A retrospectiva 2010 em Claquete chega ao fim hoje. E em grande estilo. O TOP 10 mais aguardado, mais festejado, mais polêmico e (por que não?) mais importante do ano encerra esse especial tão gostoso de fazer. 2010 foi um bom ano no cinema. Dá para tirar essa medida ao constatar que apenas três dos dez filmes que integram a lista foram lançados em 2009 em seus países de origem. Essa proporção foi mais equilibrada em anos anteriores, alternando-se em 6 X 4, 4 X 5 e 5 X 5. Portanto, com 7 filmes datados originalmente de 2010, o presente ano se encerra com um saldo bem positivo. Contribuíram para isso a excelente forma que alguns cineastas veteranos como Martin Scorsese, Roman Polanski e Michael Haneke apresentaram. Outros, mais novos, também fizeram bonito em 2010. Foi o caso do argentino Pablo Trapero e do americano Ben Affleck. Gente nova, mas já com bastante rodagem, também agregou valor ao cinema nesse ano. Como David Fincher e Christopher Nolan, já amplamente citados na Retrospectiva 2010.
No escopo dos dez melhores filmes estreados nos cinemas brasileiros, entre janeiro e dezembro, pode-se perceber uma forte tendência de pensar o homem e suas relações em diferentes níveis e atmosferas. Desde o metiê do mundo financeiro até os desmandos das relações amorosas modernas. A violência analisada pela rigidez alemã também rendeu um dos melhores filmes dos últimos anos. A fita branca, que está no TOP 10, é arte pensante. Talvez o único filme da lista que se desincumba de entreter. Os outros nove entretem, mas sem se desobrigarem de pensar e refletir o homem e o meio. Sem mais delongas, vamos aos dez melhores filmes de 2010 por Claquete.
10 – Wall street – o dinheiro nunca dorme, de Oliver Stone (Wall street – Money never sleeps, EUA 2010)
Apesar de perder muito de seu impacto com uma reviravolta improvável nos minutos finais, Wall street – o dinheiro nunca dorme inscreve-se como um filme tenaz. Irônico, arguto e muito provocante (embora flerte com um moralismo que não havia no filme original), Oliver Stone bota a câmera na sala de reuniões dos homens que decidem o destino da economia no mundo. Um filme, ágil, ligeiro e cheio de cenas referenciais. A melhor delas, talvez seja aquela em que o secretário do tesouro americano após ouvir o valor do socorro que os banqueiros pedem ao governo exclama em tom de desabafo: “Os senhores sabem o que é isso? É socialismo”.
Wall street – o dinheiro nunca dorme é uma revisão, ainda que se possa argumentar repetida, dos vícios que não nos deixam. Um filme que, talvez apenas como o número 1 dessa lista, captou o espírito de nosso tempo.
9- Simplesmente complicado, de Nancy Meyers (It´s complicated, EUA 2009)
Uma comédia charmosa, sofisticada e que contempla um público geralmente negligenciado pelas comédias românticas. E por público aqui não se entende apenas os membros da terceira idade, mas aqueles divorciados que nunca tiveram os dilemas das recaídas abordados com contentamento pelo cinema. Nancy Meyers recicla as próprias fórmulas e escala um elenco inspirado (Meryl Streep, Steve Martin e Alec Baldwin) para estipular com graciosidade os destemperos de seguir adiante com a vida amorosa.
Simplesmente complicado prima por diálogos críveis, embora em situações pouco ortodoxas. Tudo com o olhar aguçado de Meyers para as idiossincrasias da classe média.
8 – Abutres, de Pablo Trapero (Carancho, ARG 2010)
Um filme expressivo, cativante e atordoante. Se estes são adjetivos que costumam rimar com excelência, não são comumente encontrados em um mesmo filme. A sexta fita de Pablo Trapero é cinema vigoroso na realização, clássico na narrativa e moderno na linguagem. Além de apresentar a performance mais impressionante de Ricardo Darín, um ator notório por atuações impressionantes, Abutres concilia gêneros tão díspares como o romance, o cinema de denúncia social e o thriller criminal em uma trama fluída e concisa.
É um filme maiúsculo sem sonho de grandeza.
7 – Atração perigosa, de Ben Affleck (The town, EUA 2010)
Ben Affleck assume de vez o grande cineasta que está se tornando em um filme que conjuga brilhantemente soluções comerciais com questionamentos artísticos. Um filme com pose comercial, mas de vocação autoral.
Atração perigosa, além da trama enxuta, é cinema bem feito com ótimo roteiro, fotografia e montagem em compasso magistral, elenco em fina sintonia e uma direção tão segura quanto sugestiva. O segundo filme de Ben Affleck é um achado do ponto de vista artístico em um meio que o comercial cada vez mais dita tendências.
6 – A fita branca, de Michael Haneke (Das Weisse band – Eine Deutsche Kindergerschichte, ALE 2009)
Um filme de ritmo particular e discurso forte, enfático, porém, inconclusivo. Para lidar com um paradoxo tão proeminente é necessário um cineasta inquieto e confrontador. Michael Haneke propõe um estudo minucioso das circunstâncias em que se projeta o mal na organização social. Um filme particularmente triunfante pela recusa em ser definitivo. A angústia maior é cercar a verdade e nunca dominá-la, provoca Haneke.
5- O escritor fantasma, de Roman Polanski (The ghost Writer, INGL/FRA 2010)
Um vigoroso thriller de espionagem que também apresenta um refinado senso de humor. Roman Polanski mostra invejável forma nesse filme de postura belicosa e debochada em relação à política internacional americana. Polanski se apropria da trama e investe em pouco sutis comentários acerca do próprio status em relação ao EUA. Uma deliciosa metalinguagem cinematográfica potencializada por atores contidos e uma técnica contagiante.
4 – A origem, de Christopher Nolan (Inception, EUA 2010)
Muitas mudanças que virão nos próximos anos serão creditadas a esta fita de Nolan. A origem, mais do que a forma arrojada com que foi apresentada ao mundo, é um filme de ideias e sobre ideias. O fascínio que a técnica de Nolan exerceu sobre a audiência é coisa dos sonhos. O fato de o filme abordar os sonhos só faz a experiência mais prazerosa. A originalidade do projeto, desde sua concepção à sua abordagem, reafirma o diretor como um visionário em seu segmento. E o peão ainda está rodando?
3 – Ilha do medo, de Martin Scorsese (Shutter island, EUA 2010)
Convencionou-se dizer que este é um filme menor de Scorsese. Pode ser. O que não se fala por aí é que essa era a ideia. Uma homenagem as fitas de terror dos anos 40 e 50, Ilha do medo é história do cinema transbordante. Tudo em virtude de Scorsese. Aqui ele pega um roteiro banal e lhe confere tratamento real (no sentido de realeza). Se Ilha do medo é um campo de divagações filosóficas e um filme que não se resolve com a surpresa final (até previsível para iniciados), é por causa de seu diretor. Fosse outro a comandar a fita, e essa elegante parábola sobre a paranóia seria um filmeco como tantos outros que chegam as locadoras todos os meses. Com assombro técnico e exigindo de Leonardo DiCaprio o que ele pode dar, Scorsese dá mais uma aula de como transformar o trivial em algo bem próximo do memorável.
2- Amor sem escalas, de Jason Reitman (Up in the air, EUA 2009)
Além de ser o mais perfeito retrato dos efeitos da última grande crise financeira nos EUA,
Amor sem escalas se introduz como o espelho do homem moderno que parece refutar sua complexidade. Jason Reitman se firma como um grande cineasta (em seu terceiro filme) ao enfocar um conflito geracional, um modo de vida e uma nação em plena derrocada da era Bush em três personagens. Ofertar a conclusão de que a vida é melhor com companhia vem como bônus nesse pacote especial.
1- A rede social, de David Fincher (The social network, EUA 2010)
É necessário pontuar que A rede social vai crescer com os anos. Será o filme lembrado quando no futuro a disposição de saber como era a presente geração se manifestar. A conflagração de anseios e a efemeridade de novos fenômenos são o palco de uma tragédia grega encenada com dinamismo de internet. O filme de David Fincher é cool, cult, sofisticado, inteligente e irascível. É, em si, uma metáfora de seus personagens e do público que predominantemente se interessa por ele. Um filme que captura mudanças no âmago da sociedade e se promove como filme evento. A rede social pode não ter “causado”, mas exclusivo do jeito que é, ainda vai “causar” muito.