Sangue nos olhos!
O primeiro plano de Faroeste caboclo (Brasil 2013),
aguardado filme baseado na música homônima de Renato Russo, já revela que se
trata de um filme singular na cinematografia nacional. A inspiração em Sergio Leone paira
sobre o filme desde aquele flagra nos olhos endiabrados de João de Santo Cristo
(Fabrício Boliveira). Contudo, o diretor René Sampaio, publicitário estreante
na direção de longas-metragens, não se deixa tomar por refém das referências de
um gênero essencialmente americano e enxerta uma brasilidade amarga em seu
registro.
Desnecessário dizer que há a preocupação da realização em
seguir à risca a música – que surge recodificada quando os créditos sobem.
Marcos Bernstein, que também poliu o texto de Somos tão jovens, faz de Faroeste
Caboclo um drama existencial na melhor linha dos westerns clássicos de Ford,
Hawks e companhia, mas sem perder de vista o comentário social tão perseguido
pelo cinema brasileiro.
Agrada, também, a articulação dramática. O herói (ou anti-herói)
de poucas palavras; seu amor repentino e supremo pela mocinha; a ingenuidade do
herói ao pensar que pode (ou merece) ter uma vida melhor; a violência da
urbanidade em contraponto com a violência do interior e o choque gerado por ele.
Sampaio estrutura seu filme com belos planos e se apropria da ideia de uma
Brasília sem lei – ainda que contornada de maneira renovada e inédita, no
cinema ao menos.
Boliveira se arma com o olhar: um ator cheio de fúria em um filme com sangue nos olhos
João de Santo Cristo é um homem movido à vingança. Da
desgraça que nasceu. Da vida que lhe foi negada. Da violência que lhe foi
outorgada. Do estupro do qual foi vítima. Do sacrifício que seu amor teve de
fazer por ele. "A vida às vezes não te dá escolha", brada o personagem em
pensamento pouco depois de assassinar um de seus algozes em pleno asfalto
brasiliense.
Ainda que a música de Russo seja a bússola suprema, Faroeste Caboclo
é um filme imaginativo. Sagaz no uso da imagem e na apropriação de símbolos (o
western, o filme de agudez social, Brasília, etc).
Com vibração e poesia, o filme concilia sua vocação
romântica – o amor impossível entre um pobre preto e ladrão e uma jovem rica,
branca e filha de senador – a um desfecho trágico (e já famoso pela música) que
se materializa como provocação em um cinema sempre redondinho, de finais
felizes e redentores como o é o cinema nacional.
Faroeste Caboclo é, dentro dessa perspectiva, um filme
obtuso e rarefeito, mas de incrível beleza. Necessário em última instância. Um filme, que assim
como seu protagonista esplendidamente encarnado por Boliveira, chega com sangue
nos olhos.
Um filme digno mesmo. Acho que você gostou até mais do que eu. Belo testo, Reinaldo.
ResponderExcluirBjs
Amanda: Obrigado Amanda. Sei que gostei mais do que pensava que gostaria.
ResponderExcluirbjs