Vinterberg, o terrível
Com 29 anos ele causou em Cannes. Sob o signo de
uma estreia arrebatadora na direção de longas-metragens para cinema – com o
intenso e perturbador Festa de família (1998), o dinamarquês Thomas Vinterberg
parecia ter para si um caminho glorioso, mas não foi o que se verificou. As
expectativas não foram cumpridas e o cineasta se viu sob o hostil território
das promessas que não vingaram.
Foi no ano passado, também em Cannes, que Vinterberg fez as
pazes com a crítica internacional ao apresentar o não menos intenso e
perturbador A caça. O diretor não deixou por menos e rebateu as afirmações de
que seu cinema estava em uma maré baixa. “Gosto de todos os meus filmes”, disse
o dinamarquês em entrevista coletiva em Cannes. “Não mudaria nada. Um ou outro
pode ter tido uma resposta melhor da crítica, mas são todos meus filhos”,
metaforizou Vinterberg.
A verdade é que o diretor sofreu um pouco por ter sido o
único que levou a ferro e fogo os fundamentos do Dogma 95, movimento que fundou
juntamente com Lars Von Trier, em face de um cinema mais naturalista, menos
intervencionista por parte da realização. Mas não foi o dogma 95 que o
recrudesceu. Filmes como Dogma do amor (2003), Querida Wendy (2004) e Quando um
homem volta para casa (2007) preservam o despudor temático de Vinterberg, mas
as narrativas são frouxas e perdulárias. Em O submarino, sobre dois irmãos
assombrados por chagas passadas que se reencontram no funeral da mãe, o diretor
já dava sinais de uma reconsolidação de seu cinema em sua articulação estética
e propósito narrativo. A confirmação veio com A caça, filme que tem um ponto de
partida dos mais interessantes: relativizar o conceito de inocência que temos
incauto em uma criança. A partir de uma falsa acusação de pedofilia, e da
análise ensimesmada de todo o circo que dela deriva, Vinterberg propõe, ainda
que inconscientemente, um diálogo prolífero com seu filme até então mais
famoso: Festa de família. Com a pedofilia como parâmetro, ele opõe o alcance
devastador de traumas no foro íntimo e também na coletividade.
Se Vinterberg se aposentasse agora, além de despedir-se no
topo, deixaria uma obra de musculatura robusta e fina integração estética e
temática. Ainda que capitaneada por esses dois filmes distanciados por quase
duas décadas. É um feito que poucos cineastas, principalmente se considerarmos
a opção por um cinema de burilação estética, são capazes de ostentar.
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