Judeus, guerra, Iraque, alienígenas, ficção científica, crise econômica, relacionamentos amorosos, Tarantino, George Clooney, James Cameron, 3D, mulheres e audiência. Essas são as palavras chaves para definir os filmes selecionados para a disputa de melhor filme. O escopo, esse ano, é maior; uma vez que são 10, os indicados a melhor filme. É inegável que a academia sempre elabora um comentário sobre o estado das coisas na sociedade com o anuncio dos principais filmes concorrentes ao Oscar. Pelo menos a critica em geral, e a americana em particular, enxerga essa disposição todos os anos. Assim como a escolha do vencedor nunca se dá puramente por méritos artísticos. O melhor filme no Oscar é fruto de uma combinação de interjeição política e social, campanha de marketing assídua, baixo índice de rejeição e, sim, qualidade artística.
De ano para ano, varia o grau de influência de um desses fatores. Mas invariavelmente, a escolha do melhor filme do ano se dá em virtude da combinação desses aspectos.
Depois de Bush e de Obama...
Os favoritos do ano são Avatar, um mega sucesso de bilheteria que acena com uma tecnologia capaz de fazer os estúdios de cinema faturarem mais, pelo menos no curto prazo, e Guerra ao terror, um filme sobre a guerra do Iraque (algo ainda presente no contexto socioeconômico americano) apolítico, o primeiro filme de guerra com essa característica em anos.
Em 2007 e 2008, os dois últimos anos da era Bush, filmes com visões e perspectivas pessimistas da América (Os infiltrados e Onde os fracos não têm vez) venceram. Em 2009, na euforia da era Obama, um filme com um traço de globalização e com uma mensagem de redenção e esperança (Quem quer ser um milionário?) triunfou. Esse ano, com Obama com um índice de popularidade não mais do que satisfatório, com uma guerra no Afeganistão cada vez maior, e a do Iraque ainda longe de um desfecho, parece oportuno revisitar a guerra sem tomar partidos. Entender a fissura que a mesma causa na nossa humanidade parece oportuno. Tanto Avatar, em um viés mais fantasioso, quanto Guerra ao terror, abraçando a realidade sem pudores, se prestam a esse serviço.
Cena de Guerra ao terror: A guerra do Iraque ainda não acabou, mas o foco do cinema sobre ela mudou
Mas as semelhanças acabam aí. Os dois filmes se situam diametralmente opostos no que toca o modelo de produção cinematográfica. Também diferem quanto ao público ao qual se destinam. Avatar é o filme mais caro e de maior bilheteria da história do cinema e busca um público predominantemente jovem e entusiasta de tecnologia. Guerra ao terror é um filme barato, que sofreu para conseguir distribuição e que quase ninguém viu. Ambos mimetizam o alcance do cinema e o que o mesmo significa nesse século XXI. Não que premiar um em detrimento do outro seja uma sentença de morte de um modelo de produção (caso Avatar seja o vencedor) ou preconceito com o entretenimento para as massas (caso Guerra ao terror seja o vencedor). Mas inadvertidamente essas questões estão atreladas a decisão da academia. E é bom que estejam. É, afinal de contas, equilibrando-se entre os sucessos comerciais, os dramas independentes, os filmes de atores, os roteiros sensacionais e as inovações tecnológicas que o Oscar ajuda a dimensionar o cinema no passar dos anos.
Anúncio de Avatar na campanha para angariar indicações ao Oscar: o 3D busca o aval da academia
Educação, Um homem sério e mais compulsoriamente Bastardos inglórios, trazem em seu âmago elementos que abordam o judaísmo e seu espaço-tempo de forma bastante elaborada. O Oscar, talvez por que Hollywood e o cinema em uma escala mais ampla sejam um negócio bem judeu, sempre conferiu destaque a filmes que se dedicassem ao jew living status. Esse ano, os três filmes que iluminam o universo judeu são de uma eloquência ímpar. Em Educação há o breve, e subliminar elemento anti-semita, algo que assim como ocorre no filme, ocorre na vida. O anti-semitismo nunca é declarado. Um homem sério foca a comunidade judaica. Suas idiossincrasias e reminiscências. Em Bastardos inglórios, Tarantino oferece uma catarse judaica como nunca se vira antes. E se tirássemos os escalpos dos nazistas? Se espalhássemos o terror entre eles como eles fizeram conosco? Se matássemos Hitler em um cinema?
Os judeus e seus anseios nunca foram tão bem assistidos pela academia.
O amor, a audiência e o gênero maldito
E o Oscar precisa fazer as pazes com a audiência. Nos últimos 20 anos, as cerimônias que mais tiveram audiência foram as de 1998 e 2004. Não por coincidência os anos dos triunfos de dois blockbusters. Titanic e O senhor dos anéis: o retorno do rei respectivamente. Essa é a única razão de filmes como Avatar e Um sonho possível estarem entre os indicados a melhor filme. Atrair a atenção do espectador comum para a cerimônia.
Por outro lado a academia reconheceu a excelência de um gênero sempre preterido, a ficção cientifica. Distrito 9, uma poderosa parábola sobre preconceito, e Avatar. A maturação do amor, o mais nobre e dolorido dos sentimentos, também chama atenção nos selecionados desse ano. Amor sem escalas e Educação tratam do tema com sobriedade e sofisticação.
Os dez filmes do Oscar desse ano significam muita coisa. Indelével, no entanto, é que com cinco fica mais fácil saber o que a academia quer dizer. O discurso não se dilui. Assim como a qualidade dos indicados.