(Des) esperança, boa música e balas
O neozelandês Andrew Dominik é o que se costuma chamar de
autor de cinema. Depois de fazer um western pensativo e, de certa forma,
vanguardista, com O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (EUA
2007), ele agora se volta para outro gênero clássico americano, o filme de
gangster; e o reinventa com estilo e propriedade ao submeter o gangsterismo ao
ambiente de crise econômica. O filme, adaptação do livro “Cogan´s trade”, de
George V. Higgins, coloca Brad Pitt como Jack Cogan, um matador profissional a
serviço da máfia. O Homem da máfia (Killing them softly, EUA 2012), no entanto,
vai além dessa banal sinopse. Dominik aproveita o contexto de definhamento
econômico vivido pela América nos idos de 2008 para arejar o filme com uma nova
abordagem do gangsterismo. “Aqui se demora uma eternidade para ganhar o ok para
qualquer coisa”, reclama o pragmático e pessimista Cogan para o colega, também
matador profissional, vivido por James Gandolfini. Este por sua vez, vivendo
estágios avançados do que parece ser uma depressão.
A reclamação de Cogan, contratado para resolver o problema
criado por dois maltrapilhos que resolveram assaltar um jogo de pôquer controlado
pela máfia, é reflexo da mentalidade corporativa adotada pelo crime organizado.
Tanto é, que as negociações com Cogan são intermediadas por um advogado, papel
que Richard Jenkins tira de letra.
Ao observar Cogan, mais do que a qualquer outro personagem, o
espectador se fascina com sua visão de mundo e, também, com a forma como ele
consegue se posicionar nele. É inegavelmente o personagem menos esperançoso em
cena e, talvez por isso, o mais sóbrio. Enquanto Obama surge no televisor de um
bar com seu histórico discurso de agradecimento pela vitória nas urnas em 2008,
Cogan – confrontado pelo advogado da máfia que lhe acena com hipocrisia dizendo
que o que importa no ramo em que estão são os relacionamentos - dispara: “Nossa
nação se ergueu porque um punhado de gente estava farta de pagar impostos aos
ingleses. Os Estados Unidos não são um país, são um negócio”.
A fala de Cogan é o máximo de emoção que o personagem
oferece durante o longa. Cheio de códigos, ele diz que gosta de matar suas
vítimas suavemente; à distância. Sem permitir que o choro da vítima e o
constrangimento que ele incide tenham vez. A praticidade de Cogan é o
contraponto ideal aos dois maltrapilhos que são o gatilho para a ação do filme.
Depressão, mentalidade corporativa e Johnny Cash: O homem da máfia não é um filme de gangster qualquer...
Dominik mantém o ritmo contemplativo que tão bem caracterizou
O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford e trabalha com recursos
prodigiosos para fazer de O homem da máfia um filme tão perene quanto seu
western. Brad Pitt, por exemplo, surge ao som de "The man comes around" de Johnny
Cash – uma introdução salutar e eloquente do personagem. A música, aliás, do
country ao blues – é um recurso tão pródigo em sua fleuma americana quanto os
políticos que sopram nos ouvidos dos personagens entre uma cena e outra.
Dominik ainda mergulha na cabeça de um drogado, em uma cena
francamente incômoda, flerta com a lógica tarantinesca de preceder uma cena de
tensão - dando especial atenção a uma conversa sem muito valor à narrativa
antes da cena de assalto ao jogo de pôquer - e faz de um assassinato, um balé
de balas e vidros despedaçados.
O homem da máfia talvez seja o filme de gangster mais
importante desde Os bons companheiros (1991). Um mérito em si próprio e um
alerta ao cinéfilo de que Andrew Dominik quer, e pode, promover mudanças
notáveis no cinema americano moderno. Não é a toa que Brad Pitt já disse que
faz qualquer coisa que o neozelandês quiser.
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