou-se cult e irá virar uma série de TV. Mas os ingleses vieram antes com Todo mundo quase morto. A hilária sátira dirigida por Edgar Wright e estrelada por Simon Pegg e Nick Frost mostra um sujeito alienado que se descobre no meio de uma epidemia de zumbis.
No início de 2013, Meu namorado é um zumbi, adaptação de uma bem sucedida obra-literária homônima, preserva o humor nonsense de Zumbilândia e acresce uma pitada de romance improvável ao mostrar o amor entre uma humana e um zumbi. Se é um sinal do vigor do subgênero no cinema, Meu namorado é um zumbi é, também, demonstração de que este atual ciclo dos zumbis no cinema se aproxima de seu esgotamento.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Crítica - Segredos de sangue

Rito de passagem macabro

Chan-Wook Park, de filmes como Oldboy (2003), Lady vingança (2005) e Sede de sangue (2009) é dono de um repertório visual peculiar e de um estilo consagrado em sua celebrada trilogia da vingança. Nessa sua estreia no cinema americano, com Segredos de sangue (Stoker, EUA 2013), o sul-coreano – por meio de uma direção vigorosa e inventiva – remove a banalidade de um roteiro moído em clichês e entrega um filme satisfatório nas divagações estilísticas e temáticas que propõe.
Escrito por Wentworth Miller – ator cujo trabalho mais expressivo foi na série de TV Prison Break – Segredos de sangue é um filme sobre psicopatia, em família, mas psicopatia. Com o olhar e talento de Park, se transforma em uma análise estilizada e imaginativa sobre o rito de passagem de uma garota proveniente de uma família com fortes chagas emocionais à maturidade.
India (Mia Wasikowska) perde seu pai justamente no dia de seu 18º aniversário. Park logo nos demonstra que aquela garota é peculiar, estranha, demasiadamente introspectiva. Refratária a qualquer contato físico, tinha um vínculo mais aprofundado com seu pai (Dermot Mulroney), com quem estabeleceu uma parceria na caça de animais pequenos, e uma atribulada relação silenciosa com sua mãe, Evelyn (Nicole Kidman). É neste dia que toma conhecimento da existência de seu tio Charlie (Matthew Goode), um tipo calado, charmoso e não menos peculiar que India. Logo a estranha dinâmica da família é posta em relevo por Park. India, destratada na escola, sente-se atraída por seu tio. Sexualmente, mas há algo a mais nessa atração que se estabelece fortuitamente em um jogo de poder improvisado entre os dois. A mãe, perdida em sua volatilidade emocional, é outra atraída pela figura de Charlie.

Jogo de perversão: Charlie e India se estudam em um jogo de poder potencializado pelo estilo de Park

Aos poucos, as reais intenções do personagem – em contraposição ao clamor existencial de India – vão ganhando corpo na narrativa engendrada com inventividade por Park. A predileção por planos inusitados, a violência em rompantes surpreendentes, além de uma edição feroz nas fragmentações que faz de eventos paralelos, lembranças e devaneios, são características do cineasta que tornam Segredos de sangue uma experiência muito mais assertiva do que se poderia imaginar.
Não obstante, Mia Wasikowska – atriz que a cada trabalho se firma como um dos pilares da nova geração de atrizes – com sua composição minuciosa da absorta India torna Segredos de sangue um filme muito mais impactante. A atriz bifurca-se muito bem entre o que precisa esconder de sua personagem e o que precisa revelar, beirando o sublime em matéria de contenção e ritmo. É uma atuação inspirada que, realçada pela direção enérgica de Park, faz de Segredos de sangue um filme muito mais interessante do que originalmente ambicionava ser.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Euro & Travelling - Vossa excelência, Binoche



O talento da francesa Juliette Binoche é inegável. Já era inegável em 1997, quando ganhou um Oscar em uma década que os atores europeus não ganhavam tantos prêmios nos EUA. Há algo de hipnótico nessa mulher, hoje com 49 anos, que vive tão bem uma amante fogosa como uma dona de casa receosa, passando pela amante receosa, a mulher insegura, a mulher confiante e tantas outras variações ao longo de uma carreira com mais de 50 títulos.
Expressiva, sensual, poderosa. Juliette Binoche é uma conquistadora. Há cineastas que fazem filmes só para ela. Há diretores – sejam homens ou mulheres – que creditam muito do sucesso de seus longas à presença cataclísmica de Binoche. Juliette Binoche é, ainda, um daqueles elos perdidos da cinefilia. Atriz objeto de culto de quem fetichiza o cinema em movimentos e paixões que transcendem à lógica mercantilista de quem vê na sétima arte apenas negócio e entretenimento.
Isso tudo eleva Juliette Binoche a um patamar destacado entre as muitas musas que o cinema atual dispõe. Da latina Penelope Cruz à italiana Monica Bellucci, Binoche é quem melhor trafega pelo cinema de autor. Sem deixar de comparecer, também, no cinema dito comercial. Estará na próxima refilmagem americana de Godzilla – marcada para 2014.
Sempre responsável por personagens fascinantes – ainda que em filmes banais – Binoche apresenta a peculiar habilidade de criar em cima de cada personagem remontando um interesse que poderia não estar lá a priori. Filmes postos em suspeição pela crítica como os recentes Elles (2011) e A vida de outra mulher (2012) têm em Binoche uma curadoria cinematográfica que nenhum outro intérprete, seja homem ou mulher, é capaz de apresentar. Não se trata de afirmar ser Binoche a melhor atriz em atividade, embora seja claramente uma das postulantes a este título (Meryl Streep, Kate Winslet e Isabelle Huppert seriam as outras candidatas declaradas), mas de reconhecer o poder de afirmação artística de uma atriz que sabe valorar projetos distintos com sensibilidade e minúcia indecifráveis. Daí a origem da fascinação que provoca em cineastas tão incensados pela crítica como Oliver Assayas e Abbas Kiarostami. Binoche é, em uma analogia tão arrojada quanto o talento da atriz, uma tela em que um artista pode expressar o seu olhar.

Esse não é um perfil de Juliette Binoche. É uma carta de amor a sua representatividade no cinema contemporâneo.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Especial Guerra Mundial Z - A engenharia de um sucesso

O Rio de Janeiro está dominado: os zumbis invadem a cidade maravilhosa em um dos muitos e impressionantes cartazes do filme que chega aos cinemas brasileiros na sexta-feira (28)

“Estou ansioso. Adoraria voltar para dirigir uma sequência”, disse o diretor Marc Forster na premiere de Guerra mundial Z em Paris há algumas semanas. A frase exalta um espírito colaborativo e satisfação que até pouco não circundavam o filme. A Paramount e Brad Pitt, principal produtor do filme, ficaram insatisfeitos com o corte final do filme e o clímax que se passava em Moscou e resolveram mudar. Para isso, o lançamento foi adiado de novembro de 2012 para junho de 2013, o roteirista Damon Lindelof acionado para reescrever o terceiro ato do filme e novas filmagens agendadas para as primeiras quatro semanas do ano. Não obstante o estouro do orçamento e o vazamento das constantes discussões entre Forster e Pitt, Guerra mundial Z rapidamente ganhou a pecha de filme maldito. O buzz negativo foi contornado com o intenso e agressivo marketing lançado pelo estúdio que espera consolidar uma nova franquia. Afora Transformers, em que divide os lucros com a DreamWorks, o estúdio não tem nenhuma franquia com fôlego para posteriores temporadas de verão. O fato dos zumbis gozarem de certo prestígio na cultura pop contemporânea e de não protagonizarem nenhuma franquia no cinema, como ocorre com os vampiros, por exemplo, atiçou o estúdio que firmou parceria com outras companhias menores, inclusive a de Pitt, para bancar o projeto.
Todo mundo sabia que o primeiro fim de semana seria crucial para saber se havia, afinal, possibilidade de futuro para Guerra mundial Z ou se tudo acabaria aqui. E não era um fim de semana qualquer. O lançamento ocorreu na janela mais apertada do verão. O homem de aço, principal carro chefe da temporada da Warner Brothers, havia sido lançado há uma semana e Guerra mundial Z seria lançado ainda com a concorrência de Universidade Monstros, da sempre festejada Pixar.
O fim de semana mais lucrativo do ano, no entanto, foi de boas notícias para a Paramount, Brad Pitt e demais envolvidos em Guerra mundial Z. O filme não conseguiu o topo das bilheterias, que ficou com Universidade monstros que arrecadou impressionantes U$ 82 milhões, mas ficou com um distintíssimo segundo lugar com U$ 66 milhões arrecadados. Foram U$ 16 milhões a mais do que a mais otimista estimativa do estúdio previa. A boa performance do filme no primeiro fim de semana nos EUA, aliada às boas críticas que vem recebendo, já garantiu as duas sequências.



Meu filho é um zumbi
Guerra mundial Z garantiu a maior bilheteria de abertura da carreira de Brad Pitt e o ator trabalhou arduamente para que isso ocorresse. Não obstante a mais insana e incrível maratona promocional que já enfrentou (mais detalhes no post abaixo), o ator, insatisfeito com o terceiro ato do filme, bateu o pé e fez questão de mudar conforme pedia sua consciência. O final descartado pode ser conferido acima.
“Fiz esse filme para meus filhos”, disse Pitt em entrevista na Austrália, um dos muitos países que visitou para divulgar a produção. “Queria fazer alguma coisa que eles pudessem se divertir e se relacionar”. Um dos filhos de Pitt, Maddox, o mais velho, está no filme. “É verdade. Ele leva uma saraivada de tiros na cara”, ri Pitt em coletiva de imprensa em Nova Iorque. “Ele faz uma ponta como um zumbi”, esclarece.
As entrevistas desencanadas, o filho zumbi e o protagonismo de Pitt nos bastidores revelam o controle do astro sobre a produção, o que talvez explique a fragilidade da relação com Marc Forster, desabituado a esse tipo de relação.
Fato é que Guerra mundial Z é o único grande lançamento da temporada que não é sequência ou refilmagem. “Pode ser uma vantagem”, disfarça Pitt, ainda no controle, quando perguntado a respeito por um repórter de uma tv australiana. 

Pitt e Forster nos bastidores de Guerra mundial Z: quem orienta quem?

Especial Guerra Mundial Z - Como salvar um filme na divulgação?

O diretor Marc Forster e Brad Pitt em Seul, na Coréia do Sul, parte da massacrante maratona promocional de Guerra mundial Z

A produção de Guerra mundial Z foi problemática. Brad Pitt, protagonista e produtor, se envolveu em célebres discussões com o diretor Marc Forster, cujo afastamento da produção chegou a ser dado como certo. A principal celeuma entre os dois, segundo boatos, seria sobre certas motivações do personagem de Pitt e constantes atrasos no cronograma de filmagens. O bafafá midiático chamou atenção de quem acompanha o cinema de perto e rapidamente impregnou o filme. Guerra mundial Z, no entanto, é um filme muito caro (o orçamento beijou os U$ 200 milhões) e uma aposta muito alta de Pitt – que investe de seu próprio dinheiro por meio de sua produtora no filme.
Justamente por isso, era necessário demover a percepção de que o filme foi feito aos “trancos e barrancos”, mesmo que tenha sido feito aos trancos e barrancos. A primeira providência, feita após consulta à Paramount que distribui o filme, foi adiar a estreia. Guerra mundial Z estava originalmente programado para o fim de 2012, mas foi reagendado para o verão de 2013 no hemisfério norte. A mudança, além de esfriar o bafafá negativo em cima do filme, possibilitaria a refilmagem de cenas inteiras mal sucedidas em exibições testes. A segunda providência foi a ampliação das responsabilidades de Pitt na obrigatória maratona promocional de todo e qualquer blockbuster. A agenda foi ampliada e países distantes como Japão e Brasil, que não costumam figurar entre os destinos do ator, foram incluídos nas escalas de divulgação. São mercados que crescem a cada temporada e hoje são responsáveis secundários pela boa performance internacional de muitos filmes fracassados nos EUA. Ao Brasil*, Pitt virá inclusive com sua esposa Angelina Jolie, o que certamente potencializará sua exposição na mídia local e gerará mais interesse pelo filme.  

Brad Pitt, e seus seguranças, surpreende público em uma exibição teste agendada pela Paramount em uma cidade da Pensilvânia nos EUA

Nos EUA, o marketing do filme tem sido mais agressivo e específico. Enquanto clipes promocionais estão sendo despejados quase que diariamente na internet, docs especiais são produzidos para exibição em redes de tv por assinatura como HBO e Pitt tem aparecido de surpresa em pré-estreias promovidas pela Paramount ao redor do país para interagir com fãs. Ele já compareceu a cinco eventos do tipo. O ator nunca havia participado de uma campanha promocional nesses moldes.
A estratégia está se provando acertada. A parte o fato das primeiras críticas serem positivas, o que não faz mal nenhum, o nível de interesse pelo filme tem aumentado como apontou uma enquete informal que o site do The Hollywood Reporter fez com seus leitores.
Vender um filme ruim é complicado, mas o marketing de Guerra mundial Z conseguiu desgalvanizar essa teoria. O que está se vendendo é um “filme que parecia que seria ruim, mas que na verdade é o filme da temporada”. Essa dualidade é irresistível!  

* o ator desmarcou a viagem que faria ao Brasil em virtude dos protestos que tomam conta do país

domingo, 23 de junho de 2013

Insight - A moda do crowdfunding pega?

Em meio às discussões a respeito das novas plataformas de distribuição de cinema, uma nova modalidade de produção ganha corpo e reverbera com propriedade no cinema americano. Trata-se do crowdfunding. Essa modalidade de financiamento, que consiste em capitalizar doações majoritariamente anônimas, não é efetivamente uma novidade. Até a contratação do jogador Wesley pelo Palmeiras em meados de 2011 foi tentada dessa maneira, mas é uma novidade no cinema independente americano. Um site americano, o Kickstarter, está gozando de muito prestígio atualmente e está no centro gravitacional dessa onda do crowdfunding no cinema. Primeiro foi a viabilização do filme da extinta série de TV "Veronica Mars". A Warner Brothers disse que produziria o filme se a produção levantasse U$ 2 milhões no sistema de Crowdfunding. Se a princípio a ideia parecia um balde de água fria para os produtores, transformou-se em uma demonstração eloquente do desejo dos fãs em ver o filme ganhar vida. O case de sucesso serviu para a elaboração de diversos parâmetros e propósitos para o crowdfunding no cinema. Tem gente que já fala em uma revolução. Scott Steinbeirg, autor de "The crowdfunding bible", é mais moderado em seu diagnóstico. “Os grandes sucessos tendem a ser propriedades conhecidas ou terem marcas famosas ligadas a eles”, disse à Variety, que recentemente veiculou reportagem sobre o assunto. “Não é o campo dos sonhos. Se você construiu, eles não virão. Você terá que fazê-los vir ou levar até eles”.
Zach Braff na genial capa da 1ª quinzena
de junho da Variety:
vá se financiar, sem trocadilho
A reportagem da Variety, no entanto, demonstra que o Kickstarter está de vento em polpa. Nos últimos quatro anos, projetos cinematográficos angariaram impressionantes U$ 119 milhões no site e 10% dos filmes que debutaram em Sundance em 2013 são frutos dos financiamentos patronados pelo Kickstarter.
Recentemente, o ator, roteirista e diretor Zach Braff recorreu ao site para obter financiamento para seu novo filme  Wish I was here. “Nós procuramos a tradicional rota do cinema indie e ela se provou restritiva”, disse a produtora associada a Braff, Stacey Sher. Duras críticas a Braff, mesmo com ele depositando U$ 5 milhões de seu bolso no orçamento do filme, foram erguidas por ser ele uma celebridade usando um recurso desenhado para o cinema independente.
Esse atrito também pôde se verificar na falência do projeto de David Fincher em angariar U$ 400 mil para rodar a animação The Goon, em que o diretor de A rede Social seria produtor executivo.
Mais recentemente, James Franco embarcou na onda do Crowdfunding. Ele anunciou que pretende arrecadar U$ 500 mil em um site de crowdfunding para rodar uma trilogia baseada em três contos de seu livro “Palo alto”, lançado em 2010. Franco já teria até conversado com os potenciais diretores para adaptação desses contos inspirados em sua juventude. Ele também anunciou os mimos que pretende conceder aos doadores mais entusiasmados. Quem doar U$ 450 recebe uma mensagem de voz do ator. Quem doar U$ 7 mil receberá uma de suas pinturas e o maior doador, um jantar com Franco.

 James Franco faz sua melhor pose "give some love" e promete mimos para quem ajudá-lo a produzir sua trilogia

Nem mesmo o prestigiado David Fincher conseguiu verbas no crowdfunding...

É cedo para dizer até onde vai o crowdfunding como recurso para financiamento e produção de cinema.
Certo é que, combinado com as múltiplas e inovadoras plataformas de distribuição, favorece uma democratização jamais vista. Favorece, também, uma involução do cinema. O amadorismo e oportunismo de certos projetos pode comprometer a proposta. Como estratégia publicitária, já está provado, o crowdfunding é uma faca de dois gumes. Pode cortar tanto para um lado como para o outro. Como mecanismo de expansão e recolocação do cinema independente pode ocupar uma posição importante. Sua relevância no contexto do cinema dependerá da soma e equivalência desses fatores.

James Gandolfini - Sutileza e grandiloquência em um só registro



Morreu, de um súbito ataque cardíaco na última quarta-feira (19), aos 51 anos, o ator americano James Gandolfini. Mais conhecido pelo icônico personagem Tony Soprano, o patriarca mafioso da série "The Sopranos" da HBO, Gandolfini construiu uma bela carreira no cinema. Sempre à sombra de sua encarnação mais famosa, o ator viveu célebres foras da lei, mas também deu vida a figuras que emanavam poder como o chefe da CIA no recente A hora mais escura.
O primeiro papel de destaque no cinema foi há exatos 20 anos como um gangster em Amor à queima roupa de Tony Scott. O último papel de Gandolfini no cinema que lhe proveu certo momentum foi em O homem da máfia (2012), em que dividiu a cena pela segunda vez com Brad Pitt - a outra havia sido como um impagável matador de aluguel gay e sensível em A mexicana (2000). Há, ainda, três filmes estrelados por Gandolfini a serem lançados no Brasil: Violet & Daisy, estilizada estreia de Geoffrey Fletcher (roteirista de Preciosa), The incredible Burt Wonderstone, comédia estrelada por Jim Carrey e Steve Carell, e Not fade away, drama que marca a estreia na direção de cinema do criador de "The sopranos", David Chase.
Gandolfini ensaiava um retorno à HBO e estava em meio ao desenvolvimento de duas séries à época de sua morte.
Esses projetos dizem muito sobre a condução de sua carreira. Atenção especial ao cinema independente, gosto por personagens sombrios e total ausência de medo em assumir papéis coadjuvantes em produções bem gabaritadas. Em sua última entrevista ao The New York Times, em 2010, lamentou o fato de não ser convidado para fazer comédias – já havia revelado ótimo timing cômico tanto em "The sopranos" como em filmes como A mexicana e Sobrevivendo ao natal (2004) – o que talvez justifique sua presença no elenco do filme que reúne Carrey e Carrell depois de Todo poderoso (2003).


De cima para baixo no sentido horário: como o receoso chefe da CIA em A hora mais escura; como um matador "do bem" ao lado de Julia Roberts em A mexicana; ao lado da famiglia em "The Sopranos"; com Kristen Stewart no independente Corações perdidos e reeditando a parceria com Brad Pitt em O homem da máfia 

Força transgressora em cena
Não há como falar da representatividade de Tony Soprano na cena cultural americana, e de sua importância para a deflagração de personagens ambíguos e complexos tanta na tv como no cinema americano contemporâneo, sem destacar a forte, minuciosa e multifacetada interpretação de Gandolfini ao longo das seis temporadas do programa. O ator aliava sutileza à grandiloquência em um termostato de atuação que apenas os grandes são capazes de atingir. Tony Soprano era um tubarão em seu meio, mas Gandolfini sabia destacar a todo momento sua fragilidade emocional. Um acerto que aferiu longevidade ao programa e ao personagem.
Gandolfini era corpulento, não exatamente bonito, mas bastante viril. A ascendência italiana e essas características lhe impunham certos papéis, mas ele ia buscar oxigênio no teatro. Estrelou ao lado de Jeff Daniels uma festejada versão de "Deus da carnificina" na Broadway. Também marcou presença em outras peças menos celebradas.
Não rejeitava exatamente a sombra que Tony Soprano projetou em sua carreira, mas sabia desvencilhar-se dela com a mesma força transgressora que revestia seu personagem mais famoso.
Uma perda repentina, com a devida cota do imponderável, para o cinema, no eixo geral, e para a cultura americana, em particular.

sábado, 22 de junho de 2013

A (boa) escolha de Sam Taylor-Johnson para dirigir 50 tons de cinza


Há poucas semanas, Claquete publicou na seção Insight matéria analisando a verdadeira fogueira de vaidades que cerca a pré-produção do grande best-seller e fenômeno mundial da atualidade, “50 tons de cinza”. Na reportagem, atentou-se para o fato de que que a escalação do diretor responsável pela adaptação do primeiro livro para o cinema seria crucial. Entre alguns nomes possíveis aventados e outros ideais, escapou o da diretora inglesa Sam Taylor-Johnson, que antes do casamento com o ator Aaron Johnson era conhecida como Sam Taylor-Wood. O nome dela acabou fora do radar de Claquete por ter pouca quilometragem no cinema, mas de maneira alguma essa omissão a desabona. Johnson é uma escolha arejada, inteligente, pertinente e que renova as expectativas para a adaptação. A sofisticação de seu registro para a juventude de John Lennon no recomendável O garoto de Liverpool (2009), filme no qual conheceu seu atual esposo, sugere uma cineasta sensível, imaginativa e esteticamente criativa. Essa percepção se assevera no background como fotógrafa, profissão a qual se dedicou nos anos 90. Além de conceber alguns dos vídeo-arte mais celebrados no metiê londrino, ela marcou presença em bienais de Veneza e Berlim.
Ainda que não tenham exercido influência alguma nos critérios que nortearam a escolha dos produtores de 50 tons de cinza, há outros elementos que favorecem Johnson a frente do projeto. O fato de ter tido câncer, aos 30, batalhado, sobrevivido e se casado depois disso denota um gosto pela vida que pode beneficiar o filme. Além do fato de ser casada com um homem mais jovem, em ascensão profissional e bonito. São elementos que a servem como narradora de uma história em que sexo, feminilidade, amor e autoestima se entrelaçam.

A diretora divulgou uma nota à imprensa falando sobre o novo projeto. “Estou feliz de ser responsável por levar "50 tons de cinza" das páginas para as telas. Para a legião de fãs, eu quero dizer que irei honrar o poder do livro de Erika e os personagens de Christian e Anastasia. Eles também estão sob minha pele”.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Filme em destaque - O lugar onde tudo termina


Tragédia americana

Ryan Gosling e Bradley Cooper estrelam o novo e aclamado drama do diretor de Namorados para sempre, filme cheio de ambição e coração

Namorados para sempre (2010), o título nacional para Blue Valentine ainda não desce em muita gente, é um dos filmes mais pungentes dos últimos anos. Depois da sensação que causou no festival de Sundance daquele ano, era natural que o projeto subsequente de Derek Cianfrance causasse certa ansiedade. É sob este signo que se estabelece o lançamento de O lugar onde tudo termina, muito mais feliz tradução para The place beyond the pines, novo filme de Cianfrance que o reúne, pela segunda vez, com Ryan Gosling. O filme também promove a primeira reunião profissional de Gosling e sua namorada de mais de dois anos, a atriz Eva Mendes.
O lugar onde tudo termina é, sob todas as perspectivas, um projeto muito mais ambicioso do que Namorados para sempre. Com ar de épico, mas estética de filme independente, a produção discute ética, moral, corrupção, criminalidade e família. Se O poderoso chefão surge como referência, é importante saber que o filme de Cianfrance também tem três subtramas, distintas entre si e com pontos de vistas alternados, mas que se correlacionam intensamente.
Não foi fácil dimensionar esse tom épico, mas ele foi perseguido. Cianfrance disse ao blog americano Grantland que reescreveu o roteiro – desenvolvido em parceria com Ben Coccio e Darius Marde – mais de 30 vezes. “Em 2007, minha mulher estava grávida de meu segundo filho e eu estava pensando sobre legado: esse fogo (preocupação) que senti toda a minha vida, sabendo que meu pai sentiu e meu avô sentiu também. E eu não queria que esse bebê tivesse esse fogo também. Então eu tive essa ideia da passagem da tocha de geração para geração.”
Cianfrance é todo carinho para Ryan e Eva nos
bastidores de O lugar onde tudo termina
Em O lugar onde tudo termina Ryan Gosling faz um motoqueiro nômade que se apresenta em um circo e que depois de descobrir que engravidou uma garota resolve conquistá-la e constituir uma família. Para isso, passa a roubar bancos. No outro núcleo do filme está o policial vivido por Bradley Cooper que passa a ser considerado um herói depois de ferido em uma ação para conter justamente um assalto a banco. Na ocasião de seu retorno à atividade policial, ele é compelido a embarcar em uma teia de corrupção. O terceiro ato do filme avança no tempo e flagra os filhos dos dois personagens.
Mas sobre o quê, afinal, é O lugar onde tudo termina? “É sobre perdão”, diz Cianfrance ao Grantland. “Penso, também, sobre o legado da América. O legado de um país construído sobre violência e brutalidade. Embora vivamos vidas domesticadas, eu não acho que isso vá embora”, continua.
Para Cianfrance, a única maneira de lidar com esse histórico é a capacidade de perdoar. “É isso que eu gostaria de levar ao mundo”.
Lançado em março nos EUA, em plena entressafra dos filmes de Oscar e os lançamentos de verão, O lugar onde tudo termina conseguiu boa bilheteria nos EUA e dobrou, em faturamento, seu orçamento de U$ 15 milhões. O filme conseguiu boa recepção da crítica e os protagonistas, Cooper e Gosling, elogios efusivos.

O filme pode até não tangenciar os objetivos de Cianfrance, mas como escreveu o crítico Clint o` Connor, do The Plain Dealer, é “um trabalho em progresso”.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Especial Guerra Mundial Z - Um filme de zumbis ou um filme de Brad Pitt?

Brad Pitt, galã até em infravermelho...

Os zumbis estão na moda, mas a febre já se aproxima de um ponto de saturação. Guerra mundial Z, que será lançado no fim deste mês, pode ser o último ato dessa fase áurea que os zumbis vivem na cultura pop. Guerra mundial Z é, também, o primeiro filme de grande orçamento da produtora de Brad Pitt. A Plan B Entertainment foi fundada no final de 2004 pelo astro em parceria com sua então esposa Jennifer Aniston. Após a separação, Pitt assumiu o controle da empresa que, entre outros projetos, produziu Os infiltrados (2006), O preço da coragem (2007), O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (2007), A vida íntima de Pippa Lee (2009), Kick ass – quebrando tudo (2010) e A árvore da vida (2011). Para Guerra mundial Z, a empresa se juntou a outras menores do que ela, como a GK Filmes e a Latian Pictures, e firmou parceria com a Paramount, que será responsável pela distribuição internacional do longa. O orçamento de aproximadamente U$ 170 milhões pressionou a produção que teve diversos problemas como estouros de cronogramas e desavenças entre Pitt e o diretor Marc Forster.
A trama, baseada em argumento dos experts da ficção científica J. Michael Straczynski e Matthew Michael Carnahan, acompanha os esforços das Nações Unidas (ONU), na figura do personagem de Brad Pitt, para contornar a epidemia zumbi que se alastra e põe em risco o futuro da humanidade.
As primeiras imagens do filme sugerem uma versão anabolizada do que Danny Boyle concebeu em Extermínio (2001) e as primeiras críticas indicam que Guerra mundial Z é, no final das contas, um bom filme pipoca e um bom filme de zumbis. Nessa ordem.
A produção marca o retorno de Pitt aos blockbusters. Desde Sr & Sra. Smith (2005), o ator não aparece em uma legítima produção de verão.
Nesse meio tempo foi indicado ao Oscar duas vezes como ator e outras duas vezes como produtor e amealhou respeito da crítica em produções como Queime depois de ler (2008), Bastardos inglórios (2009) e O homem da máfia (2012).
Essa conjuntura demonstra que Guerra mundial Z será um teste de relevância comercial tanto para os zumbis como para Pitt.

Crítica - Depois da terra

Em mil anos, quem sabe?

Dizem as más línguas que Depois da terra foi feito a pretexto de uma extravagante terapia familiar entre o paizão Will Smith e o filho pródigo (?) Jaden, a quem Will prepara para ser uma espécie de sucessor no mainstream americano. Dando uma olhada na trama de Depois da terra (After Earth, EUA 2013) dá para averiguar certa procedência na boataria. No filme, papai Will - como o general Cypher - também prepara seu filhote – aqui denominado Kitai – para o futuro.
A ideia de Depois da terra, o argumento foi escrito pelo próprio Will, é boa. Mil anos no futuro, a humanidade colonizou outros planetas depois da Terra ter se tornado inabitável. Durante uma viagem espacial, a nave em que Cypher e Kitai estão cai na Terra e o pai, com uma grave lesão nas pernas, tem que guiar o filho em um planeta inóspito para recuperar um dispositivo capaz de sinalizar onde eles estão para que possam ser resgatados.
O problema é que o desenvolvimento é tão pobre que se custa a acreditar que Depois da terra seja, também, um filme de M. Night Shyamalan, sob qualquer perspectiva o cineasta mais maldito da Hollywood atual. Apesar de uma produção cara, cerca de U$ 150 milhões de orçamento, não há preocupação em dimensionar esse universo e como Depois da terra chega depois de Avatar (2009), tudo parece rascunho descartado do filme de James Cameron. Até mesmo os efeitos especiais pouco entusiasmantes.
Não bastasse tudo no planeta Terra (tudo entende-se por fauna) ter evoluído para matar humanos, Kitai e Cypher ainda têm de lidar com uma Ursa, espécie alienígena que persegue humanos e é capaz de identifica-los pelo cheio do medo.

Haja oxigênio: Depois da terra tem seus momentos, mas não cativa...

Não há qualquer razão de ser do filme que não promover Jaden Smith, cujo nome surge nos créditos antes mesmo do de Will, e consagrar essa custosa terapia entre pai e filho. Não há porque ter medo da sombra do papai, parece dizer Will. Mas vai na conta de quem o fiasco que é esse filme? Do pai que idealizou ou do filho que parece ter perdido carisma desde Karate kid (2010)? Ou Shyamalan assume mais essa?
Depois da terra é pobre e capenga enquanto ficção científica; raso e entediante enquanto filme de ação e ultrapassado enquanto conceito de cinema videogame (quem diria que a franquia Resident evil poderia ensinar algo?). O único mérito de Depois da terra é o de se inscrever, com certa dose de favoritismo, na disputa dos piores filmes de 2013.

terça-feira, 18 de junho de 2013

TOP 10 - Vamos mudar o mundo

O Brasil vive um momento de efervescência e manifestação popular inédito desde o fim da ditadura. Independentemente dos dividendos de tais movimentações que vão se ordenando à medida que se avolumam, o desejo de mudança é nítido. Com base nesse desejo de “mudar para melhor” que norteia essa massa que ganha as ruas das principais cidades brasileiras, Claquete elaborou um TOP 10 com filmes que exprimem esse desejo de mudança sob diferentes perspectivas. A ideia é dimensionar as possibilidades e interjeições de movimentos distintos, mas ligados por um mesmo vértice: o desejo de mudança.

10 – Matrix (The Matrix, EUA 1999), de Andy e Larry Wachowski
Na revolução contra as máquinas estão deflagrados muitos dos pensamentos que os filósofos gostam de classificar como “oposição ao sistema”. O libertário (messias) Neo é, nesse sentido, a materialização de uma tomada de consciência da sociedade de que está sendo “programada” pelo sistema para fazer exatamente o que dela se espera. É um filme que a cada leitura se veste mais revolucionário.

9- V de vingança (V for vendeta, EUA 2005), de James McTeigue
Também idealizada pelos irmãos Wachowski, essa versão da graphic novel de Alan Moore não é tão robusta e eloquente quanto Matrix em seus propósitos, mas demonstra como grupos se organizam para combater o totalitarismo. Em uma Londres futurista e totalitária, V usa táticas terroristas para demover o governo totalitário.

Neo entortando a colher: você pode!

8 – Lincoln (Lincoln, EUA 2012), de Steven Spielberg
O filme acompanha como a engrenagem política tradicional (e tão criticada por todos nós) pode servir a propósitos nobres como a absolvição da escravatura conduzida com habilidade pelo mais popular presidente da história dos EUA. O sentimento de mudar o mundo permeia a obra de Spielberg.

7 – A onda (Die Welle, ALE 2008), de Dennis Gansel
Nesse impactante filme alemão, um professor colegial inicia um experimento com sua turma para provar como é fácil manipular as massas e sinalizar que é possível um novo regime totalitário dominar a Alemanha, mesmo depois das marcas deixadas pelo nazismo. A experiência vai ganhando contornos violentos e acaba provando a validade da teoria do professor.

6 – Diários de motocicleta (BRA, CHI, ARG, POR, ESP 2004), de Walter Salles
A origem daquele que talvez seja o revolucionário mais romântico, ou romantizado, da história. O filme de Walter Salles acompanha a formação de Che Guevara; aqui ainda o Ernesto, estudante de medicina, durante viagem pela América Latina. O filme é febril nas divagações que oferece entre juventude e desejo de mudança.

5 – Trabalho interno (Inside job, EUA 2010), de Charles H. Ferguson
Esse documentário sobre a “corrupção sistêmica nos EUA pela indústria dos serviços financeiros e suas consequências” não é tão virulento e parcial como os filmes do documentarista Michael Moore e aí reside sua grande força. Com didatismo, mas sem renunciar à complexidade do objeto de análise, Trabalho interno se cristaliza como um alerta de que nossa sociedade configurada como está, está à deriva.

Cartaz do alemão A onda: nem toda mudança pode ser positiva, como atestam as sucessivas guerras civis no Oriente médio

4 – Os miseráveis (Les Misérables, EUA/ING 2012), de Tom Hooper
O musical dirigido por Tom Hooper tem entre seus melhores momentos a indagação: “Você ouve o povo cantando?”. É o espírito mudancista que toma as ruas em plena revolução francesa nessa pulsante, e mais bem adornada, adaptação do clássico de Victor Hugo. O levante contra as instituições vampíricas se cristaliza nos motins que tomam Paris, tudo potencializado por músicas que beiram o sublime.

3 - Uma verdade inconveniente (An inconvenient thruth, EUA 2006), de Davis Guggenheim
Maliciosamente conhecido como “a apresentação de PowerPoint mais cara e bem sucedida da história”, Uma verdade inconveniente foi o gatilho inicial de uma guinada de consciência ambiental. Escorado na figura do ex-vice presidente americano Al Gore, o documentário quer chamar a atenção para a necessidade de se cuidar do planeta no presente para garantir seu futuro.

2 – Gandhi (Gandhi, ING/IND 1982), de Richard Attenborough
O maior pacifista a pisar no planeta? Muito provavelmente. O mais significativo? Mais certo ainda. A frente de um movimento pela independência e liberdade da Índia no mesmo compasso de propagação de uma política de não violência, Gandhi se tornou uma das personalidades mais marcantes do século XX e ganhou um filme à altura.  

1 - Coração Valente (Braveheart, EUA 1995), de Mel Gibson
A luta pela liberdade deve ser a mais importante de todas as lutas e ela está no centro gravitacional deste que é um dos melhores épicos já produzidos pelo cinema americano. Aproximando-se de seu aniversário de 20 anos, este filme que acompanha tentativa de escoceses de se separarem da coroa inglesa, mantém-se atual pelo fato de muitos povos ao redor do globo ainda perseguirem suas liberdades sociais e individuais. Não há nada mais devastador e emocionante do que William Wallace (Mel Gibson), torturado, buscando energias para disparar: “freeeeedom”!


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Crítica: Além da escuridão - Star Trek

O mal em nós

Além da escuridão-Star Trek (Star Trek into darkness, EUA 2013) é, sob muitas perspectivas, o melhor e mais sombrio filme da franquia cinematográfica baseada na criação de Gene Roddenberry. A ideia de discutir a relatividade de uma intervenção calcada em boas intenções surge já na primeira cena do filme, em que James Kirk (Chris Pine) e sua tripulação impedem o colapso de um planeta cuja evolução ainda não se verificou. Mais adiante, Kirk é repreendido por Pike (Bruce Greenwood), seu superior e grande entusiasta. ‘Não estamos aqui (na Federação) para brincarmos de Deus”, diz ele.
Kirk é removido de seu posto sob a pecha de ainda estar despreparado para liderar. A ameaça que se apresenta na figura do terrorista John Harrison (Benedict Cumberbatch), no entanto, o reconduzirá ao comando da Enterprise.
Além da escuridão – Star trek se estabelece, portanto, sob o signo da vingança e Kirk, a princípio, se deixa consumir por ela. É o sempre lógico Spock (Zachary Quinto) quem demoverá seu capitão da política do olho por olho. No encalço a John Harrison, que iniciou um levante contra a Federação, Kirk irá se deparar com questões que acinzentam os princípios pelos quais ele se move.

Por trás do vidro: Cumberbatch é uma força poderosa em Além da escuridão que dá viço às pretensões da realização 

Mais do que discutir as faces do terrorismo e da agenda bélica, Além da escuridão enseja um olhar mais enfático ao fato de como nossas boas intenções podem ser deturpadas ao ponto de se tornarem “mal” puro e simples. Essa moral perdulária está presente em todos os personagens principais instados a posicionarem-se de maneira contrária a sua convicções. Ou até mesmo revê-las. John Harrison, nesse sentido, é mais do que um detonador dessa investigação informal perpetrada por J.J Abrams. É um gatilho na comparação robusta que se assenta entre o filme e o 11 de setembro. Do patrocínio americano aos insurgentes afegãos contra a União Soviética nos anos 80 até o ataque de Osama Bin Laden às torres gêmeas em 2001. Todas as referências servem à Além da escuridão com um propósito magno de relativizar justamente as tais das boas intenções. Mas o filme de Abrams não quer fornecer respostas e denota isso nas últimas escolhas do racional e regrado Spock que cede à cartilha de Kirk e fragiliza de vez a percepção de que regras devem sempre, incondicionalmente, serem seguidas.

Além da escuridão, seja na força magnética da interpretação de Cumberbatch ou no comentário sombrio que propõe sobre o panorama geopolítico mundial, é um assombro de eloquência. Mas é, também, um filme divertidíssimo no mais puro e simples conceito de cinema pipoca. Fatores que, somados, fazem deste o melhor filme da temporada de blockbusters até o momento.

domingo, 16 de junho de 2013

Insight - A implosão do cinema e o que isso significa


Uma declaração de Steven Spielberg na última quarta-feira (12) durante um painel do qual participou em uma universidade californiana, assombrou o mundo do entretenimento e colocou indústria e imprensa cultural em alerta. Spielberg, no que foi acompanhado por seu amigo e também palestrante naquele dia, George Lucas, disse que o cinema como conhecemos hoje está à beira de uma implosão.
Mas o que quis dizer Spielberg? O maior Midas de Hollywood e o grande responsável, ao lado de Lucas, pelo surgimento do conceito de filme blockbuster, ou arrasa-quarteirão em nossa tradução mais eficiente, engrossa as fileiras daqueles que enxergam nas novas plataformas de lançamento (em especial na internet) uma ameaça real à forma como consumimos cinema na atualidade. Mas Spielberg não credita à profusão de alternativas (TV a cabo, streaming e lançamentos on demand) o ocaso do cinema, mas sim à prática cada vez mais turva dos grandes estúdios de se ensimesmarem nos grandes lançamentos com orçamentos de U$ 200 milhões e marketing que beiram outros U$ 200 milhões. Para Spielberg, trata-se de uma lógica insana que irá conduzir a uma indesviável saturação. O diretor acredita que estamos nos aproximando do fim dessa era das megaproduções. Essa percepção vir de Spielberg e Lucas é demasiado simbólica.
Lucas e Spielberg percebem a excelente fase pela qual atravessa a TV americana como um sintoma preliminar dessa implosão. Para eles, tudo de mais criativo e original não será lançado no cinema e sim nessas plataformas alternativas. Seja na internet, na TV à cabo ou mesmo por conteúdo on demand. Os cinemas, nessa conjuntura, se aproximariam da Broadway em matéria de cardápio. Se sofisticariam, ficariam mais restritos (tanto em termos de acesso como de quantidade) e exibiriam durante meses poucos filmes altamente antecipados.
Se essa visão de Spielberg, compartilhada por Lucas, abre uma janela de muitas e potencialmente positivas possibilidades, encerra uma visão romântica do cinema como principal polo da sétima arte. Não estaríamos ferindo de morte um conceito de arte? Banalizando um ritual centenário e revigorante como o ato de ir ao cinema? São inquietações que devem se avolumar nos próximos anos.
Como prova desse status, Spielberg pontuou que seu mais recente filme, o oscarizado e festejado em círculos da crítica Lincoln, por pouco não foi lançado na HBO. A fala revela outra questão oculta nesse presságio. O Oscar se transformaria a tal ponto que incorreria no risco de tornar-se obsoleto.
No fundo, Spielberg e Lucas atentam para a mesura do sucesso. Estúdios de cinema se perderam de algumas das diretrizes que norteiam essa medição, enquanto que canais de tv e distribuidoras de conteúdo como a Netflix, que rapidamente se consolida, também, como produtora de conteúdo, não.
Como tudo na vida, há os aspectos positivos e negativos. Mas uma transformação dessa magnitude, principalmente para os mais românticos, preponderaria na angústia de ver partir um tempo de mágica e fascinação que não mais voltaria.

sábado, 15 de junho de 2013

Espaço Claquete - Star Trek

J.J Abrams conseguiu o que poucos criam ser possível. A benção dos trekkers, legião dos fãs de Star Trek reconhecidos por serem extremamente passionais e tradicionalistas. Se Star Trek (EUA 2009), a reimaginação do universo trekker perpetrada por Abrams em parceria com seus colaboradores dos tempos de "Lost" Alex Kurtzman e Roberto Orci (responsáveis pelo roteiro), foi aprovada pelos fãs, quem é a crítica para fazer oposição. É mais ou menos sob esse signo que o filme de Abrams foi lançado. O segredo para a aceitação maciça passa tanto pela reverência ao material original, como pela coragem de afrontá-lo. Lógico que tudo dentro de uma confortável margem de segurança. Abrams promove sua releitura em uma realidade alternativa (ou paralela), o que torna tudo mais “trekker” e justamente fascinante. A pujança do universo mais notório do sci-fi não aliena o espectador ocasional e é aí que o esmero narrativo e a habilidade de Abrams como diretor se insinuam.
O diretor consegue bancar um filme de origem para o espectador que ignora a franquia, uma revisão nostálgica para trekkers de longa data e uma fita de ficção científica respeitável dentro do anacronismo característico vigente no gênero.
Na trama, vemos o início truncado da relação entre James Kirk - aqui defendido com gosto por Chris Pine – e Spock – o fascinante vulcano interpretado com a devida mesura por Zachary Quinto.
O início da jornada da Enterprise é posto à prova quando uma horda de romulanos pretende destruir planetas como vingança pela destruição de seu planeta. A jornada é, também, uma vendeta pessoal de Nero (Eric Bana) contra Spock. Passado e futuro se mesclam de maneira engenhosa nessa proposição dramática de Abrams, Orci e Kurtzman.
Star Trek, que fique claro, ainda não é o filme que essa franquia definidora dentro do universo da ficção científica merece. Mas é uma indicação de um caminho mais promissor do que o seguido até hoje no cinema. Já é muita coisa.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Um baiano cheio de borogodó



Ele pode fazer qualquer sotaque, mas não esconde que é sua “baianice” que o diferencia na cena cultural brasileira em que predominam os sotaques do sul e do sudeste.
Wagner Moura, aos 36 anos, é considerado por muita gente o melhor ator brasileiro. Se a referência for exclusivamente o cinema, seu reinado é ainda mais imperioso. Com 18 filmes no currículo, três filmes ainda por serem lançados em 2013 e uma carreira internacional engatilhada, Moura parece saltar de boa fase para boa fase.
Ator despudorado em abraçar a visceralidade como registro e capaz de aliar carisma à profundidade, Moura construiu uma filmografia diversa e multifacetada. Há legítimos heróis, personagens ambíguos e tipos complexos em filmes que aspiram sempre algo mais do que o sucesso comercial.
Dono de uma corporalidade insidiosa, Moura sabe trabalhar a expressividade de gestos e olhares em prol de personagens que exigem que o ator desapareça neles. É o caso do protagonista de Vips, de Toniko Melo. Um farsante que se faz passar por outras pessoas, reais e fictícias, e demonstra exímia capacidade de simulação. Um personagem como o notório capitão Nascimento, no entanto, exige convicção corporal e expressividade característica. O personagem, vivido pelo ator em dois filmes, exige, ainda, profunda prospecção emocional. Em ambos os casos, Moura mostra-se inteligente no uso que faz de seu físico para estender o alcance dos conflitos dos personagens.
Não é algo que todo ator saiba fazer. Não se trata exatamente de postura. Trata-se de usar recursos físicos, espontâneos, para agregar valor a uma caracterização.
Moura parece especialmente atraído por personagens em meio a conflitos íntimos insinuantes. No recente A busca, por exemplo, antes da busca pelo filho desaparecido, o que move seu personagem é a inadequação que experimenta. Seja pelo divórcio mal encaminhado ou pelas arestas mal aparadas com o pai. Em Tropa de elite, Moura é o homem justo em meio a corruptos que busca um substituto fidedigno. Em Vips, alguém em busca de identidade. Assim como em O homem do futuro.
O ator é capaz de trafegar pelos registros mais variados (comédia, drama...), revelando uma versatilidade rara, mas somente possível para quem dá a cara à tapa no irregular cinema brasileiro.
Seu borogodó, no fim das contas, tem pouco a ver com acarajé.

A milhagem de Rodrigo Santoro

Entre a pecha de galã e astro brasileiro no cinema americano, Rodrigo Santoro é ator de alto gabarito. A distância do agito das celebridades brasileiras e a opção por projetos de grande visibilidade, mas em que não defende os personagens principais, valeram certa implicância de parcela do público e da imprensa especializada com o ator. Contudo, essas mesmas opções reforçam a plenitude em que sua carreira se encontra no presente momento. Alternando trabalhos complexos no cinema nacional, como em Heleno (2012) e Não por acaso (2007), com projetos não tão adensados, mas de maior visibilidade no mercado americano, como O que esperar quando você está esperando (2012) e Recém-formada (2009), Santoro constituiu uma carreira de bifurcações interessantes. Ajuda a chamar a atenção, no Brasil, de filmes brasileiros que sem sua presença não teriam grande espaço e penetração e reveste de um charme particular produções americanas que sem ele, não teriam qualquer atenção do público do país.
São contornos interessantes de uma carreira consolidada e cada vez mais plural. Nas últimas semanas foi divulgado que o ator estará, ao lado de Antonio Banderas, no filme sobre os mineiros chilenos que ficaram semanas soterrados e comoveram o mundo. É um bom filme para esse selo de ator do mundo que Santoro cultiva.
Outro filme bastante aguardado por Santoro é a continuação de seu maior sucesso internacional de público. 300, a ascensão de um império, que deve ser lançado em março de 2014, promete ter muito mais Santoro em tela, já que o filme é focado em seu personagem.
Rodrigo Santoro persevera na busca de destaque internacional e reconhecimento nacional enquanto consolida uma carreira de muitos pontos altos e poucas escolhas equivocadas.

Isso é Santoro


12 filmes nacionais
15 filmes internacionais
2 prêmios de melhor ator no festival de Brasília pelos filmes Bicho de sete cabeças (2001) e Meu país (2011)
Vencedor do troféu Chpard de revelação masculina no festival de Cannes 2004 pelo filme Carandiru, que participou da mostra competitiva
2 prêmios de melhor ator no Grande Prêmio do cinema brasileiro pelos filmes Bicho de sete cabeças (2001) e Carandiru (2003)
Melhor ator no festival de Havana por Heleno


Confira o trailer de 300, a ascensão de um império

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Especial O Grande Gatsby - Crítica

Frenesi romântico

Era uma aposta alta e O grande Gatsby (The great Gatsby, EUA 2013) de Baz Luhrmann compensa. Não é o filme que a complexa e obstinada obra de F. Scott Fitzgerald merece, mas é um filme oxigenado, esteticamente impressionante e que busca redimensionar a percepção da extravagancia e hedonismo característicos dos anos 20 com uma inspirada colagem da imortal percepção do amor romântico, com a esperança fomentada pelo capitalismo no pós-guerra como fluxo dramático a prover equilíbrio. A luz verde, tão importante na concepção e dimensão da obra de Fitzgerald, é o guia supremo de Luhrmann na confecção do que de mais assertivo seu O grande Gastby tem a oferecer. Nesse sentido, o diretor – que teceu o roteiro do filme em parceria com Craig Pearce – buscou alinhavar a crítica ao sonho americano do qual tão brilhantemente a obra original trata.
Se esse componente está preservado em O grande Gatsby, não deixa de estar, também, recodificado. O sonho americano, seu aspecto sombrio, o preço cobrado por ele e suas circunstâncias não constituem o foco primário de Luhrmann. Seu interesse reside, primeiramente, no fascínio por uma era de excessos e, em um segundo momento, no desenlace de uma história de amor urdida nos porões de almas aflitas e mentes inquietas.
A figura de Gatsby, nesse contexto, é imperiosa. Leonardo DiCaprio dá ao personagem sua cota de fascinação e charme. O ator sabe penetrar com desenvoltura nas camadas mais profundas de um homem que perde de vista a fronteira entre esperança e obsessão. Se Luhrmann não se aprofunda nesse minucioso recorte, DiCaprio, em sua habitual excelência, demonstra o que O grande Gatsby poderia ter sido.
Ao optar por dar relevo às extravagancias de uma época efervescente, Luhrmann acerta em cheio. Seu filme é inebriante em certos momentos e faz com que a audiência capture exatamente a sensação que tomava aqueles personagens em uma Nova Iorque de excitação fugaz. Nesse recorte em particular, a música do filme é muito feliz. Com produção executiva do rapper Jay Z, a fusão de hip hop e jazz propicia essa ebulição que ocorre tanto nos três protagonistas como no período em que o filme se desenvolve.
No entanto, essa construção que norteia a narrativa, esvazia o ranço analítico objetivado por qualquer obra cinematográfica que se debruce sobre aquele que é considerado o maior romance americano de todos os tempos.

Leonardo DiCaprio e Joel Edgerton são os responsáveis pelas melhores atuações de O grande Gatsby. Já Carey Mulligan falha no registro de Daisy, a grande idealização de Gatsby


Natural, além de compreensível, a grita de grande parte da crítica americana com o filme. Mas é preciso julgar a execução ante sua proposta e, como esclarecido anteriormente, a ideia de Luhrmann nunca foi investigar profundamente essa conflituosa época do período americano. A relação entre a América do passado e do presente pode até ser destacada por alguém mais entusiasmado com o filme, mas ela não está lá. Luhrmann não quer fazer críticas ou paralelismos. O que ele quer é dar viço ao frenesi romântico que marcou uma época. Dar cor e vibração ao romantismo de uma América sombreada pelo cinismo vigente. O otimismo de Gatsby , e o fim do personagem, levaram Nick Carraway (Tobey Maguire) – o narrador da estória -  ao hospício nessa versão de Luhrmann. Uma mudança que pode parecer desarranjada, mas particularmente diz muito sobre as expectativas. E está aí, na instabilidade das expectativas, a grande força desse O grande Gatsby.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Crítica - Faroeste Caboclo


Sangue nos olhos!

O primeiro plano de Faroeste caboclo (Brasil 2013), aguardado filme baseado na música homônima de Renato Russo, já revela que se trata de um filme singular na cinematografia nacional. A inspiração em Sergio Leone paira sobre o filme desde aquele flagra nos olhos endiabrados de João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira). Contudo, o diretor René Sampaio, publicitário estreante na direção de longas-metragens, não se deixa tomar por refém das referências de um gênero essencialmente americano e enxerta uma brasilidade amarga em seu registro.
Desnecessário dizer que há a preocupação da realização em seguir à risca a música – que surge recodificada quando os créditos sobem. Marcos Bernstein, que também poliu o texto de Somos tão jovens, faz de Faroeste Caboclo um drama existencial na melhor linha dos westerns clássicos de Ford, Hawks e companhia, mas sem perder de vista o comentário social tão perseguido pelo cinema brasileiro.
Agrada, também, a articulação dramática. O herói (ou anti-herói) de poucas palavras; seu amor repentino e supremo pela mocinha; a ingenuidade do herói ao pensar que pode (ou merece) ter uma vida melhor; a violência da urbanidade em contraponto com a violência do interior e o choque gerado por ele. Sampaio estrutura seu filme com belos planos e se apropria da ideia de uma Brasília sem lei – ainda que contornada de maneira renovada e inédita, no cinema ao menos.

Boliveira se arma com o olhar: um ator cheio de fúria em um filme com sangue nos olhos


João de Santo Cristo é um homem movido à vingança. Da desgraça que nasceu. Da vida que lhe foi negada. Da violência que lhe foi outorgada. Do estupro do qual foi vítima. Do sacrifício que seu amor teve de fazer por ele. "A vida às vezes não te dá escolha", brada o personagem em pensamento pouco depois de assassinar um de seus algozes em pleno asfalto brasiliense.
Ainda que a música de Russo seja a bússola suprema, Faroeste Caboclo é um filme imaginativo. Sagaz no uso da imagem e na apropriação de símbolos (o western, o filme de agudez social, Brasília, etc).
Com vibração e poesia, o filme concilia sua vocação romântica – o amor impossível entre um pobre preto e ladrão e uma jovem rica, branca e filha de senador – a um desfecho trágico (e já famoso pela música) que se materializa como provocação em um cinema sempre redondinho, de finais felizes e redentores como o é o cinema nacional.
Faroeste Caboclo é, dentro dessa perspectiva, um filme obtuso e rarefeito, mas de incrível beleza. Necessário em última instância. Um filme, que assim como seu protagonista esplendidamente encarnado por Boliveira, chega com sangue nos olhos.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Crítica - Dois mais dois

Tirando o peso da polêmica

O maior sucesso dos cinemas argentinos em 2012 é finalmente descoberto, em 2013, pelo público brasileiro. E a experiência é muito boa. Não seria de todo estranho supor que em alguns anos, o cinema nacional apresente uma refilmagem do filme. A exemplo do que fez com as bem sucedidas produções Entre lençóis e Sexo com amor?, refilmagens de produções chilenas. Em comum, o fato de que todos os filmes abordam o sexo e suas reminiscências em uma roupagem leve e com potencial cômico. Dois mais dois (Dos más dos, ARG 2012), no entanto, distingue-se dos demais – chilenos ou contrapartes brasileiras – tanto pela qualidade do texto, como pela disposição em ir além da fachada no tema do qual se alimenta.
O filme de Diego Kaplan começa com os sócios de uma renomada clínica de cardiologia, Diego (Adrian Suar, sensacional) e Richard (Juan Minujin) comemorando junto a suas respectivas mulheres, Emilia (Julieta Diaz) e Betina (Carla Peterson) um prêmio concedido a eles. Conversa vai, conversa vem e Diego e Emilia, casados a mais tempo, acabam descobrindo que o casal de amigos pratica o swing. Aos olhos de Emilia, a química entre eles nunca esteve melhor e o desejo mais aceso. Segundo Betina, essa sintonia se deve à liberdade com que abordam o sexo dentro da relação. A partir daí, o filme diverte a audiência com a tentativa de Emilia em convencer Diego, o notório conservador, a descobrir os prazeres do swing, sob pena de travar de vez o casamento deles.
O que difere Dois mais dois de um filme como o francês Para poucos, já resenhado em Claquete, não é apenas o pudor com as cenas de nudez ou a opção por um registro menos dramático - sim porque há drama enxertado na trama - mas a disposição de investigar o que leva as pessoas a procurarem essas variações liberais em uma união já estabelecida. Betina, por exemplo, se descobre uma mulher submissa e insegura, quando cria ser o avesso disso. E revê todas as decisões que tomou ao lado de Richard sob diferente perspectiva. Richard, por outro lado, é o macho alfa que acredita que não pode ser domado e uma relação extraconjugal ou o sexo consentido com outras mulheres sob o olhar de sua mulher são paralelismos que não ostentam grande distinção em sua lógica. Emilia busca sedução, aventura, revigor sexual e encontra a paixão onde não procurava. Diego tem medo de que os outros acreditem que ele não é quem diz ser. O amor pela mulher, então, se apresenta como subterfúgio para sua saga de negação e aceitação. Não à toa, é quem mais se empolga com o novo status de sua relação após iniciar-se no swing.
Isso tudo são postulações que se inserem muito naturalmente nessa ótima comédia argentina. Não há moralismo ou psicologização nos personagens ou na realização. Tudo é conduzido com muito esmero no intuito de tirar o peso da polêmica, mas não os conflitos que ela enseja. Nesse sentido, é um filme muito feliz e que dá ao sexo seu devido valor. Isto é, elemento fundamental para a construção de uma vida a dois mais satisfatória.

domingo, 9 de junho de 2013

Insight - As escolhas de Santoro e a percepção de Moura

Rodrigo Santoro e Wagner Moura são duas faces da mesma moeda? É inegável que são, sob perspectivas distintas, mas complementares, os dois atores mais bem sucedidos artística e comercialmente do país. Ambos estão imersos, em diferentes estágios deste processo, na confecção de suas assim chamadas carreiras internacionais.
Rodrigo Santoro, a esta altura, já pode ser chamado de um veterano do cinema internacional, tendo aparecido em produções argentinas, espanholas, americanas e inglesas ao longo de dez anos. Wagner Moura está na fase de decolagem, mas como sinalizado na seção Insight “O voo internacional deWagner Moura” vislumbra um horizonte ensolarado.
Santoro no topo do cartaz: o
primeiro encontro com Moura
Rodrigo Santoro era um galã emergente das novelas globais quando despontou fervorosamente no cinema com Bicho de sete cabeças (2001). Então com 26 anos, Santoro impressionou e colecionou prêmios na pele de um adolescente viciado que é “abandonado” pela família ao sistema. Ainda em 2001, ele foi o protagonista de um dos projetos mais ousados de Walter Salles, Abril despedaçado, filme no qual fazia um membro de uma das famílias envoltas em uma saga por vingança no sertão brasileiro. Aqui, neste longa, seu caminho se cruzou pela primeira vez com Wagner Moura que faz um personagem menor na trama.
As escolhas ousadas de Santoro iam além do fato de optar por construir uma carreira no cinema em detrimento da exposição como galã de novela em um país em que a cultura vigente determina o contrário, ele fazia opções que o desafiavam como intérprete.
Enquanto estava no ar na TV (e fazia sucesso) como o cafajeste Diogo na novela "Mulheres apaixonadas", teve a coragem de viver um travesti em Carandiru e viu-se no meio de um emaranhado de expectativas desarmadas sobre seu trabalho e objetivos como ator. No filme de Hector Babenco seu caminho se cruzou pela segunda vez com o de Wagner Moura, ainda relativamente desconhecido, que dava dignidade e graça a um dos melhores personagens do filme. Esses dois encontros em um momento específico e relativamente prolífico do cinema brasileiro demonstra que ambos detinham faros aguçados para bons projetos e, também, ainda que em proporções diferentes, despertavam confiança nos prestigiados realizadores em questão.

Agressividade e paciência
2003 foi mesmo um ano difícil para Rodrigo Santoro. Além da exposição na TV, do papel polêmico em Carandiru, ele estreou no cinema americano – em uma época em que ninguém do Brasil havia feito isso depois do advento da internet – e se viu no epicentro de expectativas desequilibradas. A estreia foi na sequência de As panteras, um bom filme ruim de ação. Santoro entrou mudo e saiu calado e a imprensa de celebridade brasileira não perdoou. A marcação foi muito grande e negativa em cima do ator que refugiou-se nos EUA, em busca tanto de equilíbrio quanto de mais trabalho. Faltava a observação de que Santoro era um desconhecido, latino, tentando conquistar seu espaço no cinema americano na base do talento. Não é fácil nem mesmo para americanos. A figuração em um blockbuster, dentro dessa perspectiva, era um triunfo danado. Ainda em 2003, ele estrelou Simplesmente amor, uma comédia romântica em que dividia a cena com um numeroso e estrelado elenco com igual importância na trama.
Aos poucos, foram surgindo propostas melhores e Santoro soube tirar o proveito ideal delas. Filmes como 300 – em que fez o vilão – e a curta participação na série "Lost" foram providenciais para torná-lo um rosto conhecido na indústria e reconhecível para o americano consumidor de cultura pop. Com trânsito no cinema americano, ele buscou a diversificação de quem tem prazer em atuar e não em ser um astro. Esteve em projetos como Leonera (2008), filmado na argentina, Cinturão vermelho (2008), do papa David Mamet e O golpista do ano (2009), todos independentes. Não se desligou do cinema nacional – rodou ótimos filmes como Os desafinados (2008), Não por acaso (2007), Meu país (2011) e Heleno (2012) – e deu sequência ao projeto de participar de projetos de visibilidade internacional, como o recente O último desafio em que atuou ao lado de Arnold Schwarzenegger, justamente no retorno do astro ao cinema.

Em 2003, Santoro foi travesti em Carandiru (1) e "casou-se" na prisão com Gero Camilo, enquanto arrasava o coração de Camila Pitanga e telespectadoras em "Mulheres apaixonadas" (2). O ator também é parceirão de muitas celebridades internacionais e vira e mexe serve de guia delas no Rio de Janeiro como ocorreu quando Gerard Butler e Madonna vieram ao carnaval carioca em 2010 (3). No ano passado, foi apontado como affair de Jennifer Lopez em virtude da química que ostentava com ela em O que esperar quando você está esperando

Santoro soube aliar agressividade à paciência, ao escolher projetos de inegável importância em diferentes nichos e aspectos e esperar pelos resultados de seus trabalhos. A opção pela carreira internacional foi algo que se consolidou quase que simultaneamente à escolha pelo cinema em detrimento da tv.

Meios e fins
Já Wagner Moura não tinha essa ambição. Pelo menos não assumidamente. O cinema seguiu em paralelo a projetos na TV. Se filmes como Nina (2004), Deus é brasileiro (2003) e Cidade Baixa (2004) davam a Moura um aspecto cult, o trabalho na TV lhe acenava com o pop em produções como Sitcom.br e JK. Mas então veio o ano de 2007 que favoreceu uma explosão midiática do ator combinando cinema, com o primeiro Tropa de elite, e a TV, como o vilão da novela "Paraíso Tropical". A partir deste momento histórico, do sucesso incontornável e das possibilidades que ele atrai, Moura passou a se dedicar mais inteiramente ao cinema. E o ator mostrou-se cada vez melhor. Os protagonismos enfileiraram-se e depois do segundo Tropa de elite, lançado em 2010, a carreira internacional veio buscá-lo. O diretor Neil Bloomkamp se impressionou com o desempenho do ator nos filmes de José Padilha e o chamou para integrar o elenco principal de Elysium, filme que promete ser uma das sensações do ano. Mesmo sem debutar efetivamente no cinema americano, Moura já assegurou mais dois projetos. Um filme independente sobre Fellini, em que viverá o cineasta italiano, e um drama de Stephen Daldry.

1 - Wagner Moura roubando a cena em Carandiru; 2- cantando Legião Urbana em show patrocinado pela MTV em homenagem à banda; 3- interpretando Hamlet no teatro; 4 - e conquistando o Brasil como o possessivo Olavo perdidamente apaixonado pela garota de programa vivida por Camila Pitanga em Paraíso tropical (isso mesmo, Pitanga é outro ponto de convergência dos últimos trabalhos de Moura e Santoro em novelas)

Moura ainda é uma aposta no cinema americano, mas uma aposta de ser uma atração. Santoro já é uma realidade. Mas uma realidade que remonta a um ator eficiente já estabelecido; sem ser em si uma atração, como um Tim Roth, um Denis o´ Hare ou Danny Huston.
Esses diferentes status não se articularam por resíduos de talento, mas sim por opções feitas pelos atores na condução de suas carreiras e, também, por contingências de mercado.
Rodrigo Santoro escolheu “peregrinar” em busca de seu lugar ao sol, enquanto que Wagner Moura foi “garimpado” pelo cinema americano. São meios e fins que se confundem em face de jornadas vitoriosas em dimensões bem particulares.