O cartaz internacional do vencedor da Palma de Ouro |
Nos últimos 20 anos, crítica e júri só concordaram quatro
vezes na escolha do grande filme em competição pela Palma de Ouro. Em 2001, com
O quarto do filho, em 2004 com Fahrenheit 9/11, em 2007 com Quatro meses, três
semanas e dois dias, e em 2009 com A fita branca. Em pelo menos duas dessas
concordâncias é possível notar forte apelo político no contexto específico da
época. Em 2004, sob o apogeu da era Bush, presidente americano muito contestado
internacionalmente, o júri presidido pelo cineasta americano Quentin Tarantino
decidiu premiar em ato claramente político o documentário oposicionista de
Michael Moore. O prêmio da crítica internacional, FIPRESCI, também. Em 2007, o
foco era o aborto no drama romeno que revelou o cineasta Christian Mungiu. Em
2013 há, novamente, convergências nos prêmios do júri e da crítica com La Vie d`Adèle, filme sobre a
descoberta da identidade (e sexualidade) por uma jovem. O filme, adaptado da
graphic novel "Le bleu est une couleur chaude", de Julie Maroh, mesmerizou Cannes
em virtude das cenas longas e francas de sexo explícito entre as jovens atrizes
Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos, a quem o júri referendou como realizadoras
ao lado do diretor franco-tunisiano Abdllatif Kechiche quando do anúncio da
vitória na mostra competitiva do festival. Há um indesviável paralelo político
com a situação atual que atravessa a França, em particular, e o mundo de
maneira geral, sobre a legalização do casamento homossexual. Steven Spielberg,
presidente do júri, até brincou. “No filme não há casamento”, mas não dissipou
a forte conotação política que paira sobre a escolha. No domingo da premiação,
Paris foi tomada por manifestantes contrários à lei sancionada pelo presidente
francês François Hollande que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
Atribuir o prêmio ao filme apenas a um posicionamento
político de um movimento artístico francamente liberal como o cinema, e de um
festival como Cannes como seu elemento catalisador, é pueril.
Ainda que fundamentalmente verdadeiro. Principalmente se tomarmos Steven
Spielberg, presidente do júri, como parâmetro. Geralmente, o presidente guia as
escolhas, mas havia personalidades bastante enrijecidas no júri como os
cineastas Lynne Ramsay – que recentemente abandonou o set de Jane got a gun sem
qualquer explicação e o romeno Christian Mungiu sempre monossilábico e com
posições bastante fortes quanto a sua visão de cinema. Esse choque talvez
explique porque um filme como Inside Llewyn Davis, dos judeus (assim como Spielberg)
Coen – o mais aplaudido do festival – acabou com o Grande Prêmio do Júri (o
segundo lugar na competição). Figuras persuasivas como o cineasta Ang Lee e o
ator Chistoph Waltz devem ter oxigenado os debates nada fáceis para apreciação
de uma disputa que credenciou seis ou sete produções à Palma de Ouro. O
vencedor entre elas. É justamente aí que surge o componente político. É
irresistível crer que a atual conjuntura sócio cultural a respeito da união
homossexual não tenha sido um critério – ainda que silencioso – a pautar a
decisão do júri. Steven Spielberg é um diretor de filmes pudicos – só rodou uma
cena de sexo em toda a sua carreira (no filme Munique). Difícil crer que, por
essas e outras razões, La Vie d´Adèle tenha sido sua escolha primária. Parece mais resultado
de debate e negociação.
Em um ano em
que Cannes flexibilizou-se ao máximo buscando filmes que se
debruçavam imperiosamente sobre a natureza sexual – desde filmes como o
violento e estilizado Only God forgives na mostra competitiva, que tem uma mãe
que apalpa o pênis dos filhos, a L´inconnu du lac, na mostra Um
certo olhar, sobre sexo entre homens em uma praia naturalista, o vencedor da
mostra competitiva funde sexo e política constituindo uma espiral de relevância
ao festival que extrapola o contexto cinematográfico.
Os realizadores de La Vie d´Adèle diplomados: o filme já tem distribuição garantida no Brasil pela Imovision
A crítica internacional, de maneira geral, recebeu bem a escolha.
A crítica italiana, em particular, mostrou-se descontente com a ausência de La
grande belezza, de Paolo Sorrentino entre os premiados. A crítica americana
saudou a boa performance dos filmes do país com os prêmios concedidos a
Nebraska, melhor ator para Bruce Dern, e Inside Llewyn Davis. O júbilo
definitivo, no entanto, é francês. É a segunda vitória do país em cinco anos.
Um feito que o país não alcançava desde os primórdios do festival – quando a
competição era bem menos ferrenha. Em uma edição com forte pulso político,
todos os continentes concorrentes foram lembrados. Melhor para o México, que
assegura pelo segundo ano seguido o prêmio de melhor diretor. Este ano foi para
Amat Escalante por Heli, único premiado que não figurou entre as unanimidades
do festival, mas confirma a tendência já apontada por Claquete em outros artigos que reside no cinema latino-americano a criatividade em termos de linguagem e estética que o cinema internacional busca globalizar .
Ótimo balanço, Reinaldo. Estou muito curiosa em relação a La Vie d`Adèle, mas também a alguns outros premiados esse ano. Vamos torcer que cheguem logo por aqui.
ResponderExcluirbjs