quarta-feira, 3 de julho de 2013

Crítica - O lugar onde tudo termina

Analogias perdidas

Se O lugar onde tudo termina (The place beyond the pines, EUA 2013) fosse um poema, e há muito de poético no filme de Derek Cianfrance, seria aquele de extrema beleza, afinidade dramática, energia e profundidade, mas sem rima. Por consequência, de menor impacto estético no universo dos poemas. A analogia se justifica porque O lugar onde tudo termina é um filme que fica a milímetros da excelência. O texto, que é para lá de inventivo na construção de arquétipos e circunstâncias, é, simultaneamente, o maior trunfo e único descalabro do filme. Trunfo porque é ambicioso e não disfarça essa ambição. Reveste os protagonistas de densidade e cria circunstâncias que, embora improváveis, são dolorosamente factíveis. Descalabro porque deixa algumas costuras à mostra e isso nunca é algo bom. Há personagens que são simplesmente abandonados pela narrativa ousada proposta por Cianfrance. É um custo que se paga para produzir um efeito poético muito mais sonoro, ardil.
O filme se divide em três atos. No primeiro somos apresentados a Luke (Ryan Gosling), um tipo desgostoso da vida que vive de maneira nômade como uma atração de circo, valendo-se de suas habilidades com uma moto. Depois de descobrir que é pai, ele decide estabelecer-se em uma cidadezinha do Estado de Nova Iorque e reconquistar a mãe de seu filho. Para isso, investe no ofício de assaltante de bancos. É aí que tem início o segundo ato da trama, em que o policial Avery (Bradley Cooper), ferido em ação justamente para deter um dos assaltos perpetrados por Luke, é o foco. Ele precisa resistir ao assédio de companheiros corruptos enquanto digere um trauma de sequelas ainda desconhecidas.
O terceiro ato avança 15 anos e flagra os filhos dos personagens de Cooper e Gosling envolvidos em circunstâncias tão desalentadoras quanto seus pais.

Idílio interrompido: a vida que se sonha não é compatível com a que se tem em O lugar onde tudo termina

O registro de Cianfrance é épico, mas é, também, íntimo. São nas cenas menores que O lugar onde tudo termina atinge todo o seu potencial. A paternidade e suas reminiscências são enquadradas com furor ímpar. A sensibilidade do registro chama a atenção. A América como uma grande família (do crime, da lei, da política, da memória e, também, biológica) é celebrada em suas angústias com um olhar sofisticado sobre questões como moral, ética, ausência, perdão, raiva, expectativa, aceitação, negação, entre outros.
O lugar onde tudo termina é um caleidoscópio de emoções geradas no útero da existência. Por ser tão obstinado em traduzir a “tragédia americana”, Cianfrance fez um filme com alguns desvios de ritmo, uma imperfeição aqui e outra acolá, mas com uma força gravitacional extraordinária. Ajuda, e muito, a composição de Bradley Cooper – grande irrigador da atmosfera trágica do filme e também o dono do melhor personagem. Ryan Gosling afere a dimensão exata de dor e comiseração que acomete seu personagem que não consegue achar seu lugar no mundo. Mas o grande destaque no campo das atuações vai mesmo para Dane DeHaan, que já havia chamado a atenção como a melhor coisa do fraco Poder sem limites (2012) e será Harry Osborn em O espetacular Homem aranha 2. Com pouco tempo em cena, como Jason – filho do personagem de Gosling no último arco – o ator carrega a tragédia nos ombros e nos olhos em atuação brilhante que leva a plateia a crer em um único desfecho possível, para que Cianfrance depois feche seu soneto com arrebatamento.

3 comentários:

  1. Bela poesia, Reinaldo. Eu gostei muito do filme, não senti esses desvios de ritmo. E achei que esquecer alguns personagens faz parte da escolha de foco, da forma como o roteiro vai nos levando. E concordo que o menino está mesmo muito bem.


    Bjos

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  2. Adorei o texto.....poesia como minha colega Amanda citou.


    Não assisti ao filme e consegui arrumar uma cópia para ver nas férias.

    abs

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  3. Amanda: Obrigado Amanda. Exato, o abandono dos personagens é esse preço que precisa ser pago para que se alcançe aquilo que o roteiro objetiva.
    Bjs

    Renato: Obrigado meu caro. Creio que vc goste do filme tb.
    Abs

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