quarta-feira, 29 de maio de 2013

Crítica - Amor profundo

As palavras parecem não estar lá!

Amor profundo (The deep blue sea, ING 2011), baseado na peça de Terence Rattigan, abre com uma mal sucedida tentativa de suicídio da protagonista Helster Collyer (Rachel Weisz) ao som das palavras que ela deixou escritas para o amante Freddie Page (Tom Hiddleston). Logo nos primeiros minutos, o filme – escrito e dirigido por Terence Davies – deixa claro que trata das angústias que movem a existência e confluem para o abrigo do amor – idealização romântica das impossibilidades tangenciadas na possibilidade da plenitude, do bem estar, da felicidade.
Davies pronuncia-se por meio de uma narrativa heterodoxa em matéria de cinema. Com fotografia granulada, flashbacks que se confundem com devaneios dos personagens, elipses, alinearidade, muitos silêncios e closes em seus atores, além da presença constante da música - em tons graves - a ditar o estado de espírito dos personagens.
Amor profundo reverbera o destempero do amor exacerbado. Hester, casada com um proeminente juiz na Inglaterra dos anos 50, se enamora do piloto de avião veterano da 2ª guerra mundial Freddie. O amor deles é apresentado à audiência em memórias gravitadas pela nostalgia melancólica de Hester. Ela, mesmo depois de deixar o marido e na companhia do homem que ama, não consegue desvencilhar-se daquele mal estar da alma de quem não sabe exatamente do que padece. Ela postula que ama Freddie mais do que ele ama a ela. Ele não aceita a responsabilidade pela tentativa de suicídio. O marido (Simon Russell Beale), que nutre um amor menos carnal e mais fraterno por Hester (um comentário estabelecido a partir do momento em que se testemunha seu zelo com a mãe a descobrir-se traído pela esposa), mantém-se devotado a Hester em reveladora descompostura sentimental. Em uma das cenas mais eloquentes do filme, que com seus silêncios transforma-se em experiência mais sensorial, Hester devolve ao marido que insinua sua relação com Freddie ser fruto de luxúria: “Luxúria não é a plenitude na vida, mas Freddie é, para mim. Plenitude na vida. E na morte. Ponha um rótulo nisso, se for capaz”.

Hester e um reflexo que não lhe traz paz, mas aflição: a interpretação de Rachel Weisz é certeira na inflexão que faz da personalidade depressiva

A paixão pode ser letal se vivida em toda a sua intensidade, mas não é isso que advoga esse filme de beleza rara e olhar complexo sobre a agudeza de uma depressão. Amor profundo enxerga a beleza do fracasso romântico. Do desequilíbrio proveniente do choque entre as expectativas e a memória. Entre a paixão e a convivência – e algumas cenas que emulam a diferença cultural entre Hester e Freddie são providenciais nesse sentido.
Amor profundo não seria o filme que é sem um trio de atores capazes de erguer a difícil missão de preencher o emaranhado emocional desses personagens em um filme que se reveste ainda mais de complexidade. Rachel Weisz, indicada ao Globo de Ouro deste ano pelo papel, calibra sua Hester de todo o estofo dramático dos depressivos. Sua atuação é pontual no retrato que faz de uma pessoa refém de seus sentimentos difusos e contraditórios. Hiddleston, por sua vez, confere humanidade a um personagem que nunca pode se ler de todo. Já Beale confere dignidade a um personagem talhado pelo texto de Rattigan para ser bobo, ingênuo.
Amor profundo não é um filme fácil. De começo, em sua carta de suicídio, a própria Hester admite: as palavras parecem não estar lá. É um filme para se sentir!

2 comentários:

  1. Parabéns pela crítica! Este filme é realmente para ser sentido!

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  2. Obrigado, fico feliz que tenha gostado da crítica.

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