quinta-feira, 2 de maio de 2013

Crítica - A caça


Frenesi de perversidade

A caça (Jagten, DIN 2012) não é um filme sobre pedofilia, ainda que remeta a esse aterrador universo e seja ventilado por ele constantemente. O novo, denso e frequentemente impactante filme de Thomas Vinterberg é um estudo, deverás ruidoso, da perversidade humana em múltiplas formas. Desde a mais remota e ligeira vergonha até a incivilizada propensão infantil à crueldade, passando pela boçalidade dos adultos e culminando na complacência com que certas articulações humanas são conduzidas.
Amparando-se quase que completamente nos cânones do movimento dogma 95 que ajudou a constituir, a preocupação no uso da luz natural e a trilha sonora restrita ao ambiente em que se desenrola a ação são características marcantes em A caça, Vinterberg tece uma trama assustadora sobre os efeitos de uma mentira mal contada e ainda pior verificada.
Lucas (Mads Mikkelsen) é um homem de 42 anos extremamente tímido, divorciado, com um filho que a ex-esposa lhe dificulta o acesso, e que trabalha como professor em uma escola do jardim de infância em um vilarejo qualquer dinamarquês. A composição de Mikkelsen favorece a percepção de que se trata de um homem frustrado, mas também conformado com sua rudeza e simplicidade, que enxerga no hábito de caçar – cultivado junto de amigos bonachões – um sentido maior que a realidade impõe. Ajuda essa ambientação do personagem, a aproximação de Nadja (Alexandra Rapaport), estrangeira que trabalha na escolinha e manifesta interesse por Lucas. Ele se comporta como uma presa hesitante e Nadja como uma caçadora convicta.

Mikkelsen em uma das cenas mais fortes de A caça, feito presa e tolerante a humilhação, Lucas não tarda a perceber que sua vida mudou para sempre


Lucas é amigo próximo de Theo (Thomas Bo Larssen), ao ponto de contar com sua confiança para levar ou trazer Klara (Annika Wedderkopp) à escola. Klara, de apenas cinco anos, é muito suscetível à instabilidade de sua vida familiar e isso é algo que Vinterberg cristaliza com propriedade na primeira meia hora de filme. Nessa conjuntura e carente de atenção, é natural que se volte para Lucas – sempre atencioso e paternal. Um belo dia, a menina tasca-lhe um beijo na boca e lhe oferta uma cartinha carinhosa. Lucas lhe repreende, ainda que o faça com carinho, e provoca em Klara um temor por aquela rejeição. Horas depois a menina conta uma história francamente insustentável – se uma mínima e séria investigação preliminar fosse conduzida – indicando Lucas como um agressor sexual. A diretora da escolinha, personagem displicente em sua atividade, acolhe com o esperado choque o relato da menina sem grandes questionamentos e um circo, ou uma caça, em que Lucas se torna a principal atração, ou presa, está armado.  
O que interessa a Vinterberg, em termos primários, é a total falta de interesse na investigação mais aprofundada da acusação. “Por mais que se tenha imaginação fértil, uma criança não inventaria uma coisa dessas”, diz a diretora da escolinha a certa altura a outro personagem sobre o depoimento de Klara – inconsistente, mas gráfico no que precisaria ser. É desse choque de expectativas do que se espera (de uma criança, de uma sociedade e até mesmo de Lucas) e o que de fato se desenvolve, que A caça se articula enquanto proposta dramática.

Perversidade pontual e perversidade generalizada: a crueldade de Klara não necessariamente é a mais acachapante de A caça

Vinterberg quer mostrar que, quando lhe é dada a chance, a sociedade (enquanto grupo organizado) apressa-se em primitivizar-se. E sublinha seu comentário ao mostrar que submetido a lei (principal instrumento civilizatório em uma sociedade) – aqui coadjuvante na arquitetura dramática do filme - Lucas é inocentado sem grandes questionamentos.
A retumbante cena final, no entanto, demonstra que o lado primitivo nos homens, uma vez provocado, resiste alerta e ameaçador.

5 comentários:

  1. Perfeito, Reinaldo. É impressionante como Vinterberg nos mostra o quão inconstante e ridícula é aquela acusação, tanto que ele é facilmente inocentado no tribunal. Mas, o instinto daquela sociedade não parecia mesmo interessado em saber a verdade, mas sim, em extravasar suas emoções mais primitivas.

    bjs

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  2. Ahhh, quero muito MESMO assistir a este filme. Ainda não tive a oportunidade. Leio/ouço só elogios deste "A Caça". De Vinterberg, só espero o melhor =]

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  3. Tenho lido os melhores elogios sobre "A Caça", filme que quero muito assistir, mas ainda não estreou na minha cidade. Conheço pouco do cinema de Thomas Vinterberg, mas, como seu texto bem atesta, essa obra é imperdível.

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    1. http://filmesonlinetocadoscinefilosvideos.blogspot.com.br/2013/07/a-caca-2012-direcao-thomas-vinterberg.html

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  4. Amanda: Um emoticon feliz pra vc! rsrs
    Bjs

    Elton: Estará na sua lista de melhores do ano! #apostasegura

    Kamila: Imperdível mesmo Ka.
    Bjs

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