segunda-feira, 27 de maio de 2013

Análise da 66ª edição do Festival de Cannes

O cartaz internacional do vencedor da
Palma de Ouro
Nos últimos 20 anos, crítica e júri só concordaram quatro vezes na escolha do grande filme em competição pela Palma de Ouro. Em 2001, com O quarto do filho, em 2004 com Fahrenheit 9/11, em 2007 com Quatro meses, três semanas e dois dias, e em 2009 com A fita branca. Em pelo menos duas dessas concordâncias é possível notar forte apelo político no contexto específico da época. Em 2004, sob o apogeu da era Bush, presidente americano muito contestado internacionalmente, o júri presidido pelo cineasta americano Quentin Tarantino decidiu premiar em ato claramente político o documentário oposicionista de Michael Moore. O prêmio da crítica internacional, FIPRESCI, também. Em 2007, o foco era o aborto no drama romeno que revelou o cineasta Christian Mungiu. Em 2013 há, novamente, convergências nos prêmios do júri e da crítica com La Vie d`Adèle, filme sobre a descoberta da identidade (e sexualidade) por uma jovem. O filme, adaptado da graphic novel "Le bleu est une couleur chaude", de Julie Maroh, mesmerizou Cannes em virtude das cenas longas e francas de sexo explícito entre as jovens atrizes Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos, a quem o júri referendou como realizadoras ao lado do diretor franco-tunisiano Abdllatif Kechiche quando do anúncio da vitória na mostra competitiva do festival. Há um indesviável paralelo político com a situação atual que atravessa a França, em particular, e o mundo de maneira geral, sobre a legalização do casamento homossexual. Steven Spielberg, presidente do júri, até brincou. “No filme não há casamento”, mas não dissipou a forte conotação política que paira sobre a escolha. No domingo da premiação, Paris foi tomada por manifestantes contrários à lei sancionada pelo presidente francês François Hollande que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo.  
Atribuir o prêmio ao filme apenas a um posicionamento político de um movimento artístico francamente liberal como o cinema, e de um festival como Cannes como seu elemento catalisador, é pueril. Ainda que fundamentalmente verdadeiro. Principalmente se tomarmos Steven Spielberg, presidente do júri, como parâmetro. Geralmente, o presidente guia as escolhas, mas havia personalidades bastante enrijecidas no júri como os cineastas Lynne Ramsay – que recentemente abandonou o set de Jane got a gun sem qualquer explicação e o romeno Christian Mungiu sempre monossilábico e com posições bastante fortes quanto a sua visão de cinema. Esse choque talvez explique porque um filme como Inside Llewyn Davis, dos judeus (assim como Spielberg) Coen – o mais aplaudido do festival – acabou com o Grande Prêmio do Júri (o segundo lugar na competição). Figuras persuasivas como o cineasta Ang Lee e o ator Chistoph Waltz devem ter oxigenado os debates nada fáceis para apreciação de uma disputa que credenciou seis ou sete produções à Palma de Ouro. O vencedor entre elas. É justamente aí que surge o componente político. É irresistível crer que a atual conjuntura sócio cultural a respeito da união homossexual não tenha sido um critério – ainda que silencioso – a pautar a decisão do júri. Steven Spielberg é um diretor de filmes pudicos – só rodou uma cena de sexo em toda a sua carreira (no filme Munique). Difícil crer que, por essas e outras razões, La Vie d´Adèle tenha sido sua escolha primária. Parece mais resultado de debate e negociação.
Em um ano em que Cannes flexibilizou-se ao máximo buscando filmes que se debruçavam imperiosamente sobre a natureza sexual – desde filmes como o violento e estilizado Only God forgives na mostra competitiva, que tem uma mãe que apalpa o pênis dos filhos, a L´inconnu du lac, na mostra Um certo olhar, sobre sexo entre homens em uma praia naturalista, o vencedor da mostra competitiva funde sexo e política constituindo uma espiral de relevância ao festival que extrapola o contexto cinematográfico. 
Os realizadores de La Vie d´Adèle diplomados: o filme já tem distribuição garantida no Brasil pela Imovision

A crítica internacional, de maneira geral, recebeu bem a escolha. A crítica italiana, em particular, mostrou-se descontente com a ausência de La grande belezza, de Paolo Sorrentino entre os premiados. A crítica americana saudou a boa performance dos filmes do país com os prêmios concedidos a Nebraska, melhor ator para Bruce Dern, e Inside Llewyn Davis. O júbilo definitivo, no entanto, é francês. É a segunda vitória do país em cinco anos. Um feito que o país não alcançava desde os primórdios do festival – quando a competição era bem menos ferrenha. Em uma edição com forte pulso político, todos os continentes concorrentes foram lembrados. Melhor para o México, que assegura pelo segundo ano seguido o prêmio de melhor diretor. Este ano foi para Amat Escalante por Heli, único premiado que não figurou entre as unanimidades do festival, mas confirma a tendência já apontada por Claquete em outros artigos que reside no cinema latino-americano a criatividade em termos de linguagem e estética que o cinema internacional busca globalizar .

Um comentário:

  1. Ótimo balanço, Reinaldo. Estou muito curiosa em relação a La Vie d`Adèle, mas também a alguns outros premiados esse ano. Vamos torcer que cheguem logo por aqui.

    bjs

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