Analogias perdidas
Se O lugar onde tudo termina (The place beyond the pines,
EUA 2013) fosse um poema, e há muito de poético no filme de Derek Cianfrance,
seria aquele de extrema beleza, afinidade dramática, energia e profundidade,
mas sem rima. Por consequência, de menor impacto estético no universo dos
poemas. A analogia se justifica porque O lugar onde tudo termina é um filme que
fica a milímetros da excelência. O texto, que é para lá de inventivo na
construção de arquétipos e circunstâncias, é, simultaneamente, o maior trunfo e
único descalabro do filme. Trunfo porque é ambicioso e não disfarça essa
ambição. Reveste os protagonistas de densidade e cria circunstâncias que,
embora improváveis, são dolorosamente factíveis. Descalabro porque deixa
algumas costuras à mostra e isso nunca é algo bom. Há personagens que são
simplesmente abandonados pela narrativa ousada proposta por Cianfrance. É um
custo que se paga para produzir um efeito poético muito mais sonoro, ardil.
O filme se divide em três atos. No primeiro somos apresentados
a Luke (Ryan Gosling), um tipo desgostoso da vida que vive de maneira nômade
como uma atração de circo, valendo-se de suas habilidades com uma moto. Depois
de descobrir que é pai, ele decide estabelecer-se em uma cidadezinha do Estado
de Nova Iorque e reconquistar a mãe de seu filho. Para isso, investe no ofício
de assaltante de bancos. É aí que tem início o segundo ato da trama, em que o
policial Avery (Bradley Cooper), ferido em ação justamente para deter um dos
assaltos perpetrados por Luke, é o foco. Ele precisa resistir ao assédio de
companheiros corruptos enquanto digere um trauma de sequelas ainda
desconhecidas.
O terceiro ato avança 15 anos e flagra os filhos dos
personagens de Cooper e Gosling envolvidos em circunstâncias tão desalentadoras
quanto seus pais.
Idílio interrompido: a vida que se sonha não é compatível com a que se tem em O lugar onde tudo termina
O registro de Cianfrance é épico, mas é, também, íntimo. São
nas cenas menores que O lugar onde tudo termina atinge todo o seu potencial. A
paternidade e suas reminiscências são enquadradas com furor ímpar. A
sensibilidade do registro chama a atenção. A América como uma grande família
(do crime, da lei, da política, da memória e, também, biológica) é celebrada em
suas angústias com um olhar sofisticado sobre questões como moral, ética,
ausência, perdão, raiva, expectativa, aceitação, negação, entre outros.
O lugar onde tudo termina é um caleidoscópio de emoções
geradas no útero da existência. Por ser tão obstinado em traduzir a “tragédia
americana”, Cianfrance fez um filme com alguns desvios de ritmo, uma
imperfeição aqui e outra acolá, mas com uma força gravitacional extraordinária.
Ajuda, e muito, a composição de Bradley Cooper – grande irrigador da atmosfera
trágica do filme e também o dono do melhor personagem. Ryan Gosling afere a
dimensão exata de dor e comiseração que acomete seu personagem que não consegue
achar seu lugar no mundo. Mas o grande destaque no campo das atuações vai mesmo
para Dane DeHaan, que já havia chamado a atenção como a melhor coisa do fraco
Poder sem limites (2012) e será Harry Osborn em O espetacular Homem aranha 2.
Com pouco tempo em cena, como Jason – filho do personagem de Gosling no último
arco – o ator carrega a tragédia nos ombros e nos olhos em atuação brilhante
que leva a plateia a crer em um único desfecho possível, para que Cianfrance
depois feche seu soneto com arrebatamento.
Bela poesia, Reinaldo. Eu gostei muito do filme, não senti esses desvios de ritmo. E achei que esquecer alguns personagens faz parte da escolha de foco, da forma como o roteiro vai nos levando. E concordo que o menino está mesmo muito bem.
ResponderExcluirBjos
Adorei o texto.....poesia como minha colega Amanda citou.
ResponderExcluirNão assisti ao filme e consegui arrumar uma cópia para ver nas férias.
abs
Amanda: Obrigado Amanda. Exato, o abandono dos personagens é esse preço que precisa ser pago para que se alcançe aquilo que o roteiro objetiva.
ResponderExcluirBjs
Renato: Obrigado meu caro. Creio que vc goste do filme tb.
Abs