sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Crítica - Disparos


Tensões urbanas

Juliana Reis, diretora de Disparos (Brasil 2012), disse em uma entrevista recente que ajoelha e reza para David Mamet, dramaturgo e cineasta americano, de quem admite influência no ofício de roteirista. Essa influência pode ser sutilmente observada no alinhamento dos conflitos de seu longa de estreia.
Interessa mais uma análise mais aprofundada do tema que enseja, do que a desconstrução de personagens que nunca avançam à superfície. É uma proposta corajosa, se observada junto a outras opções da diretora que tem na elaborada edição o oxigênio de um filme que pulsa um debate complexo sobre violência e tensões urbanas.
Disparos é fruto de um caso verídico que aconteceu com um conhecido da diretora e poderia ganhar ares de ensaio social na mão de um cineasta mais metido a sociólogo (e são muitos no Brasil), mas Juliana Reis percebe o potencial cinematográfico da trama e investe em um suspense com grande vigor estético. Talvez seja essa a grande sensação de seu filme. Ensejar um debate social, mas não se prender a ele. Ofertando a sua audiência um thriller policial inusitado e com ritmo crescente de tensão, embora muito pouco de fato aconteça após a apresentação do conflito central. Mas também não precisaria. O conflito central abastece todo um questionamento paradoxal que parece alimentar as grandes cidades do mundo moderno. O fotógrafo Henrique (Gustavo Machado) é vítima de um assalto e, em um piscar de olhos, se configura no sujeito que negou socorro a uma vítima de atropelamento. Isso porque o motorista de uma caminhonete branca jogou o carro contra os assaltantes (o segundo fugiu machucado) pelo que Henrique classificou de “solidariedade humana”. Juliana Reis quer mais do que relativizar o papel de vítima e, para isso, investe em uma tensa dinâmica entre o cínico inspetor Freire (bela composição de Caco Ciocler) e Henrique. Ela intenciona discutir o alcance e impacto das tensões urbanas e, nesse contexto, a montagem afere ainda mais relevo ao desenho proposto pelo texto de Reis.

Sem heróis e sem vilões: debate ensejado por Disparos, e cristalizado na dinâmica entre o policial vivido por Ciocler e o fotógrafo interpretado por Machado, vai além dos rótulos


Assim como a atuação de Ciocler. Ele encorpa muitíssimo bem alguns dos clichês que rondam a força policial, especialmente no Brasil. No entanto, o ator humaniza seu policial demonstrando que a “falta de seriedade” dele nada mais é do que um artifício desestabilizador para fazer (bem) seu trabalho. Reis tão pouco se interessa em vitimizar Henrique, sujeito pouco simpático e que se sente confortável no papel de vítima (se anuncia como tal inúmeras vezes no decorrer do filme). São construções que acrescem à complexidade que Disparos dispara com seu argumento, mas que não se incumbe de contemporizar. As duas últimas cenas, uma já no decorrer dos créditos, emergem não como falso moralismo, mas como alerta de que nossa sociedade não comporta mais tão facilmente o esquadrinhamento convencional de vítimas e algozes. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Especial Argo - Crítica



Argofucking good
Cotadíssimo para o Oscar, terceiro longa-metragem de Ben Affleck como diretor é o que se chama "fine storytelling". Ótimo elenco, destreza técnica, roteiro esperto e direção segura garantem o entretenimento


Paródia de Hollywood, frisson documental, thriller de espionagem setentista, suspense de colocar o coração na boca e drama bem adornado. Argo (EUA 2012) é tudo isso e mais um pouco. O terceiro longa-metragem de Ben Affleck é um triunfo de narrativa e de clima. Affleck conduz sua história com desenvoltura ímpar e sem sobrepor as diferentes, e para muitos conflitantes, facetas de sua história. Esse equilíbrio, arrojado na forma como se estabelece e simples na maneira como se anuncia, é prova contundente dos cada vez mais vistosos predicados de Affleck como diretor.
Argo começa com Affleck recorrendo à animação para contextualizar o espectador da geopolítica internacional nos idos dos anos 70, com especial atenção ao desenvolvimento político do Irã. Daí, ele parte para uma reprodução, extremamente acurada ao ponto de se confundirem as imagens da época com aquelas ensejadas pelo cineasta, da tomada da embaixada americana pelos revolucionários iranianos em 1979. Depois Affleck centra a ação na elaboração do plano pela CIA para resgatar os seis diplomatas que escaparam da embaixada americana e se refugiaram na casa do embaixador canadense. É aí que entra o personagem de Affleck, Tony Mendez, um agente da CIA especializado em exfiltração e seu plano (“o melhor plano ruim”, como um personagem define) de bancar um filme falso para conseguir repatriar os diplomatas em fuga. O terceiro ato do filme se concentra na execução do plano propriamente dito e é quando o diretor atinge tons maiores de suspense, mesmo com a plateia sabendo de antemão o desfecho dessa história.

Affleck e Cranston em cena: Cia e Hollywood no centro do picadeiro... 

Essa pequena ópera de humores e tons faz com que Argo seja um filme inteligente em suas opções, como elenco afiado e a ironia como mesura da ação, e climático. Affleck vai do drama à comédia mais cafajeste em um piscar de olhos sem permitir que o ritmo do filme sofra oscilações. Um mérito que precisa ser compartilhado com o bom roteiro, de Chris Terrio e a edição, do sempre competente William Goldenberg, cujos créditos incluem O informante e Medo da verdade (primeiro longa de Affleck).
Como ator, Affleck mais uma vez dá mostras de seu amadurecimento. Discreto e sóbrio, evita chamar atenção para si, mas preserva um aspecto de exaustão e pesar que de alguma maneira parece aumentar ao longo da fita. Uma composição notável e muito mais efetiva dentro da lógica da trama do que pode parecer. Outros coadjuvantes de destaque são John Goodman e Alan Arkin, essenciais para a adequação do ritmo de Argo enquanto proposta cinematográfica, e Bryan Cranston – um ímã para os olhos como o chefe de Mendez.
Argo é daqueles filmes que fazem pulsar a cinefilia. Bem realizado e inventivo, sabe ser pop e tem vocação para cult. O Oscar, tão comentado para Argo, nessa conjuntura é só um detalhe.

Em off


Nesta edição de Em off, os indicados ao Spirit Awards; a novela do reencontro de Scorsese e De Niro; a boa perspectiva de Matthew Vaughn à frente de Star Wars; a confissão de Quentin Tarantino e o anúncio de uma parceria promissora.

Agora sai! Será?
Há pelos menos três anos circula em Hollywood um projeto que reuniria Robert De Niro e Martin Scorsese. Trata-se de The irishman, agora rebatizado de I heard you paint houses (o nome original era melhor). Baseado no livro de Charles Brandt, o ambiente mafioso é palco para as circunstâncias do assassinato de Jimmy Hoffa, já encenado em Hollywood antes. O projeto já esteve mais ativo e já foi pensado como uma antologia nos moldes de Kill Bill. Jack Nicholson já esteve atrelado, além de Al Pacino. Pacino continua vinculado à produção e Joe Pesci deve substituir Nicholson. De Niro, recentemente, deu o ultimato: “Se não fizermos nos próximos dois anos, não sai mais”, disse ao site Comingsoon. No entanto, além do envolvimento em The woof of wall street, atualmente em fase de gravação, Scorsese tem Sinatra, a bio de você sabe quem, na fila.

Os indicados ao Spirit awards
Saíram os indicados ao Spirit Awards, premiação do cinema independente americano que nos últimos anos ganhou bastante prestígio por antecipar alguns dos nomes fortes do Oscar. Os prêmios são entregues na véspera da cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Com poucos filmes independentes gerando buzz em 2012, na contramão do verificado nos últimos anos, duas produções consolidaram franca vantagen no Spirit Awards: Moonrise Kingdom, de Wes Anderson, com quatro indicações e O lado bom da vida, de David O. Russell, com cinco indicações. Ambos concorrem nas categorias de filme, direção e roteiro e enquanto o primeiro rendeu nomeação para Bruce Willis como ator coadjuvante, o segundo rendeu a Bradley Cooper e Jennifer Lawrence nomeações nas principais categorias de atuação. Outros filmes que concorrem a melhor produção independente do ano são Keep the lights on, que a revista Cahiers du Cinema já havia mencionado como um dos melhores de 2012, Bernie e Indomável sonhadora – outro filme bastante comentado para o próximo Oscar.

Bradley Cooper e Jennifer Lawrence em O lado bom da vida: a corrida pelo Oscar para eles já começou...

All about McConaughey
Se tem alguém que está rindo à toa é Matthew McConaughey. Que ele teve um belo de um 2012 ninguém duvida, mas a dupla presença no Spirit Awards – foi indicado como coadjuvante por Magic Mike e como ator em Killer Joe – mostra que o ano ajudou a mudar a percepção que muitos têm dele. Ele representa a única indicação de ambos os filmes em uma clara demonstração de que foi percebido como o melhor que esses longas têm a oferecer. É uma senhora conquista para quem até bem pouco tempo atrás só era lembrado por seu belo tórax.

McConaughey em cena de Killer Joe: mal em cena e bom na tela...


Candidaturas para se observar...
Alguns nomes da lista do Spirit Awards merecem atenção, pois devem ganhar fôlego nas próximas semanas na briga por uma vaga no Oscar. Além das já tidas como oscarizáveis Jennifer Lawrence (O lado bom da vida) e Quvenzhane Wallis (Indomável sonhadora), a também jovem Mary Elizabeth Winstead (Smashed) é um nome que deve ganhar força nas próximas semanas. Entre os atores, John Hawkes (As sessões) merece atenção na categoria principal e Sam Rockwell (7 psychopaths) e Michael Pena (Marcados para morrer), na corrida por ator coadjuvante, merecem atenção. Helen Hunt (As sessões) e Rosemarie DeWitt (Your sister´s sister) também estão sólidas na disputa por uma vaga no Oscar.  


Por que Matthew Vaughn no reboot de Star Wars é uma boa ideia?
O futuro vai permitir uma análise mais criteriosa e embasada, mas Matthew Vaughn, ao que parece, excede os boatos e é forte candidato a dirigir o sétimo episódio de Star Wars; o primeiro sob o jugo da Disney.
Há algumas semanas, Vaughn se desligou da pré-produção de X-men: dias de um futuro esquecido por razões ainda não esclarecidas além das fatídicas diferenças criativas. Depois da saraivada de negações de diretores de toda a sorte, de Spielberg a Brad Bird, Vaughn foi um dos poucos a não se manifestar veementemente sobre a direção de Star Wars. Para completar, um amigo pessoal do diretor, o ator Jason Flemyng andou falando mais do que deveria (e de forma empolgada) nessa semana e fez com que o nome de Vaughn ficasse mais quente do que nunca. O nome de Vaughn é bom porque ele já mostrou capacidade, com a franquia X-men, de pegar uma série clássica e estabelecida e remodelá-la preservando seus principais aspectos. O know how como produtor, a ascendência nerd e veia pop são outros predicados que faltam a muitos outros nomes ventilados para assumir Star Wars.

O pior Tarantino por Tarantino
Em entrevista à revista Hollywood Reporter, o cineasta Quentin Taratino afirmou que “À prova de morte” é disparado o seu pior filme. “De qualquer ângulo que se observe, é muito claro que se trata de meu pior filme”, disse um extrovertido e conformado Tarantino.

Será que foi o fato do Kurt Russell estar canastrão demais no filme, Quentin?


O novo passo de Clooney
Pouca gente sabe, mas George Clooney é um dos principais produtores do elogiadíssimo Argo. Não que Clooney precisasse desse crédito. Mas ele sacou de Argo, o roteirista Chris Terrio para um de seus próximos projetos como ator (e produtor). Não obstante chamou Paul Greengrass (Zona verde e O ultimato Bourne) para dirigir. O filme que abordará os sindicatos do crime em Nova Iorque ainda não tem título, mas segundo a Variety, a produção da Sony Pictures ( a mesma de Tudo pelo poder) deve começar a ser gravada em 2013.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um olhar sobre a escolha da Cahiers du Cinema dos dez melhores filmes de 2012




A prestigiada revista de cinema francesa divulgou sua lista dos melhores lançamentos do ano na última semana. Uma lista, como era de se esperar, com forte predominância da veia autoral e com a presença de alguns nomes festejados pela publicação, como o caso de Abel Ferrara (com dois longas incluídos), David Cronenberg, Francis Ford Coppola e Alexandre Sokourov. Outra percepção bastante forte é a renovada força dos americanos junto à Cahiers du Cinema. Desmistificando aquela máxima antiamericana de que nos EUA só se produz, ou se produz melhor, blockbusters massificados. Seis dos dez melhores lançamentos do ano de acordo com a revista foram produzidos ou coproduzidos nos EUA. É uma maioria que não pode ser tomada como pontual ou acidental.
Mas o que a lista em si tem a dizer? A admiração dos críticos franceses pelos autores americanos é de longa data. Está por trás, como se sabe, da formulação da Nouvelle Vague. Quentin Tarantino e seu Django livre ocupam a capa da mais recente edição da revista e a presença de O abrigo, de Jeff Nichols, na sexta posição denota que o interesse por novos cineastas que emergem do panteão independente americano não se afrouxou. Abel Ferrara, o mais estridente dos surgidos nessa seara, ocupa a quarta posição com 4:44 last day on Earth, apocalíptico filme estrelado por Willem Dafoe, e  a sétima com Go Go Tales, filme de 2007 só lançado comercialmente na França em 2012. Ferrara há muito vive de sua fama transgressora eriçada nos idos dos anos 80 e 90 e a Cahiers du Cinema não parece disposta a minimizá-la.
As duas primeiras posições, filmes lançados no último festival de Cannes, carregam idiossincrasias semelhantes. Tanto Cosmópolis, de David Cronenberg, como Holy motors, de Leos Carax são elucubrações sobre os desmandos do consumismo em elaborações diversas. Os filmes comungam de algumas opções estéticas, mas diferem na esquematização dos discursos. São, em última análise, duas manifestações distintas da veia autoral que a revista valoriza. Talvez por ser francês, Carax apareça na primeira posição.

Eva Mendes e Denis Levant em cena de Holy motors, o melhor filme de 2012 para a Cahiers du Cinema


A lista completa com os trailers dos filmes escolhidos pode ser conferida aqui.


Como unidade, a lista da Cahiers du Cinema reflete o obscurantismo do fim do mundo. Filmes pessimistas destacados, alguns versando efetivamente sobre o fim do mundo ou sobre o pressentimento que se tem dele, realçam o pensamento artístico sobre formulações humanas contraditórias. O fim do mundo pode ser uma experiência pessoal, como o fim de uma relação amorosa em Keep the lights on, ou paranoica, como em O abrigo. De certo, a tragédia humana fomenta, na avaliação da Cahiers du Cinema, expressão cinematográfica de grande qualidade.

domingo, 25 de novembro de 2012

Insight

O discurso de Kiarostami 


Ele saiu do Irã para filmar. Mas há quem diga que o Irã não saiu dele. O cinema de Abbas Kiarostami sempre carregou em sua essência o gosto pela contradição, mas de uns tempos para cá o cineasta iraniano – filmando fora do Irã – parece propor uma estética mais esmerada na ambiguidade da curiosidade – dele e da plateia – do que de qualquer outra convenção cinematográfica ou narrativa.
O maior interesse de Kiarostami, no entanto, parece ser traduzir, ou melhor, compreender o mundo e nossa relação com ele. Mas o cineasta não é presunçoso ao ponto de julgar que detém as respostas para os questionamentos que compartilha com seu público.
Nessa vertente se enquadram alguns de seus filmes mais expressivos, como Close up (1990); um dos primeiros híbridos de documentário e ficção a ganhar forma no cinema. No filme, acompanhamos a história de um jovem cinéfilo que se faz passar por seu diretor favorito. Quando a farsa é descoberta, ele é preso e julgado por fraude. Kiarostami obteve autorização para filmar o julgamento que foi parar no filme. Outro exemplo da curiosidade irrefreável do cineasta e de como ela move seu interesse por repercutir o inusitado é Gosto de cereja (1997), filme pelo qual triunfou em Cannes vencendo a Palma de Ouro. Na fita, um homem com seus 50 e poucos anos perambula por Teerã em busca de alguém que possa enterrá-lo depois que ele se suicidar. O filme é um testamento da imaginação de Kiarostami em ofertar em imagens algo difícil de ser dimensionado visualmente. O ritmo do filme se insere como ferramenta narrativa em um movimento que cineastas como Terrence Malick em A árvore da vida tentam reproduzir, mas mal arranham.

Cena de Gosto de cereja: uma busca particular e inusitada que Kiarostami universaliza com seu cinema


Em Dez (2002), por exemplo, Kiarostami reduz ao mínimo sua atuação como realizador ao colocar duas câmeras em um carro e duas pessoas (no corte) conversando durante toda a metragem da fita. Dez foi proibido no Irã por abordar questões como prostituição, o tratamento dispensado às mulheres no país e algumas críticas à religião islâmica. Mesmo assim, a revista Time o elegeu um dos 100 melhores filmes da história. Em Dez, como se todo o mais não bastasse, Kiarostami, por meio de suas opções estéticas, relativiza o domínio do diretor sobre um filme em uma discussão rica, renovável e multifacetada.

A nova fase
No entanto, nada se compara ao que Kiarostami vem produzindo de uns anos para cá. Mais vago nas formulações esquemáticas do roteiro, mais rigoroso nas elaborações estéticas de uma narrativa e menos interessado em traços políticos, o iraniano resolveu dividir a autoria do filme com seu público. Esse talvez seja o grande norte de produções como Cópia fiel (2010) e Um alguém apaixonado (2012). Ambos os filmes compartilham o mesmo DNA em relativizar verdades e simulações. Mas enquanto o primeiro ainda apresenta à plateia os pilares sobre os quais ela irá duvidar, o segundo permite que até mesmo esses pilares sejam apresentados pelo público. São filmes desatados de uma formatação quadrada, pavimentada e que fluem livremente para somente amadurecerem algum tempo depois de vistos pela primeira vez. É uma proposta ousada e que irriga a sétima arte como catalisadora de manifestações artisticamente pulsantes. Ainda que muitos creiam que isso já não seja mais possível no cinema. 

Cena de Cópia fiel: filme que discute a arte de uma maneira cativante, mas pouco incisiva

Não é possível dizer que o cinema de Kiarostami é melhor hoje do que o era há 10, 20 anos. Mas é inegável que o cineasta atingiu um nível de maturação e desprendimento artístico que creditá-lo a “um Irã dentro dele” é simplório demais. Kiarostami talvez seja o cineasta vivo que melhor represente o fluxo constante de contradições e evoluções que marcam a humanidade. Seu cinema se impõe, não como bússola, mas como centro gravitacional da sétima arte em seu traço mais apaixonante.

sábado, 24 de novembro de 2012

Crítica - Curvas da vida


O último romântico!

São muito claras as razões que fizeram Clint Eastwood aceitar protagonizar Curvas da vida (Troube with the curve, EUA 2012). Gus Lobel, seu personagem, enfileira-se naquele tipo que Clint parece ter se especializado em construir no último e glorioso ato de sua carreira como ator e o filme propriamente dito, em seus conflitos e dramaturgia, salpica familiaridade. Curvas da vida, em análise mais criteriosa, é um filme de Clint Eastwood sem a direção de Clint Eastwood. Essa constatação deriva tanto da presença dos habituais colaboradores de Eastwood, como o diretor de fotografia Tom Stern e mesmo do diretor Robert Lorenz, há mais de dez anos produtor e assistente de direção de Eastwood, passando pela geografia dos conflitos dos personagens. No entanto, falta a Lorenz a sobriedade irmanada na sensibilidade que tanto faz pelo cinema de Eastwood.
Mesmo assim, Curvas da vida se subscreve como um bom filme. Em muito pela forte presença de Clint Eastwood, que demonstra perícia na hora de fazer humor (e são muitos esses momentos) e o mesmo desembaraço nas cenas que exigem mais rigor dramático. É um ator salutar, ainda visceral, que encontra em Amy Adams, conciliando o paradoxo de ser uma mulher forte e independente em um ambiente majoritariamente masculino (o escritório de advogados em que trabalha e os bastidores do baseball) e ainda uma mulher que devido a espinhosa relação com o pai sente-se abandonada, uma parceira de cena que não deixa a peteca cair.  
Química: Eastwood e Adams garantem o homerun de
Curvas da vida
Na trama, Gus é um olheiro do time Atlanta Braves. Sofrendo de um princípio de cegueira, ele resiste à aposentadoria e grunhe (no melhor estilo Eastwood) a quem quer que lhe contrarie. Com o contrato prestes a vencer, ele é enviado para observar um talento que emerge da liga universitária e que está sendo cobiçado pelos principais times da liga profissional de baseball. A pedido de Pete (John Goodman), Mickey (Amy Adams) acompanha o pai, a revelia deste, nessa viagem que ganha, portanto, outros atrativos.
Curvas da vida tem um roteiro esquemático, mas estranhamente dá conta de algumas sutilezas que arejam o filme, como por exemplo, o fato de pai e filha apresentarem temperamentos tão parecidos. Ou ainda, de prover uma visão romântica do esporte – um paralelo saboroso ao proposto por O homem que mudou um jogo (em seus detalhes um filme melhor), mas deixar transparecer a fascinação que as estatísticas esportivas provocam nos americanos.
O final mais cinematográfico do que realista, o que pode incomodar alguns pelo atropelo com que emerge, não nos deixa esquecer que estamos vendo um filme romântico. Feito sob influência de um homem que sabe que esse romantismo talvez só tenha lugar nos filmes. A parte da platéia que comungar com ele dessa percepção, verá  que Curvas da vida, no final das contas, rebate bem a tal da bola curva.  

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Em off


Nesta edição de Em off, as expectativas a respeito do novo filme de Ang Lee; o retorno de Clint Eastwood à atuação; um Ryan Gosling menos bonito; o crepúsculo de Crepúsculo nas bilheterias e as vacas gordas das celebridades internacionais no Brasil.

A volta de Clint
Estreia nessa sexta-feira nos cinemas brasileiros Curvas da vida. Inegavelmente, a grande atração do filme é a presença de Clint Eastwood como protagonista. Mais: é a primeira aparição de Clint como ator em um filme que não dirige desde o lançamento de Na linha de fogo (1993). Clint, vale lembrar, havia anunciado sua aposentadoria como ator em 2008, depois do lançamento do excepcional Gran torino. Seu retorno é uma demonstração do prestígio de Robert Lorenz, há mais de dez anos produtor e diretor assistente de Clint, que o convidou para estrelar seu debute na direção. No filme, Clint vive Gus Lobel, um olheiro de baseball que precisa enfrentar o começo da perda da visão e o amadurecimento do uso da tecnologia no jogo que marcou sua vida e carreira. Tudo temperado por drama familiar e o indefectível jeitão durão dos últimos personagens de Clint. Um retorno com gosto de quem nunca de fato partiu.

Making your day: Clint está de volta e ele é sempre um deleite para a audiência...


As duas faces de um jogo
2012 apresentou nas telas brasileiras dois filmes que mostram teorias opostas a respeito de como as coisas devem ser conduzidas no baseball, em particular, e no esporte, de maneira geral. No início do ano, O homem que mudou o jogo, que concorreu ao Oscar, mostrava a história real, do homem que apostou em um revolucionário método estatístico para montar um time competitivo. Foi Billy Beane (no filme, Brad Pitt) quem abriu as portas para o uso cada vez mais frequente da tecnologia nos bastidores do jogo. Já Curvas da vida, faz a defesa da vertente mais romântica; da que tecnologia nenhuma substitui a força da intuição e instinto humanos. É um belo combate que, a despeito da posição que adote o espectador, o lucro é inteiramente deste último.

O enigma de Pi
O trailer é um deleite para os olhos. A adaptação cinematográfica do livro "A vida de Pi", de Yann Martel, ganhou na direção de Ang Lee um sopro de inventividade para elaborar cinematograficamente um filme sobre uma jornada espiritual e de descoberta. Na trama, o indiano Pi se vê num bote em alto mar depois de um naufrágio. Como companheiros, uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de bengala. Tobey Maguire seria o único ator famoso no elenco do filme, mas Lee cortou suas cenas da versão final por achar que sua participação contrariava a tendência de não ter rostos conhecidos em cena. James Cameron endossou o uso do 3D no filme e chegou a falar que Ang Lee foi o único cineasta que captou o que ele, Cameron, sente do 3D. Mas Cameron já disse isso outras vezes em relação a outros cineastas. A crítica americana, no entanto, já morre de amores pelo filme e dá como certa sua presença no próximo Oscar. O adjetivo mais usado tem sido “obra prima” para se referir à As aventuras de Pi, chatolóide título nacional recebido pelo filme. O filme estreia no Brasil no natal e poderemos aferir se há verdade em toda essa badalação ou se o departamento de marketing da Fox, que investe todas as suas fichas para a temporada de premiações no filme, está merecendo um belo de Pi de aumento.

3D bem usado: Em certo nível, As aventuras de Pi pode ser o Hugo Cabret deste ano...


As entrelinhas das bilheterias
Os números do box office americano neste último final de semana permitem algumas ilações. A despeito da consagradora bilheteria de estreia de Amanhecer-parte 2, que arrecadou U$ 141,3 milhões de sexta a domingo, o número decepciona a Summit – estúdio do filme. Isso porque não foi quebrado nem mesmo o recorde estabelecido por Lua Nova na própria franquia (U$ 142,8 milhões). A expectativa era de quebra de recordes, como todos os desfechos de franquias poderosas têm feito nos últimos anos. De Harry Potter a Batman, passando por O senhor dos anéis e Piratas do Caribe. Em contrapartida, 007- operação Skyfall registrou queda de 50% de público em seu segundo fim de semana. Ainda assim, arrecadou impressionáveis U$ 41,6 milhões. Nada mal para uma segunda posição. O filme, não obstante, caminha para ser o longa de 007 mais rentável na história do box office americano. Marca que deve ser alcançada nesta semana. Na terceira posição veio o novo filme de Oscar de Steven Spielberg, Lincoln. O filme já estava em cartaz há duas semanas em salas selecionadas, mas teve sua expansão comercial neste fim de semana e registrou faturamento de U$ 21 milhões. Nada mal para um drama radicalmente diverso das principais opões de entretenimento nas salas de cinema.
A sexta posição de Argo, com quase U$ 5 milhões de renda no fim de semana, é um caso à parte. A fita já está em cartaz nas salas americanas há mais de dois meses e mantém uma das melhores médias de público. O que quer dizer que as salas que exibem Argo diminuem de semana para semana, mas não o interesse do público na fita. Outra provável concorrente ao Oscar.


Só Deus perdoa

A expectativa é grande desde que o projeto foi anunciado (e Drive não tinha nem estreado em terras verde e amarelas). O novo filme do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn em parceria com Ryan Gosling, Only God forgives (que título climático e poderoso, convenhamos) teve seu primeiro cartaz divulgado. E, dessa vez, nada de jaqueta estilosa. A face bem machucada de Ryan Gosling deixa transparecer o teor violento do novo filme e consegue fazer saltitar ainda mais o nível de ansiedade pela produção; que tinha lançamento marcado para o fim deste ano mas foi adiado para meados de 2013.
Ah, a trama? Gosling vive um britânico com trânsito no submundo tailandês que gerencia um clube de boxe tailandês que serve de fachada para o tráfico de entorpecentes. Ele é instigado pela mãe (papel de Kristin Scott Thomas) a investigar o assassinato do irmão. E aí, meu irmão, só Deus!


Celebridades importadas
James Franco esteve outro dia no Brasil para um evento da Gucci, marca com a qual mantém contrato publicitário. A vinda de Franco é apenas mais um sintoma do bom momento vivido pela economia brasileira. A nova loja da Gucci em São Paulo faz parte desse sintoma. Mas há mais por trás disso. Matthew McConaughey, Megan Fox, Pamela Anderson, Sarah Jessica Perker, Zac Efron, Paul Walker... a lista é grande. Em comum, todos esses atores têm recentes trabalhos para marcas brasileiras. O Brasil nunca foi buscar tanto rostos lá fora para estrelar campanhas publicitárias. Essa realidade deriva principalmente de dois fatores. O primeiro é, como já dito, o bom momento econômico vivido pelo país. Isso em comparação com o cenário pós-crise vislumbrado na Europa e EUA. O segundo é o alto cachê cobrado por celebridades nacionais, sem noção de que o apelo de uma celebridade internacional sempre devolverá aos tupiniquins seu “valor regional”.

Alguns dos looks de Matthew McConaughey para a campanha publicitária de uma marca brasileira...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Spotlight on - A escolha das diretoras



Mais cedo nesse ano, algumas artistas ligadas ao cinema, enviaram uma carta aberta à direção do Festival de Cannes protestando pela presença diminuta de diretoras entre os selecionados para participar do festival. O diretor do evento, Thierry Frémaux, rebateu a crítica das feministas e disse que a seleção se esmera na oferta e na proposta pertinente aos preceitos do festival. E é verdade. A edição 2011 do evento francês, por exemplo, havia sido bastante elogiada pela vasta presença de diretoras entre os principais concorrentes na croisette.
Mas porque esse caráter pendular na presença de diretoras em festivais de cinema? A resposta é fácil. Ainda são poucas. Disso, o leitor mais antenado no mundo do cinema já sabe, mas o que não é tão óbvio assim é o caminho traçado pelas diretoras atuantes nesse momento e, muito menos óbvio, é o impacto que as escolhas delas terá no futuro e na formação de novas cineastas.
É fácil apontar quem goza hoje de maior influência entre as mulheres que dirigem. Sofia Coppola, é bem verdade, carrega no nome o peso artístico de seu pai, mas com apenas quatro filmes no currículo de diretora, ela já criou uma marca própria e uma galeria de fãs incondicionais de seu cinema. O caminho pavimentado por Sofia, de diretora cult, não é apenas uma nota de rodapé na história que as diretoras constroem. Está com Sofia a tocha de seduzir e influenciar jovens mulheres na hora de optar pela direção. É a filha de Francis Ford quem melhor reúne condições de ser “o Steven Spielberg” de sua geração para as mulheres. A oscarizada Kathyrn Bigelow, por sua vez, também desempenha papel importante na formação de novas diretoras de cinema. Se ela não é conhecida por fazer filmes autorais em que prevaleça a famigerada sensibilidade feminina, ela mostra que mulheres podem sim fazer “filmes de menino”. É dela o neo cult Caçadores de emoção (1991), em que Keanu Reeves e Patrick Swayze são surfistas e policial e bandido respectivamente, e o premiado Guerra ao terror (2009). São filmes que se não entregassem os créditos, dificilmente seriam atribuídos a uma mulher. Bigelow, ao se tornar a primeira mulher a faturar um Oscar por direção por Guerra ao terror, no entanto, pode ter reforçado a noção de que apenas um olhar essencialmente masculino em certas produções é premiável. Uma questão que, no momento, só se pode especular. De qualquer jeito, Kathyrn Bigelow abre portas para que mulheres avancem sobre territórios masculinos no cinema e, com o tempo, promovam mudanças mais estruturantes.

Sofia em ação: sensibilidade e marca feminina na hora de dirigir anunciam grande capacidade de influência na formação de novas cineastas


O lado B
Há, contudo, aquelas diretoras que enxergam na função uma extensão de seus talentos. Assim como ocorre entre os atores, há atrizes que cederam ao impulso de dirigir. Dessas, a mais consistente é Sarah Polley. Atriz de pouca popularidade e reverberação crítica, Polley atingiu público e crítica em cheio com o drama Longe dela (2006), uma história de amor transformada pelo Alzheimer. Com roteiro e direção de Polley, chega agora aos cinemas brasileiros Entre o amor e a paixão (2011), outra história de amor com forte prospecção dramática. Nos últimos festivais de Veneza e Toronto,ela exibiu o documentário Stories we tell, um filme sobre como a memória transforma experiências familiares. Todos muito elogiados. Polley diminuiu seu ritmo como atriz para se dedicar a essa nova e criativa fase. Já Angelina Jolie, atriz blockbuster que vez ou outra se experimenta por um cinema mais sério, debutou na direção no ano passado com Na terra de amor e ódio (2011). O filme tem uma inegável pretensão artística e autoral, o que não deixa de se configurar um contraponto à persona de Angelina Jolie nas telas.
Já Nancy Meyers, roteirista veterana de Hollywood que, em 2000, debutou na direção com Do que as mulheres gostam, optou por fazer seus próprios filmes a dividir o mérito de seu afiado texto e expertise feminina com diretores homens. Desde o filme estrelado por Mel Gibson- que ainda resiste como a maior bilheteria do astro – Meyers lançou três títulos. Todos grandes sucessos de bilheteria. O ponto a se observar é que ela mantém o foco em personagens femininas fortes e sempre busca dar voz a dilemas essencialmente femininos. Esse gosto se estabeleceu definitivamente em sua encarnação como diretora, quando passou a ter total controle sobre seus textos.

Sarah Polley já ostenta três elogiadíssimos filmes no currículo de diretora e demonstra que o ofício como atriz pode ser um estágio para algo maior e mais criativo 

A libanesa Nadine Labaki estrela os filmes que dirige e não se furta a tratar de assuntos polêmicos sob perspectivas essencialmente femininas


Diversificação é palavra de ordem
Outras diretoras desempenham importante e qualificado papel nesse tabuleiro. Jane Campion é uma delas. Campion nada mais é do que a segunda mulher a concorrer ao Oscar de direção (até hoje não passaram de quatro). Campion foi a primeira mulher a efetivamente permear a película do feminino. Isso lhe rendeu uma Palma de ouro em Cannes com O piano (1994). A diretora já errou a mão (Fogo sagrado, Em carne viva), mas manteve-se fiel a sua proposta de cinema e sempre ativa e interessante.
Outras diretoras que vão construindo legados necessários são a libanesa Nadine Labaki, cujo mais recente filme (E agora, onde vamos?) acabou de ser lançado nos cinemas brasileiros, Lynne Ramsey, do angustiante Precisamos falar sobre Kevin (2011), e a brasileira Laís Bodanzky que estabelece uma cinematografia plural, pensante e representativa na nova cena cinematográfica brasileira.
São mulheres que carregam o peso do futuro em seus ombros, mas agem com extremo bom gosto e pertinência em suas escolhas pontuais. Mas definitiva, e ainda por ser mensurada, foi a escolha de Haifa al Mansour, que se tornou a primeira diretora de cinema da Arábia Saudita, seguramente o país mais repressor no que tange as mulheres. Mansour obteve, ainda, o feito de dirigir em seu próprio país. Seu primeiro filme, Wadja, não deve ser exibido na Arábia Saudita, mas já foi mostrado no último festival de Veneza. São mulheres, cada qual a sua maneira, contribuindo para que tantas outras tenham escolha na sétima arte.

Jane Campion, uma das mais longevas e interessantes diretoras, orienta Meg Ryan e Mark Ruffalo no set de Em carne viva, um de seus filmes mais desafiadores 

domingo, 18 de novembro de 2012

Insight


Brasileiro vai gastar R$1,9 bilhão com cinema em 2012
Fachada de uma das muitas salas da rede Cinemark no país: negócio "cinema" prospera, mas ainda carece de ajustes

O brasileiro está indo mais ao cinema. É o que diz a análise do Ibope Inteligência, organização integrante do grupo Ibope que tem como objetivo o alinhamento de estratégias de mercado. O resultado da análise foi obtido a partir do sistema Pyxis Consumo, ferramenta de dimensionamento de potencial de mercado. De acordo com o apurado, o potencial de consumo do brasileiro para despesas com cinema até o final do ano é de R$ 1,99 bilhão, aumento de 13% em relação a 2011.
A classe B tem maior potencial de consumo: R$ 1,08 bilhão. Depois aparece a classe C, com R$ 449,52 milhões, a classe A, com R$ 423,46 milhões, e as classes D e E, com R$ 31,22 milhões. Essa ordem, em si, não surpreende o mercado. Já que desde o fim de 2009, as classes B e C se posicionaram à frente dos gastos com cinema no Brasil.
Mas os dados do Ibope Inteligência indicam que a classe C é mesmo a principal fatia do mercado, o que ajuda a explicar o sucesso da “neochanchada” brasileira, cujo mais recente exemplar Até que a sorte nos separe, sagrou-se recentemente o filme nacional mais visto do ano.
A classe C, responsável por 52,38% dos domicílios do país irá gastar em 2012, conforme apontam os números acima, menos do que a metade da Classe B, responsável por 24,45 % dos lares brasileiros. A pesquisa sugere, mais do que uma estagnação do consumo de cinema pela classe B, a possibilidade de crescimento da Classe C que em algumas regiões, como Nordeste e Sul, já está a frente da Classe A em gastos relativos ao cinema.
Como esperado, a região sudeste apresenta maior potencial de consumo para cinema com 60% do total nacional.
Nesta região, o consumo per capita, de acordo com o estudo, é de R$ 15,83 ao ano. Depois vêm as regiões Sul e Nordeste, com 13% cada, porém com consumo por habitante diferentes: nos estados do Sul, o gasto per capita em 2012 deve ser de R$ 11,15 e na região Nordeste, de R$ 6,88. O Centro-Oeste apesar de ter um potencial de consumo de 9%, registra o segundo maior gasto por habitante: R$ 13,93.  
Os números apresentados pelo Ibope, mais do que um alento para exibidores e distribuidores, demonstra que o aumento da produção cinematográfica nacional não é um movimento isolado. Está em compasso com o interesse, e a disponibilidade financeira, cada vez maior dos brasileiros em ir ao cinema.
Os números, porém, reforçam o desequilíbrio no acesso à cultura nos interiores do país. O investimento em infraestrutura é um tema mais adequado a um blog de outra natureza, mas convém lembrar que sem esses investimentos esse potencial que faz brilhar os olhos jamais será plenamente alcançado.

Fonte: Pyxis Consumo/Ibope Inteligência

sábado, 17 de novembro de 2012

Crítica - Frankenweenie


Terror infantil revisionista

Se você achou o título dessa crítica estranho, saiba que essa é a melhor tradução de Frankenwennie (EUA 2012), novo filme de Tim Burton. A mais recente incursão do cineasta pela animação em stop motion ganha no 3D, do qual obrigatoriamente se serve, um detalhamento que torna o filme mais “burtoniano”. Em Frankenweenie, Tim Burton volta para casa. Esse regresso pressupõe um sem número de homenagens aos primórdios do terror, em cenas orquestradas mais para esses cinéfilos de botequim do que para as crianças perdidas pelo cinema, a colaboração com atores que remetem ao começo de sua carreira (como Winona Ryder e Martin Landau) e também a reimaginação de uma história pessoal dimensionada em um curta simples e simplista produzido por Burton na década de 80 na Disney – estúdio pelo qual ele lança agora essa versão mais adornada.
Na fita, Victor (voz de Charlie Tahan) é um grande entusiasta de ciências. Posto o complexo de maneira simples, um nerd assumido. Ele não tem amigos, a não ser o cachorrinho Sparky. Quando Sparky morre, ele decide – inspirado pelo climático professor de ciências dublado por Landau – ressuscitá-lo na base da corrente elétrica.

Victor e o ressuscitado Sparky: um filme de terror infantil que no fundo é uma declaração de amor ao cinema burtoniano  

O que Tim Burton faz é pegar o mito de Frankenstein e remendá-lo de forma a produzir uma parábola infantil sobre o bom (e o mau) uso da ciência e o amor incondicional de uma criança por seu cãozinho. Isso na superfície. O que Frankenweenie realmente é um túnel do tempo para Tim Burton. É uma fenda espaço-temporal que o cineasta abre em sua obra e permite que seu público fiel compartilhe com ele daquela nostalgia embalada pela mais acurada técnica de stop motion em 3D.
O grande problema é que Frankenweenie continua a ser essencialmente um curta-metragem. Não há nada, além do deleite nostálgico de Burton e de seus fãs, que justifique a duração do filme.
Esteticamente vistoso e com seu par de emoções, Fankenweenie pode ser percebido de duas maneiras: Tim Burton está preparado para se reinventar como artista ou já ensaia, ainda que inconscientemente, o epílogo de sua obra. De qualquer maneira, a importância de Frankeenweenie em uma revisão histórica será a de ter prenunciado um ou outro. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O homem do mês - Ben Affleck



Não há personagem melhor para inaugurar essa nova seção em Claquete. Benjamin Geza Affleck-Boldt é, cada vez mais, o cara. E tudo indica que o “love for Ben” só vai aumentar, já que seu novo filme como diretor e protagonista, Argo, está bem cotado para a temporada de premiações. Bonito, bem articulado, inteligente, proativo, família... Ben Affleck reúne bons predicados para estrelar a seção O homem do mês. Mas o que mais lhe qualifica é a perseverança com que buscou seu lugar em Hollywood. Do roteiro escrito a quatro mãos com o amigo Matt Damon à descoberta do talento como diretor, passando por uma efêmera condição de astro, Affleck provou amadurecimento. Pai, marido e profissional respeitado, ele sustenta hoje, aos 40 anos, a percepção de que é um homem admirável e, também, um artista interessante. Nada mal para quem enfrentou questionamentos frequentemente virulentos a respeito de seu talento e, também, que teve momentos de sua vida devassados pela celebrity gossip.

Ben Affleck é a ilustração perfeita de que é possível sim reconstruir uma carreira e modificar a opinião que outros tem de você. Um feito e tanto que merece homenagem nesse espaço!



A versão americana GQ nomeou Affleck como um dos homens do ano. Ele estrela uma das capas da edição de dezembro da revista. Nas outras estão Channing Tatum e Rihanna, nomeada a obsessão do ano pela revista. Na entrevista abaixo, Affleck fala sobre a honra de ter sido escolhido um dos homens de 2012 por uma revista tão influente, sobre Rihanna e sua obsessão por Guerra dos tronos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Crítica - Elefante branco


Um elefante extraordinário!

Depois de Abutres (2010), parecia difícil crer que o argentino Pablo Trapero fosse superar a força e contundência daquele filme em seu projeto seguinte, o drama com fundo social (como todos os filmes do excelente cineasta argentino) Elefante branco (ARG/ESP 2012). No entanto, Trapero surpreende sua audiência com uma história de alta voltagem emocional, grande impacto visual e estético e um discurso profundo que vai se descortinando em camadas cada vez mais sutis, ainda que administradas com mão forte pelo cineasta.
Na trama, acompanhamos o padre Júlian (Ricardo Darin com sua habitual competência) na luta por legitimar seu projeto social em uma favela argentina na periferia de Buenos Aires. Ele atua junto a uma assistente social (Martina Gusman) e resgata da Amazônia um antigo pupilo, o padre Nicolás (vivido com força pelo belga Jéréme Renier), a quem planeja erigir sucessor – já que enfrenta uma doença terminal.
A grande força do filme se apresenta nos conflitos internos vividos pelos dois padres e, também, na saga fadada ao fracasso que elegeram para suas vidas. Em um dado momento, quando Nicolas agoniza com a culpa em virtude de circunstâncias mostradas no início do filme, Júlian exorta: “É fácil ser mártir, é fácil ser herói. Difícil é trabalhar todos os dias sabendo que seu trabalho é insignificante”. Uma frase poderosa que dá contexto não só ao trabalho dos padres naquela favela, como ao exercício da busca pela paz executado desde ONGs a organismos internacionais. Júlian, homem de paciência exacerbada e doação irrestrita a Deus, se vê em crise conflagrada consigo mesmo ao perecer de uma doença incurável. O registro de Trapero ganha ainda mais relevo quando Júlian é destacado pelo bispado argentino a investigar um possível milagre atribuído ao padre Mugica – principal fonte de inspiração para a composição do personagem Júlian – sobre cura de uma doença incurável.
Já Nicolás, por razões diversas, questiona sua vocação clerical.

Dois padres unidos pela dúvida: A natureza dos conflitos de Júlian e Nicolás, no entanto, é distinta


A violência na favela surge como ponto de desequilíbrio entre os dois protagonistas e, também, como fator preponderante na aproximação entre Nicolás e a assistente social vivida com intensidade e sensibilidade por Martina Gusman – atriz cada vez mais poderosa sob os comandos do marido (melhor em cena do que já estivera em Leonera e Abutres).
A resolução de Elefante branco é um caso à parte. Trapero parecer ser incapaz de devolver a plateia o estado de tranquilidade após o fim da sessão. É preciso garantir que o filme permaneça no subconsciente do público por meio de finais ostensivamente contraditórios, alarmantes e, no caso de Elefante branco, visceralmente poéticos.
Um diretor que faz de seu cinema um grito social, que olha para uma Argentina escondida e subjugada, mas que acima de tudo, realiza um cinema pungente e esteticamente vigoroso.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Especial Argo - Dez boas aparições de Ben Affleck antes de se tornar diretor


Costumou-se a propalar por aí que Ben Affleck é um ator ruim. Fechamos no regular com boa vontade com o astro boa pinta. Inegável, porém, que desde que começou a dirigir, Affleck tem se mostrado melhor ator. Essa evolução, muito bem vinda por sinal, motivou Claquete a vasculhar o passado de Affleck e, bem, lançar o desafio. Será que não estávamos sendo muito duros com ele?

Ben Affleck em Fora de controle, um de seus bons momentos como ator: a comparação com Damon sempre lhe foi desfavorável...


10 – Shakespeare apaixonado (EUA/ING 1998)
Depois de uma superexposição em um filme de grande orçamento (Armageddon), Affleck assume um papel menor nessa comédia vencedora do Oscar. Se não brilha na pele de um lorde abobalhado, tão pouco compromete.

9 – Procura-se Amy (EUA 1997)
Na segunda colaboração com o amigo Kevin Smith, Affleck faz um quadrinista que se apaixona por outra quadrinista e faz de tudo para conquistá-la. O problema é que ela é lésbica. Ainda sem cacoete de astro, Affleck faz uma composição sincera e divertida.

8 – Gênio indomável (EUA 1997)
Aqui foi quando o pavio ascendeu. Affleck, claramente um ator de menos recursos do que Matt Damon, deixou o amigo brilhar como o protagonista do roteiro que os dois escreveram. Mas na pele do amigo que “quer o melhor” para o personagem de Damon, Affleck atinge alguns picos também.

7 – Dogma (EUA 1998)
Nova parceria com Damon e com Kevin Smith. Nessa bem sacada sátira ao establishment hollywoodiano, Affleck volta a exercitar humor, mas de maneira mais anárquica. Uma atuação que não agrada a todos, mas cumpre bem suas prerrogativas.

6 – Mais que o acaso (EUA 2000)
Nada melhor do que Ben Affleck, no auge da popularidade, para encarnar um tipo arrogante que precisa reaprender a se conectar com certas características humanas. Em Mais que o acaso, que na verdade é uma comédia romântica, Affleck não decepciona ao construir um tipo muito centrado em si mesmo que se surpreende quando pego em contradição: gostando de uma outra pessoa.

5 – A soma de todos os medos (EUA 2002)
Caiu no colo de Ben Affleck a substituição de Harrison Ford como o agente Jack Ryan nos cinemas. O filme é ótimo e Affleck é convincente como um jovem e ainda cru Jack Ryan, mas em termos de carisma fica devendo para Harrison Ford. Para o bem ou para o mal, essa memória é imperiosa.

4 – Um cara quase perfeito (EUA 2006)
Neste belo filme de Mike Binder, Affleck vive um agente de cinema em crise com seu trabalho, com seu casamento, enfim, com sua existência. Affleck surge vulnerável em uma composição cheia de nuanças que não passam despercebidas em uma segunda revisão.

3 – Hollywoodland – bastidores da fama (EUA 2006)
Já bastante contestado em Hollywood e se recuperando de uma comentada separação de Jennifer Lopez, Affleck se entrega ao personagem de George Reeves (ator que teria se suicidado) com poderosa energia. Uma caracterização robusta e cheia de sensibilidade que o colocou na temporada de premiações daquele ano.

2 – Menina dos olhos (EUA 2004)
Como um pai solteiro nessa nova colaboração com Kevin Smith, Affleck surge mais generoso. Menos propenso a ser o ator da cena. Uma mudança de comportamento que certamente está por trás do ator que testemunhamos hoje.

1 – Fora de controle (EUA 2002)
Nesse belo drama com retoques de suspense assinado por Roger Mitchell, Ben Affleck tem a melhor atuação de sua carreira sem que seja ele também o diretor. Como um advogado cheio de si envolvido em um crescente jogo de tensão após uma batida de carro. Uma crônica pontual do mundo moderno em que a atuação nervosa de Affleck dá o tom certo.

domingo, 11 de novembro de 2012

Especial Argo - As faces da espionagem no cinema


Esses últimos meses têm sido especiais para o cinema de espionagem. 2012, por exemplo, é o primeiro ano em que a franquia Bourne, que deu novo apelo ao universo da espionagem no cinema, se encontra com a franquia 007, que celebrou o status da espionagem no cinema. Tudo bem que a primeira veio sem seu protagonista e com pontuais alterações estruturais para que o show continue a render dinheiro, mas as mudanças foram tão bem orquestradas por Tony Gilroy, roteirista dos quatro filmes e diretor do último, que tudo faz sentido. Não foi só a franquia Bourne que mudou não. James Bond passou por uma reciclagem geral em Operação Skyfall. Tudo para deixá-lo mais afeito aos tempos modernos. Paradoxalmente, Argo faz um retrato dos tempos em que os espiões eram super-heróis de verdade. O novo filme de Ben Affleck vai ao final dos anos 70 e início dos anos 80 para mostrar a ação de agentes da CIA e da inteligência canadense para resgatar seis diplomatas americanos refugiados na embaixada canadense no Irã. Enquanto a franquia Bourne investe bruscamente no realismo, técnica absorvida pelo 007 da fase de Daniel Craig – anda que suavizada no mais recente filme, Argo opta por um registro mais sutil e saboroso. Ben Affleck deixa o clima de thriller se contagiar pelo ar farsesco de Hollywood, já que a estratégia adotada pela CIA é forjar a produção de um filme no Irã.

Paranoia e adrenalina: a franquia Bourne modificou os termos da espionagem no cinema com um choque de realismo


Mundo moderno: os bancos são os grandes vilões de Trama internacional, filme de espionagem que não desgosta da boa e elegante ação


Essa opção acresce em dramaturgia e permite, também, um bem vindo respiro ao fundo político que, a bem da verdade, inexiste nos outros dois filmes.
Há quem acredite que filmes de espionagem que não trazem fundo político são, de fato, filmes de ação. É um corrente que carrega certa verdade. Principalmente se confrontada com filmes como Munique (2005), obra prima de Steven Spielberg sobre a resposta israelense a um atentado terrorista promovido por um grupo terrorista palestino nas olimpíadas de Munique em 1972. Uma curiosidade cinéfila, pouco pertinente ao artigo, mas que acrescenta a ele: foi durante as gravações de Munique que Daniel Craig foi convidado para assumir o papel de James Bond.
O próprio Ben Affleck já havia feito um filme que tem como mote a espionagem. Antes de Argo, ele foi agente da CIA em A soma de todos os medos, quarto filme do agente Jack Ryan nos cinemas. Naquele filme, como em Bourne e Bond, a ação é privilegiada, mas há a preocupação – ainda que esparsa – com o fundo político.
Filmes como Trama internacional (2009), Conduta de risco (2008) e Duplicidade (2010), os dois últimos do mesmo Tony Gilroy que assina a quadrilogia Bourne, versam sobre outro tipo de espionagem: a corporativa e empresarial. É um filão ao qual o cinema ainda não se debruçou de maneira efetiva, mas no qual pode descobrir ótimas histórias. Como demonstram os três excelentes filmes. Há muitos outros exemplos de produções sobre espionagem nos cinemas. Desde sátiras como Agente 86 (2008) à Hitchcock, com Intriga internacional (1959). É um campo vasto, plural e que Ben Affleck, agora, se inscreve como referência.
 

sábado, 10 de novembro de 2012

Crítica - Magic Mike


Simpatic Mike

O novo filme de Steven Soderbergh se pagou no primeiro fim de semana nos EUA. A última vez que isso aconteceu foi com Onze homens e um segredo (2001). A fórmula mágica foi colocar uma série de homens pelados na tela de cinema. Magic Mike, não se engane, é mais um filme independente de Soderbergh. Que nessa seara já retratou desde a vida amorosa de uma garota de programa à ascensão de Che Guevara. Magic Mike surgiu das memórias, agora imortalizadas em celuloide, de Channing Tatum que antes de se descobrir ator já havia sido stripper. Soderbergh, portanto, contou com o insight do ator para erigir esse mundo que mistura fetiche, luxúria, carência, sonhos e necessidade de amadurecimento.
A primeira vez que avistamos Mike ele está pelado e se levantando da cama que divida com duas mulheres. É uma entrada triunfal para um personagem pouco triunfante, mas que Channing Tatum, com muito coração e desenvoltura, vai humanizando ao longo do registro.
Mike não é só stripper. Ele faz polimento de carros e também trabalha com construção civil, mas percebe-se que seu prazer está vinculado a tirar a roupa na frente de mulheres. Mas, para todos os efeitos, ele mantém um sonho: ter a própria empresa de fabricação de móveis personalizados. Mike é um sonhador e também um cara gente boa, como se diz por aí. Ele apadrinha Adam (Alex Pettyfer), um jovem de 19 anos que se recusa a assumir responsabilidades e mergulha de cabeça nesse convidativo mundo de liberdades. A partir da relação de Mike com Adam e com seu patrão no clube de strip-tease, Dallas (Matthew McConaughey), Magic Mike tira seu sustento dramático. Mike, com o préstimo da irmã de Adam (Cody Horn) por quem se interessa romanticamente, percebe que não crescerá como ser humano naquele ambiente. Não deixa de ser uma vertente moralista essa que o filme adota, apesar do desfile de glúteos masculinos e abdomens sarados. Mas é, também, um conflito legítimo o vivido pelo personagem, o que valida as opções tanto de Mike como dos outros personagens que gravitam seu universo.
No limiar, Magic Mike é um filme sobre despertar de consciência, mas os músculos pipocando na tela divergem a atenção do espectador. O apelo ao público feminino e homossexual também tendem a reforçar a resistência ao filme que, no limiar, apresenta os mesmos conflitos e soluções de Ted, filme mais afeito ao gosto do público masculino e que, coincidência suprema, estreou no mesmo fim de semana de Magic Mike nos EUA. Magic Mike é menos inteligente do que Ted, mas é muito mais simpático.

Especial Argo - Maioridade autoral



“O segredo é escolher os atores certos. Com frequência eles apresentavam ideias muito mais interessantes do que as minhas e eu ficava pensando: ‘eu vou receber o crédito por isso, mas os atores conduziram o navio’”, disse Ben Affleck em uma entrevista ao Hollywood Watch. Em outra entrevista, ao site UOL, o ator vaticina contra aqueles que teimam em dizer que ele é melhor diretor do que ator: “Não acho que sou melhor diretor do que ator, nem melhor ator do que diretor, nem melhor roteirista do que diretor ou ator. Eu tento fazer filmes e, para mim, essas coisas estão relacionadas. Foi assim que aprendi”.
Affleck relatou ao O Estado de São Paulo que sua maior preocupação era não errar na mão no tom do filme, que faz uma improvável mescla de comédia com thriller ao reunir elementos de uma sátira aos costumes hollywoodianos ao metiê da espionagem.
O contexto político do filme, que versa sobre o resgate de diplomatas americanos em um Irã em franca ascensão revolucionária, foi reforçado pelo levante de radicais islâmicos contra um filme anti-islâmico que culminou na morte do embaixador americano na Líbia.
Affleck lamenta a infeliz coincidência, mas sabe que o ocorrido atrairá ainda mais atenção a seu filme que ainda figura entre as primeiras posições no box office americano mais de um mês após a estreia. Argo, aliás, protagonizou um feito raríssimo. Retomou a liderança das bilheterias duas semanas depois de tê-la deixado escapar. O filme detém a melhor média de público atual das salas americanas e as bolsas de apostas dão como certa a presença do filme entre os concorrentes a melhor do ano no próximo Oscar.
O entusiasmo com a carreira de Affleck atrás das câmeras é grande e em Argo, outro ator que já fez essa passagem dá mais envergadura ao projeto. George Clooney é um dos principais produtores do filme. Affleck, por sua vez, já goza de total liberdade junto à Warner, estúdio com quem mantém contrato para dirigir.
Assim como ocorreu com Atração perigosa, que Claquete incluiu entre os melhores lançamentos de 2010, e Medo da verdade, incluído na lista do blog de melhores filmes da última década, Affleck é bem sucedido em aliar fórmulas comerciais à veia autoral. Mas a experiência de dirigir um thriller foi ainda mais gratificante. “O mais legal desse filme é que você pode dizer para as pessoas: seu coração vai acelerar, você vai roer as unhas...”, admite.
Sobre o Oscar, pelo menos em público, ele nega expectativas. “Eu não tenho a menor ideia sobre o Oscar. No momento estou preocupado com que as pessoas de fato vejam o filme”.

A arte de dirigir a si mesmo: Desde que começou a dirigir, Affleck se tornou um ator melhor, ainda que ele resista a reconhecer isso


Futuro
Muitos são os projetos aos quais Affleck se vê relacionado. Nenhum deles, porém, é verdade. O diretor Ben Affleck ainda não elegeu seu próximo trabalho. Embora não esconda que flerta com a ideia de dirigir uma comédia assumida, já que Argo se vale do expediente do humor mais como sobretom. Já como ator, está envolvido em Runner, runner, fita de ação que protagonizará ao lado de Justin Timberlake, e Focus, nova comédia dos diretores de Amor a toda prova.
A paciência para peneirar seus próximos projetos, seja como ator ou diretor, talvez seja a grande demonstração de que, aos 40, Ben Affleck finalmente chegou onde sempre quis estar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Especial Argo - Quando o cinema encontra o cinema



Não é de hoje que o cinema, por vezes por vaidade e em outras como autocrítica, se volta para si mesmo. Presenciamos na última temporada do Oscar uma batalha entre filmes essencialmente sobre a arte de fazer filmes (O artista e A invenção de Hugo Cabret). Mas a postura reverente dessas duas oscarizadas produções se distancia da que se verifica no mais recente trabalho de Ben Affleck como diretor. Argo é um thriller de espionagem, mas também uma sátira de Hollywood. O que Argo propõe é a desmesura entre a espionagem e o cinema, dois mundos em que “o faz de conta” ganha corpo e movimenta milhões de dólares.
A proposta de Affleck, portanto, está mais alinhada à uma crítica de fundo político nos moldes da que Barry Levinson tão sagazmente fez em Mera coincidência (1997). No filme, Dustin Hoffman faz um produtor de cinema contratado por um par de assessores do presidente dos EUA para criar uma guerra fictícia como meio de desviar as atenções de um escândalo sexual. O filme é um assombro do ponto de vista narrativo e irresistível na forma inteligente com que se serve da realidade para ganhar força dramática.
Argo, nesse sentido, opta por um registro parecido ao indicar o humor incontido nos tipos que constituem Hollywood. Robert De Niro, que brilha em Mera coincidência como um tarimbado assessor político, faz em Fora de controle (2010) um produtor de cinema forçado a lidar com todo tipo de adversidade. Desde surtos de estrelas como Bruce Willis (vivendo ele mesmo), até sanções do estúdio. O filme, também é assinado por Barry Levinson, que, como pode perceber o leitor, gosta de abordar seu metiê.
Dustin Hoffman, Anne Heche e Robert De Niro em cena
do brilhante Mera coincidência
A quadrilogia Pânico, de uma maneira muito particular, também fala sobre cinema. Mais especificamente sobre o cinema de horror. É um deleite de metalinguagem para cinéfilos e fãs do gênero.  
Grandes personalidades do cinema também se revelam como porta de entrada para que o cinema devasse suas próprias hostes. Marilyn Monroe, por exemplo, é tema de três filmes distintos. O primeiro deles, Sete dias com Marilyn, valeu a Michelle Williams uma indicação ao último Oscar como melhor atriz. Alfred Hitchcock terá os meandros da preparação de seu filme mais notório, Psicose, reproduzidos em um filme estrelado por Anthony Hopkins programado para o fim desse ano nos EUA.
Até por uma questão de perspectiva, é bom que o cinema não se perda de vista. Essa autoanálise, ora complacente, ora rigorosa, é um exercício capaz de provocar ainda mais fascínio e admiração em quem está do lado de cá da tela.