Eu penso em
Dean Moriarty
Não é fácil avaliar Na estrada (On the road, FRA, EUA,
ING, BRA/2012). Analisar o filme, em seu dialogismo com a obra original e com
sua época, no entanto, é menos complicado – ainda que reserve grau semelhante
de complexidade.
Em primeiro lugar, em virtude da falta de uma proposição
narrativa mais específica, Na estrada é mais um tributo bem adornado a obra
de Jack Kerouac, do que um filme bem fundamentado nas raízes cinematográficas.
Essa constatação não desqualifica um elenco em fantástica forma, uma trilha
sonora maravilhosamente composta por Gustavo Santaolalla, uma fotografia
poderosa de Eric Gautier e a direção tão vigorosa quanto cuidadosa de Walter
Salles.
A própria essência do livro induz o destino do filme
enquanto realização cinematográfica. Embora esse fato implique em um ônus na
avaliação que se faz do filme em sua vertente narrativa, indica que Salles foi
bem sucedido na missão de traduzir a obra seminal da geração beat para o
cinema. Na estrada é um filme sobre a busca por algo que não se sabia nem
sequer nomear. Se a figura de Dean Moriarty (Garrett Hedlund) é catalisadora
dessa insurgência de jovens que “tocam a estrada” na busca de inspiração e sentido,
o filme de Salles é muito feliz na abordagem que faz disso. Especialmente pela
poderosa aparição de Garrett Hedlund, um ator em ebulição sexual que equilibra
carisma hipnótico com sensibilidade aguda na composição instintiva que faz de
Dean, pseudônimo de Neal Cassidy. Se Sam Riley não chega a ser exatamente uma
decepção, seu Sal Paradise, pseudônimo do autor Jack Kerouac, carece de alma.
Riley falha em revestir sua composição da vulnerabilidade de um personagem que
alterna momentos de profunda hesitação com outros de impulsividade
incontornável. Já Kristen Stewart surge muito bem dirigida por Salles. Entregue
à sensualidade de uma personagem corajosa, a atriz não se furta de cenas que
exigem desprendimento. Mas há pouco para ela contribuir dramaticamente ao
filme. Isso precisa ser dito. As participações especiais dão dimensão dramática
a Na estrada. Viggo Mortensen e Kirsten Dunst têm pequenas, mas enfáticas
participações.
Na estrada se alimenta do genuíno interesse do espectador
em desbravar aqueles personagens, mas essa informação – acertadamente – nunca é
plenamente alcançada.
Se Na estrada tem problemas, todos estão intrinsecamente relacionados à essência do livro, que não era considerado inadaptável à toa.
Essa fidelidade canhestra, no entanto, não justifica o excesso de pudor com que
Walter Salles filma as picardias de seus protagonistas. Não que haja sonegação
do tesão em Na estrada. Apenas há um contingenciamento que revela ainda mais
perigosamente o aspecto de tributo que o filme do diretor brasileiro não
consegue se desvencilhar.
Não me decepcionei com o filme, quero escrever sobre ele mas pretendo ler primeiro o livro de Kerouac. Concordo que analisá-lo não deve ser nada fácil.
ResponderExcluircinemapelaarte.blogspot.com
Queria ler o livro primeiro para fazer uma avaliação bacana e tudo mais, mas acho que vai acontecer exatamente o inverso...
ResponderExcluirEu fiquei bastante decepcionado.
ResponderExcluirO filme tem virtudes, principalmente as técnicas enumeradas por você no texto. Mas poderia ser um filme fundo de quintal se o espírito transgressor da obra seminal de Kerouac aparecesse na telona, o que infelizmente não acontece. Pra mim, "Na Estrada" foi um apanhado de situações vivenciadas pelo trio, mas sem 1/3 do calor, energia e discurso libertário da obra.
É complicado não separar a avaliação do filme sem interferências do livro. Se assim não fosse, é um filme eficiente, sim. Uma tentativa bacana de reproduzir a ebulição daquele época.
Meu texto com as ideias mais abrangentes aqui - http://www.gazetamaringa.com.br/blog/pospremiere/?id=1278022
Abraço!
Emmanuela: O filme é plausível como tributo, mas um tanto irregular quanto cinema. Leia o livro e se ambiente com essa verdade.
ResponderExcluirBjs
Alan: rsrs. Acontece nas melhores famílias... rsrs
Elton: Eu tiraria o "bastante" da minha digestão do filme. Mas entendo sua postura em relação a ele. É como vc disse. E como eu pontuo no final da crítica tb. Há uma incômoda assepsia em "Na estrada". Acho que o seu "uma tentativa bacana" já diz tudo.
Vou ler seu texto!
Abs
Também fiz uma crítica e sim, me decepcionei um pouco. Não senti a "trip" que gostaria e apesar de satisfazer em sua técnica cuidadosa (adorei a música), o filme ficou sem a "batida" necessária. Só dou elogios ao Garrett.
ResponderExcluirJá assistiu Os Beatniks (Heart Beat, 1980) com a Sissy Spacek?
http://cinemarodrigo.blogspot.com.br/2012/07/walter-salles-na-estrada.html#more
Abs.
Rodrigo: O Garrett merece todos os elogios mesmo. Lerei sua crítica. Sim, já vi Os beatniks. Mas faz tanto tempo... rsrs
ResponderExcluirAbs