domingo, 19 de maio de 2013

Euro & Travelling


Vinterberg, o terrível

Com 29 anos ele causou em Cannes. Sob o signo de uma estreia arrebatadora na direção de longas-metragens para cinema – com o intenso e perturbador Festa de família (1998), o dinamarquês Thomas Vinterberg parecia ter para si um caminho glorioso, mas não foi o que se verificou. As expectativas não foram cumpridas e o cineasta se viu sob o hostil território das promessas que não vingaram.
Foi no ano passado, também em Cannes, que Vinterberg fez as pazes com a crítica internacional ao apresentar o não menos intenso e perturbador A caça. O diretor não deixou por menos e rebateu as afirmações de que seu cinema estava em uma maré baixa. “Gosto de todos os meus filmes”, disse o dinamarquês em entrevista coletiva em Cannes. “Não mudaria nada. Um ou outro pode ter tido uma resposta melhor da crítica, mas são todos meus filhos”, metaforizou Vinterberg.
A verdade é que o diretor sofreu um pouco por ter sido o único que levou a ferro e fogo os fundamentos do Dogma 95, movimento que fundou juntamente com Lars Von Trier, em face de um cinema mais naturalista, menos intervencionista por parte da realização. Mas não foi o dogma 95 que o recrudesceu. Filmes como Dogma do amor (2003), Querida Wendy (2004) e Quando um homem volta para casa (2007) preservam o despudor temático de Vinterberg, mas as narrativas são frouxas e perdulárias. Em O submarino, sobre dois irmãos assombrados por chagas passadas que se reencontram no funeral da mãe, o diretor já dava sinais de uma reconsolidação de seu cinema em sua articulação estética e propósito narrativo. A confirmação veio com A caça, filme que tem um ponto de partida dos mais interessantes: relativizar o conceito de inocência que temos incauto em uma criança. A partir de uma falsa acusação de pedofilia, e da análise ensimesmada de todo o circo que dela deriva, Vinterberg propõe, ainda que inconscientemente, um diálogo prolífero com seu filme até então mais famoso: Festa de família. Com a pedofilia como parâmetro, ele opõe o alcance devastador de traumas no foro íntimo e também na coletividade.
Se Vinterberg se aposentasse agora, além de despedir-se no topo, deixaria uma obra de musculatura robusta e fina integração estética e temática. Ainda que capitaneada por esses dois filmes distanciados por quase duas décadas. É um feito que poucos cineastas, principalmente se considerarmos a opção por um cinema de burilação estética, são capazes de ostentar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário