quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Crítica - O mordomo da Casa Branca

Revisão histórica oxigenada pela emoção

Lee Daniels tem uma agenda e ela naturalmente, por ser ele negro e homossexual, tem concentrações temáticas relacionadas a minorias. No caso de O mordomo da Casa Branca (Lee Daniels´The Butler, EUA 2013) essa agenda surge mais sofisticada pelo espelho que enseja dos bastidores da política americana pelo olhar de um homem, cujos direitos básicos ainda lhe eram negados. O drama, desde já apontado como uma das forças do próximo Oscar, inspirado em uma história real, narra a trajetória do fictício Cecil Gaines (Forest Whitaker em performance impressionante), que foi mordomo na Casa Branca por cerca de 30 anos e serviu a sete presidentes diferentes.
O assassinato de Kennedy, a renúncia de Nixon e a pompa de Nancy Reagan (em ponta bem sacada de Jane Fonda) se diminuem ante aquele que é o maior interesse de Daniels: discutir a evolução da luta pelos direitos civis no país que foi uma das maiores vítimas da segregação racial no ocidente.  E a forma como Daniels trabalha esse olhar não poderia ser mais sedutora. E emocional. Enquanto Cecil se ajusta como um “negro doméstico”, seu filho mais velho Louis (David Oyelowo) se insurge contra esse sistema opressor. Primeiro como discípulo de Martin Luther King, depois como membro do Panteras negras. A divergência de posicionamento político entre pai e filho, e a forma como essa divergência afeta a relação deles, é um dos pontos altos do filme e da direção de Daniels.
Um adendo ao trabalho de Oyelowo precisa ser feito. Integrante de um numeroso e estrelado elenco ele brilha com o papel mais suculento, é verdade, mas também o mais difícil e exigente de todos. Com sutileza preenche de sentido e reflexão um personagem justificadamente agressivo. A diferença entre o tom de sua interpretação e o tom de seu personagem tornam seu trabalho muito mais vistoso e digno de elogios.

Whitaker e Oyelowo em ação: registros distintos, mas igualmente eficientes

O mordomo da Casa Branca, naturalmente, carrega sua dose de panfletarismo inerente aos filmes que cumprem certa agenda social. Mas Daniels consegue abrandar esse viés fiando-se em uma história rica em muitos aspectos. Como demonstra esse subtexto da relação entre o pai e seu filho. Há uma preocupação em posicionar historicamente o debate pelos direitos civis e, nesse sentido, a cena em que Cecil e sua esposa (interpretada com esmero por Oprah Winfrey) recebem Louis e sua namorada, recém-ingressos no grupo Panteras Negras, para jantar, é eloquente. Na cena discutem o significado de Sidney Poitier, o primeiro negro a ganhar um Oscar e para muitos a abrir as portas do cinema para os que vieram depois dele, para a causa. A cena é emblemática de uma polarização que resiste até mesmo nos dias de hoje e que se galvanizou, por exemplo, quando do lançamento de Django livreem que Spike Lee insurgiu-se contra o filme pelo uso caricato do termo “nigger”.
Nesse contexto, O mordomo da Casa Branca adquire inegável valor histórico, potencializado por registrar o fascínio, e a cota de esperança construída durante todo o decorrer do filme, com a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA em 2008.

Em última análise, eis um filme que se beneficia como ninguém do slogan ensejado pela vitoriosa campanha obamista.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Em off

Nesta edição da seção Em off, concurso cultural com oferecimento do AdoroCinema, biografias não autorizadas de gente do cinema, as figas para 50 tons de cinza, a confissão de Tom Hiddleston e cabeça que já está em 2014.

Loki tem um qzinho de Nicholson
Eu quero ser o seu malvado favorito: Tom Hiddleston sabe fazer propaganda...

Tom Hiddleston, que se as casas de apostas aceitassem esse tipo de aposta, deve roubar a cena da sequência de Thor, que ganhou o subtítulo de O mundo sombrio e estreia na próxima sexta-feira nos cinemas brasileiros, disse em entrevista recente à revista Entertainment Weekly que o coringa de Jack Nicholson foi sua maior influência na composição de seu personagem, o Deus da trapaça. “Adoro vilão que se diverte”. Nós, público e crítica, também!

Pensando em 2014
O AdoroCinema elaborou uma lista para os apressadinhos. Aqueles cinéfilos ansiosos (e que cinéfilo não é ansioso?) que já estão com a cabeça nos lançamentos de 2014. O site fez um inventário com os principais destaques mensais de alguns dos lançamentos mais antecipados da próxima temporada. Remakes, nacionais, releituras, novas adaptações, blockbusters e potenciais destaques da safra do próximo Oscar figuram entre os mencionados. Vale a pena dar aquela espiadinha clicando aqui.

Promoção
Por falar em AdoroCinema, a primeira promoção fruto da parceria entre o site de cinema número 1 do país e o blog de sua preferência já está no ar. A partir da publicação desta seção Em off para ser o mais preciso possível. São dois pares de ingresso em disputa. Um, para o filme Aposta máxima com Ben Affleck e Justin Timberlake, e o outro para Terror em Silent Hill 2: revelação 3D. Para concorrer aos ingressos é muito fácil. Basta curtir a página do blog no Facebook e enviar um e-mail para reinaldoglioche@hotmail.com com a resposta para a seguinte pergunta: De quem, ligado ao cinema, você gostaria de ver uma biografia não autorizada e por que? As duas melhores respostas faturam os dois pares de ingresso e a promoção se estende até domingo às 19h. Observação importante. Só estarão aptos à concorrência aqueles que enviarem as respostas por e-mail e que curtirem a página do blog no Facebook.

10 biografias não autorizadas de gente do cinema que gostaríamos de ver
No espírito da promoção, e do debate que toma conta do país, Claquete elaborou uma listinha com dez personalidades do mundo do cinema que o blog gostaria que fossem alvos de biografias não autorizadas.

Harvey Weinstein
Todo poderoso do marketing e produtor megalomaníaco, Harvey Weinstein é o Howard Hughes da nossa era. Merecia uma investigação tão espirituosa e ruidosa quanto suas campanhas pelo Oscar para filmes como Shakespeare apaixonado, O discurso do rei e O artista.

Quentin Tarantino
Gênio ou plagiador habilidoso? A polêmica talvez nunca se esgote e uma biografia pormenorizada com foco nos anos de formação de Tarantino talvez propicie um olhar revigorado sobre um dos últimos autores de cinema a extrapolar nichos.

Tom Cruise
Ok, já há biografias não autorizadas sobre o astro, o que só prova como o Brasil por se ensimesmar nesse debate é um país atrasado. Mas nenhuma biografia foi muito a fundo nas passagens mais polêmicas da vida de Cruise como a cientologia, seu perfeccionismo extremado, as mulheres, a relação desigual com os filhos, a queda em Hollywood, o novo começo... Personagem tão rico, merece mais disposição do mercado editorial.

Jennifer Aniston
O divórcio ruidoso de Brad Pitt, os muitos namorados e, finalmente, o papel de amante. A vida pessoal de Jennifer Aniston, é inegável, obscurece sua carreira em matéria de holofote. O ideal seria uma biografia corajosa em buscar o equilíbrio narrativo, sem inversão de prioridades; preservando, na medida do possível, todos os detalhes sórdidos.

David O. Russell
Diretor genial e genioso, com série de escândalos e desafetos, que aos poucos foi se ajustando ao mainstream e fazendo alguns dos filmes mais interessantes dos últimos dez anos. David O. Russell é o tipo Roberto Carlos: biografia de verdade só se não for autorizada.

Zhang Yimou
Um dos cineastas mais visualmente impressionantes de que se tem notícia e seguramente um dos melhores diretores chineses. Yimou, no entanto, é questionado em seu país por se submeter ao regime comunista para obter aprovação de seus filmes, por muitos considerados propagandistas. Ele valeria uma boa biografia. De quebra, o processo de feitura do livro daria um filme e tanto.

Joaquim Phoenix
O melhor ator desde De Niro e Pacino? Talvez. Mas Joaquim Phoenix é também um estranho no ninho no metiê hollywoodiano e esse tipo de personagem é para lá de interessante para uma biografia rigorosa, concentrada e com interesses além dos comuns. Estamos na torcida.

Charlie Kaufman
O roteirista mais brilhante e mais antipático, assumidamente invejoso, a ter pisado em Hollywood. Essa biografia é para ontem! Para quem não sabe, Kaufman é o responsável pelos amalucados e inesquecíveis Quero ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002) e Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004), entre outros.

Fernando Meirelles
Arquitetura, publicidade, cinema e Cidade de Deus. A trajetória de Fernando Meirelles, um pensador tão plural como sedutor que não se avexa de emitir opiniões sobre todo e qualquer assunto, é das grandes biografias que o cinema brasileiro merece. Que nossas leis permitam que essa luz se manifeste!

Leonardo DiCaprio
E esse negócio com modelos, hein? Alguém tem que escrever sobre esse troço. Leonardo DiCaprio se tornou um dos melhores atores do momento, mas teve um início conturbado e não soube exatamente como lidar com a fama. A parceria com Scorsese, a obsessão por modelos, a birra com o Oscar. Vem DiCaprio!


Agora vai?

Depois de confirmar o novo protagonista, Jamie Dornan, os produtores de 50 tons de cinza adiaram o início das filmagens de novembro para dezembro. Além de prover mais tempo de preparação para Dornan, a mudança tem como objetivo dar tempo do novo roteirista Patrick Marber promover as mudanças que julgar necessárias no roteiro escrito por Kelly Marcel. A expectativa é de que, finalmente, a produção do filme mais comentado do momento entre nos eixos.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Filme em destaque - O mordomo da Casa Branca

O novo filme de Lee Daniels, a exemplo de outras produções já lançadas em 2013 (Sem dor, sem ganho e Bling ring – a gangue de Hollywood) tem uma reportagem de jornal como fonte primária.
Em 2008, durante as semanas que precederam a eleição de Barack Obama, o repórter e ex-correspondente do Washington Post Wil Haygood se impôs uma missão: encontrar o afro-americano que trabalhou na Casa Branca e testemunhou o movimento pelos direitos civis dos bastidores. Depois de inúmeros telefonemas, Haygood descobriu esta pessoa em Washington. Seu nome era Eugene Allen, tinha 89 anos e havia servido oito presidentes, dos anos 1950 aos 1980. Depois de se encontrar com Allen e sua mulher, Helene, por algumas horas, o jornalista conseguiu fazer um perfil do homem que teve acesso em primeira mão a alguns dos eventos mais críticos da nação – e aos homens poderosos por trás deles – de uma forma sem precedentes e bastante cinematográfica.
A vice-presidente da Sony Pictures Entertainment, Amy Paschal, foi a primeira a ler a entrevista com Allen no Washington Post e mostrou o material para a produtora Laura Ziskin. O Post publicou a história na sexta-feira seguinte à vitória de Obama. Apesar do empenho da produtora, responsável pelo sucesso da trilogia original Homem aranha, a Sony acabou desistindo do projeto. Laura, no entanto, apaixonada pelo projeto buscou financiadores independentes para produzir o filme e convidou Lee Daniels, que era sua opção do coração, para dirigir o filme. Com Daniels a bordo, o elenco começou a se formar. Oprah Winfrey, Mariah Carey, Lenny Kravitz e David Oyelowo, todos amigos pessoais do diretor, assinaram contrato. O elenco grandioso foi ganhando ainda outros nomes estrelados como Robin Williams, John Cusack, Jane Fonda, James Marsden, Cuba Gooding Jr., Alan Rickman, Terrence Howard e Liev Schreiber. “Minha ideia era fazer o filme com o elenco mais repleto de estrelas possível”, disse o diretor à GQ quando veio divulgar o filme no último Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. A colocação demonstra a consciência de Daniels de que um bom elenco pode ser um chamariz para ir ao cinema.
“Estava empolgado naquele momento pós-Preciosa e adorei trabalhar com Laura. Estavam entre mim e outro cineasta (Steven Spielberg que declinou do projeto), bastante famoso, para dirigir o filme, e ela queria que fosse eu. Laura me entendia – poucas pessoas conseguem entender minha energia e ela conseguia. Me apaixonei de verdade por ela”, disse o diretor no material promocional divulgado à imprensa pela distribuidora do filme no Brasil em relação a produtora que acabou falecendo .

Todos os presidentes de Daniels: no estrelado elenco, Robin Williams, James Marsden, John Cusack, Liev Scheriber e Alan Rickman vivem alguns dos presidentes servidos pelo protagonista do filme

A opção por Forest Whitaker veio com a definição de que o filme seria independente, posteriormente abraçado pela The Weinstein Company (expert em campanhas para o Oscar). Denzel Washington, que declinou do papel, e Will Smith foram considerados enquanto o projeto orbitava o estúdio Sony. “Forest, em particular, é provavelmente o ator mais humilde com quem já trabalhei na vida. Quantos ganhadores do Oscar topariam fazer um teste de elenco? Muitos atores não percebem que precisam se doar a um diretor. É um dom raro”.

Razões do coração
“A história era importante para mim porque eu nunca tinha visto um filme que retratasse o movimento de direitos civis do começo até a administração Obama, pelos olhos de um pai e um filho. Este filme coloca as coisas que as pessoas viveram em perspectiva, mesmo nos dias de hoje, em que podemos fazer coisas como votar. Ele vai além do negro e do branco, o que era importante para mim, porque é uma história de pai-e-filho além de ser uma história de direitos civis. Transcende raça, transcende os Estados Unidos – é universal. Não é uma lição de História, é a história de uma família”, explica o cineasta.
Para Daniels, O mordomo da Casa Branca é o filme mais difícil que já dirigiu. “Não existe conteúdo sexual, há pouco palavrão e a violência é mínima, embora estejamos lidando com um período muito violento. Então, como realizador, tive que me conter e tenho muito orgulho disso”.
Daniels no set: paixão pelo projeto

Forest Whitaker resume com bastante assertividade os méritos de seu diretor neste filme que revela uma ambição muito grande para um filme independente. “Acho que o que Lee Daniels fez neste filme é bastante poderoso porque ele tratou do movimento dos direitos civis por meio do meu personagem (Cecil) e do meu filho. Meu filho é um ativista, primeiro na faculdade e depois trabalhando ao lado de Martin Luther King e depois de Malcolm X. É um espectro amplo de pessoas em um movimento em particular. Ao mesmo tempo, você me vê na Casa Branca durante períodos em que as decisões estavam sendo tomadas nos bastidores pelos presidentes Kennedy, Johnson, Nixon, Reagan e outros. Eles estavam dando forma aos direitos civis e humanos no país – e, no fim das contas, no mundo".

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Crítica - Conexão perigosa

Conexão falha

Harrison Ford e Gary Oldman medindo forças em um filme que pretende discutir os alcances da espionagem industrial em uma roupagem pop com o protagonismo de um novo bonitão das massas, o competente Liam Hemsworth. Uma boa ideia? Uma ótima ideia. Infelizmente, executada com preguiça e pela pessoa errada. É bem verdade que roteiro de Conexão perigosa (Paranoia, EUA 2013), de autoria de Jason Dean Hall e Barry Levy a partir do romance de Joseph Finder, faz todas as escolhas equivocadas que pode em matéria de evolução dramática, mas Robert Luketic, responsável pelos esquecíveis Quebrando a banca (2008) e Par perfeito (2010), que brincavam com a arte da dissimulação, não era o nome apropriado para um filme com potencial de ir além do simples entretenimento.
No entanto, mesmo que não alcance todo o seu potencial e se resolva como um eficiente filme de gênero, Conexão perigosa não é a bomba que sua irrisória bilheteria no mercado americano e as críticas pouco dispostas fazem crer.
O irmão mais jovem de Thor é Adam Cassidy, garoto de ambição e extrovertido, funcionário de uma gigante da tecnologia. Ele quer crescer, mas entra no radar de seu chefe para outros propósitos. Nicolas Wyatt (Oldman), que está com sua empresa à deriva, quer que ele vá trabalhar para seu concorrente e ex-mentor, Jock Goddard (Ford) na EikeCorporation e roube detalhes sobre a mais nova criação da rival, um celular chamado Occura. A trama se desenvolve a partir desta equação entre moral e ambição apresentada a Adam e como ele se põe a resolvê-la. Os clichês não chegam a incomodar, mas afastam o filme de sua potencialidade logo na primeira hora. De qualquer maneira, é um prazer ver Oldman e Ford, com aquele visual careca estranho, se divertindo. Os diálogos dos dois personagens são os melhores da linha “trash chic” e certamente garantem a diversão para quem é fã dos atores.

Jogo de cartas marcadas: é fácil descobrir para onde vai Conexão perigosa e este é apenas um dos problemas do filme que tem atores bem alinhados


Há um comentário muito mal alinhavado sobre a paranoia – que batiza o filme originalmente – dos tempos modernos de super lançamentos e super competição entre gigantes da tecnologia. Mas fica um tanto explícito para o público que há muitas formas de se manipular o mercado, a concorrência e desafetos em uma fogueira de vaidades que o filme Duplicidade (2009), de Tony Gilroy, dá conta com muito mais propriedade e charme.

domingo, 27 de outubro de 2013

Especial O quinto poder - Interesse público e público pouco interessado

O quinto poder, depois de ter dividido a crítica, registrou uma estreia pífia nos cinemas americanos. Mas muito mais pífia do que previam os mais pessimistas analistas da indústria. Mesmo com uma distribuição larga, o filme fez pouco mais de U$ 1 milhão de bilheteria no primeiro fim de semana. Analistas já ponderam se esse flop pesará contra a ascensão de Benedict Cumberbatch em Hollywood. Alarmismo à parte, o fracasso de O quinto poder nas premiações já era previsível depois da recepção mista em Toronto, mas há realmente condições de surpreender-se com o desempenho comercial risível do filme?
Já há algum tempo foi observado neste blog que O quinto poder era um filme difícil de ser vendido para plateias americanas. Em parte porque a personalidade de Julian Assange é bastante contestada na grande mídia de lá e em parte porque o momento do WikiLeaks, aquele momento de apoteose, já passou. Além do mais, o espectador médio não costuma ser tão politizado ao ponto de compartilhar de uma investigação ficcional como a que se propõe O quinto poder. Como não se produz nada em Hollywood hoje que não esteja adequado ao mercado internacional, as chances do filme em países com gostos cinematográficos mais afinados à agenda política tem maiores chances de abraçar o filme. De qualquer maneira, não é o tipo de filme para se aspirar grandes ganhos comerciais.

Cena de O quinto poder, o tipo de filme cujo sucesso é mais do que relativo...

A Disney emitiu nota declarando grande frustração com o desempenho do filme neste primeiro fim de semana. Analistas sugerem que as próximas cinebiografias de Assange (duas já estão no forno) poderiam ser prejudicadas. Esse transe coletivo oculta um dado muito mais alarmante. Os filmes feitos para adultos inteligentes não estão recebendo o apoio merecido e a leitura pertinente a seus propósitos.
Woody Allen, por exemplo, percebeu que é bom negócio lançar seus filmes nas férias de verão (época voltada para os blockbusters) e vem colecionando as melhores bilheterias de sua carreira. Mesmo lançamentos de grandes estúdios, quando de temáticas mais complexas, costumam ter um lançamento restrito a principio e depois ir expandindo. No caso de O quinto poder, com suas críticas divididas, o estúdio resolveu jogar logo todas as suas fichas. Lincoln, um filme basicamente falado e sobre tramoias políticas, dado como certo no Oscar e com direção de Steven Spielberg, teve um lançamento restrito em Nova Iorque e Los Angeles e depois foi expandindo. E se tratava de um filme de estúdio, não uma produção independente – afeita a esse tipo de lançamento. Lincoln acabou amealhando uma bela bilheteria, apesar de não ser, também, nenhuma unanimidade.
A hora mais escura, outro filme integrante da lista do Oscar 2013, também teve um lançamento restrito e contou com apoio fervoroso da crítica – americana em especial – mas não conseguiu atrair interesse do público. É justamente aí que se estabelece a relação com O quinto poder. Ambos os filmes apresentam temas polêmicos e que passam ao largo da escala de interesses do americano médio. Se A hora mais escura mostrava a caçada sem catarse por Osama Bin Laden e colocava a tortura no centro de um questionamento ético (mal elaborado), O quinto poder revela as origens do site Wikileaks e a ideologia defendida por seu mentor. Ao que relatam os maiores articulistas de jornais americanos e europeus, o maior problema de O quinto poder é justamente sua hesitação em tomar partidos. Crítica que poderia ser feita, mas não foi, pelo menos pela maioria da crítica americana, ao filme de Kathryn Bigelow.  

Cena de Argo, o último vencedor do Oscar, filme adulto com pegada pop e jeito de sátira, mas que quer falar sério. A bilheteria do filme surpreendeu analistas que até hoje não conseguem entender exatamente porque Argo fez tanto dinheiro, cerca de U$ 150 milhões somente nos EUA  

Jessica Chastain em ação em A hora mais escura, um dos filmes mais discutidos entre o fim de 2012 e o início de 2013, mas que não fez dinheiro. Se não fosse o Oscar, mal chegaria aos U$ 90 milhões que arrecadou. Argo, para ficar na comparação, completou sua carreira comercial antes das indicações ao Oscar

Meryl Streep e Steve Martin em cena de Simplesmente complicado, exemplo de comédia romântica inteligente feita para um público mais maduro e sofisticado: elas ainda são raridade em Hollywood

Aí se revela a paixão. Filmes adultos por natureza agregam esse aspecto à avaliação. Vira e mexe algum artista fala, e encontra eco na mídia, de que não se faz tantos filmes pensantes para adultos verem como antigamente. Até se faz. Ocorre que não se pode exigir deles o mesmo desempenho dos filmes que atingem faixas etárias mais contumazes no cinema. Outro aspecto é a falta de fé de estúdios, distribuidores e exibidores nesse produto. Conexão perigosa, que até pode não ser a melhor fita de espionagem da história e que estreou há duas semanas no Brasil, carrega a pecha de pior bilheteria da carreira de Harrison Ford. É um filme com uma ótima premissa e um desenvolvimento pobre, mas ainda assim um filme para um público mais sofisticado. Sofisticação narrativa, argumentativa e temática também pode ser vista em um filme como O capital, do grego Costa-Gravas que teve lançamento escondido nas salas de cinema paulistanas e não sobreviveu à agenda de lançamentos inflada pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Javier Bardem e Cameron Diaz em O conselheiro do crime: apesar do elenco estrelado, o filme para lá de hermético é um potencial fracasso de bilheteria

Há filmes bons e filmes ruins para adultos, assim como há filmes bons e ruins de super-heróis. Falta é uma referência mais sólida e adequada para se medir o interesse despertado por essas produções que não os números que servem como base para medir o sucesso da última comédia romântica ou o mais recente 007. Tanto A hora mais escura como O quinto poder, para ficarmos nos exemplos cabais desse artigo, renderam pautas e mais pautas na mídia internacional e ensejaram um debate de vida muito mais longa do que duas horas dentro do cinema.

sábado, 26 de outubro de 2013

Crítica - O conselheiro do crime

Onde os fracos não têm vez!

O conselheiro do crime (The counselor, EUA 2013) é daqueles filmes que incitam a polêmica se a autoria de um filme pertence ao diretor ou ao roteirista. No caso deste filme, em seu primeiro roteiro original para cinema, Cormac McCarthy impregna esse thriller pensativo e erguido sobre elipses, divagações e violência crua de seu DNA, fazendo com que o diretor Ridley Scott seja apenas um colaborador de luxo. Luxo, aliás, é o elenco do filme que conta com Michael Fassbender, Javier Bardem, Brad Pitt, Penélope Cruz e Cameron Diaz no melhor papel de sua carreira.
Fassbender faz um advogado que acha que é mais esperto do que de fato é. Ele acredita que pode nadar com tubarões e não ser devorado. Ele se envolve em uma negociação de uma carga de drogas que sairá da cidade de Juarez, no México, com destino a Chicago, nos EUA. Seus conselheiros e parceiros na empreitada são o exótico Reiner (Javier Bardem) e o não menos exótico Westray (Brad Pitt). Penélope Cruz faz Laura, a doce, apaixonada e aparentemente ingênua namorada do advogado vivido por Fassbender, cujo nome jamais é pronunciado em uma tentativa da realização de tornar tudo mais anônimo e, paradoxalmente, mais pessoal. Cameron Diaz surge como um affair de Reiner, que aos poucos vai se revelando mais misteriosa e perigosa do que um primeiro olhar faz crer.
O que difere O conselheiro do crime (mais um título nacional ruim. O ideal seria a tradução literal “O advogado”) de outros thrillers e tramas policiais é o seu ritmo e seu foco narrativo. A ideia de McCarthy e Scott jamais é acompanhar a ação que invariavelmente dá errado, mas observar a queda moral, psicológica e física de um homem que julgava compreender um mundo ao qual não pertencia. Não obstante, a partir desse contexto, ergue-se uma poderosa reflexão sobre morte – um dos temas mais estreitos e bem desenvolvidos da obra de McCarthy na literatura.

Bardem e Fassbender: dançando com a morte sob o forte signo das palavras, ameaças e aflições...

A sofisticação do argumento de O conselheiro do crime pode alienar boa parte do público já que os personagens se revelam pensadores prolixos, aflitos, receosos e frequentemente o que falam não produz sentido circunstancial, mas encaixa-se perfeitamente no todo, quando se tem o filme completo. É o pensamento de O conselheiro do crime, enquanto cinema, que se articula com força devastadora. Não por acaso, a única personagem do filme que não apresenta nenhum tipo de apreensão é a de Cameron Diaz e isso se tornará bastante ilustrativo de um comentário particularmente aterrador que emerge ao final da fita.
O conselheiro do crime talvez não seja a apoteose que o nome dos envolvidos fizesse crer, mas é um filme de inteligência rara e que apresenta outro artigo de luxo no cinema contemporâneo: não se preocupa em mastigar tudo para sua audiência. Muitas peças do quebra-cabeça falado, principalmente pelos ótimos personagens de Pitt e Bardem, só se montam na cabeça do espectador mais sagaz e compenetrado. É um tipo de cinema muito mais convidativo, sedutor e do qual desesperadamente precisamos. Ainda que, no limiar, muitos não saibam exatamente como apreciá-lo.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Filme em destaque - O conselheiro do crime

Michael Fassbender lidera elenco estrelado de filme dirigido por Ridley Scott e que carrega o hype de ser o primeiro roteiro original de Cormac McCarthy. Sensualidade, tensão, traição e violência embalam um dos filmes mais aguardados da temporada


“Era estranho beijar Penelope sob o pesado olhar de Javier Bardem. Tinha a sensação de que ele avançaria sobre mim a qualquer momento”, disse Michael Fassbender em entrevista à revista Entertainment Weekly sobre as gravações de O conselheiro do crime, filme que tem estreia mundial nessa sexta-feira (25). Michael Fassbender faz um advogado envolvido com o tráfico de drogas e faz, também, o namorado de Penelope Cruz. Javier Bardem faz um tipo misterioso que pode ser mais perigoso do que sua cabeleira estilosa sugere. O elenco do novo filme de Ridley Scott, no entanto, vai mais além. Além dessa trinca estrelada, Brad Pitt, Cameron Diaz, Bruno Ganz e Goran Visnjic completam o elenco.
Apesar da nata de atores, o maior atrativo dessa crônica de violência moderna (já descrito em alguns círculos como o entretenimento adulto de maior qualidade nos cinemas nessas semanas) está no roteiro. Trata-se do primeiro roteiro original de Cormac McCarthy, autor de obras consagradas adaptadas para o cinema como Onde os fracos não tem vez, para o cinema.
Violência, sensualidade e um elenco masculino com três dos atores mais festejados dos últimos tempos ampliam o leque de interesses despertado por O conselheiro do crime. A expectativa da Fox com o filme é tão grande, inclusive para o Oscar, que a janela de lançamento internacional foi harmonizada para que o boom do filme seja um só e sempre ascendente. A Fox, que não tem grandes filmes entre os comentados para a corrida pelo Oscar 2014, acredita que o pedigree de O conselheiro do crime pode falar mais alto – além de seu apelo comercial. Não seria a primeira vez que esse tipo de coisa aconteceria. Em 2006, a Warner não apostava suas fichas em Os infiltrados, de Martin Scorsese, que venceria o Oscar de melhor filme em 2007, e o lançou em outubro sem grandes destaques de marketing. Sete anos depois, outubro é alvo de grandes lançamentos com olho no Oscar (como Capitão Phillips, Gravidade, entre outros), fruto do estreitamento do calendário. A diferença entre Os infiltrados e O conselheiro do crime, é que a Fox – ainda que discretamente – acredita que seu filme pode ir mais longe.

Ridley Scott, na foto orientando Michael Fassbender e Javier Bardem, perdeu o irmão Tony Scott - que se suicidou - durante as filmagens de O conselheiro do crime. O filme é dedicado a sua memória 


Michael Fassbender foi a primeira e inegociável opção de Scott para o protagonismo de seu filme. Ambos estavam envolvidos nas filmagens de Prometheus (2012), quando Scott fez o convite. Com Fassbender tem sido assim. Ele trabalha com um diretor e esse diretor quer logo trabalhar com ele novamente. Ridley Scott e Steven McQueen são os exemplos mais notórios nesse momento.

Notório, aliás, seria se O conselheiro do crime consagrasse a primeira colaboração entre Brad Pitt e Angelina Jolie nas telas de cinema desde que juntaram os trapinhos. A ideia original era essa. Mas Angelina interpretaria a personagem que no filme é defendida por Cameron Diaz. Ela chegou a participar da pré-produção do filme, mas abandonou o projeto sem justificativas oficiais. Além de todo o hype inerente ao projeto, ainda seria o filme “brangelina”. Talvez tenha sido melhor assim.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Especial O quinto poder - Ele é o alvo das Cumberbitches



Ele é inglês. Não especialmente bonito. Seu signo é câncer e ele marca presença em alguns cânones nerds como O hobbit, Sherlock Holmes, Star Trek e no início da carreira contracenou com House (Hugh Laurie) antes de House ser House. Estamos falando, claro, de Benedict Cumberbatch; o ator mais quente da temporada.
Há na internet um grupo, autodenominado Cumberbitches, mais fanático do que o mais famoso Beliebers (seguidoras e crentes da Justin Bieber mania). Benedict Cumberbatch chegou a brincar em uma entrevista à revista Entertainment Weekly de que não temia retaliações do Wikileaks, por protagonizar o polêmico O quinto poder sobre as origens do site, justamente porque as Cumberbitches o protegeriam. 
Este é Benedict Cumberbatch. Um sujeito que até ontem você não conhecia, mas que você não consegue parar de falar a respeito tão logo pousa os olhos sobre ele. De carisma incrível, voz sedutora e charme certeiro, Cumberbatch vai se revelando um atorzão também. São 12 projetos até 2015, fora a participação na série britânica "Sherlock". J.J Abrams, que o dirigiu no último Star Trek (filme em que ele roubou a cena, aliás), disse que Cumberbatch é o melhor ator com quem já trabalhou. Não é pouca coisa. Não à toa, o diretor quer contar com ele no novo Star Wars.
Aos 37 anos, Cumberbatch parece ser mais um daqueles temporões de Hollywood. Ele já está aí faz tempo, principalmente em filmes ingleses como Desejo e reparação (2007), mas a grandeza agora lhe ensaia sorrisos generosos.
O Oscar pode estar no horizonte. O quinto poder rachou a crítica, mas o ator acolheu a unanimidade. Não obstante, integra o elenco de outros candidatíssimos da temporada como 12 years a slave e Álbum de família.

Da esquerda para a direita: arte conceitual inspirada no personagem de Cumberbatch em Star Trek; o ator como Julian Assange em O quinto poder; em foto ao lado de Ewan McGregor, um de seus colegas de elenco em Álbum de família e fazendo pose de galã (mas sem finalizar o cubo mágico)

Para viver o australiano Julian Assange, uma das personalidades mais polêmicas e misteriosas de nosso tempo, Cumberbatch não contou com a colaboração do biografado, mas fez um estudo aprofundado do homem se debruçando sobre a literatura disponível e, também, conversando com pessoas que fizeram parte da trajetória de Assange em algum momento. O grau de precisão da abordagem de Cumberbatch dessa figura tão curiosa e escorregadia impressiona muito além da semelhança física – bem adornada pelo trabalho de maquiagem - e do sotaque australiano perfeito. 
Em O quinto poder, o ator assume esse papel complexo que é, também, seu primeiro protagonismo no cinema. Vida longa ao rei das cumberbitches!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crítica - Obsessão

Ambição e umidade

Lee Daniels fez história não só por ser o segundo diretor negro indicado ao Oscar de direção, mas por levar o pequeno Preciosa – uma história de esperança (2009) à consagração no Oscar e junto a crítica. O filme, com mais virtudes do que defeitos, e a recepção calorosa a ele, ensejaram uma expectativa alarmante para a sequência da carreira de Daniels, até então produtor, como cineasta. Sob muitos aspectos, Obsessão (The paperboy, EUA 2012) é uma escolha ousada. Primeiro porque cristaliza a ambição de Daniels como cineasta ao enfileirar uma série de temas, segundo por ser essencialmente um drama de cores fortes, mas que vai além da retórica racial – contingenciamento algo voluntário no primeiro trabalho de Daniels como diretor. Há também a disposição de dar dois personagens essencialmente dramáticos a dois atores de pouca expressão nesse departamento: Zac Efron e Matthew McCounaughey – que quando gravou este filme ainda não colhia os louros da mudança de ares no cinemão ianque.
Esses aspectos já revelam o quão interessante Obsessão é enquanto experiência cinematográfica. Mas há outros predicados. Nicole Kidman como uma periguete quarentona com uma tara por prisioneiros tem uma personagem cheia de potencialidade, ainda que eventualmente subaproveitada pelo roteiro – escrito por Daniels em parceria com Peter Dexter. Há, ainda, como força motriz da história a paixão voraz de Jack (Efron), por essa mulher de fortes tendências manipuladoras e a espirituosa relação implícita nesse contexto à ausência materna. Há, também, a sombra dos conflitos raciais e um breve adendo da intolerância ao homossexualismo nos idos dos anos 60. Há uma trama policial, mal costurada, a conferir fluxo a toda essa postulação narrativa. O jornalista Ward (McCounaughey) volta a sua cidade natal para investigar a suspeita de que um homem no corredor da morte não teve um julgamento justo. Junto com seu irmão Jack, um jornalista de moral duvidosa (David Oyelowo) e a periguete vivida por Kidman constituem a última fronteira entre Hillary (John Cusack) e a cadeira elétrica. Esse caso interessa menos a Daniels do que a atmosfera daquela cidade e como ela influencia os personagens.

Nicole kidman, gemendo em cena (e tomando conta) de Obsessão: elenco em alto nível

Obsessão é feito para chocar. Fortuitamente e no acumulado. Essa disposição de falar em um tom mais grave se mostra um tanto diversionista. Daniels tem muitos objetivos com seu filme e não chega a atingi-los de maneira satisfatória em sua integralidade. Mas há mais pontos positivos do que negativos. Além da coragem de colocar personagens negros como moralmente desviados ou personificações da intolerância (um salto se comparado ao discurso de Preciosa), o diretor convence ao fazer um registro quente da sarjeta. Seus personagens são pobres de alma em busca de amor e redenção e vítimas de um calor inconsequente. Há muita umidade em Obsessão e o fato de você poder senti-la, a despeito dos pingos que escorrem do torso de Zac Efron (surpreendente no personagem), é um mérito de uma direção segura e ciente de seus propósitos.

Se a ambição desmedida afeta o resultado final de Obsessão, também coloca o filme como peça-chave na construção de uma carreira mais sólida, interessante e íngreme do que se imaginava em um primeiro momento.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Especial Gravidade - Repercutindo o filme

Gravidade está tendo um desempenho comercial superior ao esperado por estúdio e analistas da indústria. A consagração crítica, embora esperada, está sendo bem mais ampla e elogiosa do que muitos criam. Gravidade é um filme que será repercutido com certa insistência nos próximos meses, até porque dificilmente não figurará entre os players do próximo Oscar, e merece a teimosia. “Acredite! Nada me fará mais feliz em ver outro filme que chegue a este nível, técnico e emocional. Mas não temos tanta sorte assim…”, finalizou o jornalista e crítico de cinema Robert Sadovski em seu blog hospedado no portal Uol tentando dimensionar uma sensação que muita gente que respira cinema está tendo com o novo filme de Alfonso Cuarón. “O que eu mais gostei no filme foi exatamente a sua simplicidade. Não tem vilão, inimigo no espaço. Apenas a banalidade da existência”, disse o jornalista e comentarista do programa Manhattan Connection, Pedro Andrade.
Amanda Aouad, mestre em comunicação e cultura contemporânea e responsável pelo blog CinePipocaCult, observa em sua crítica que Gravidade faz por merecer os eufemismos e adjetivos elogiosos por valorizar “essa construção detalhada, que nos deixa juntos, à deriva  com a personagem de Bullock”.

Cuarón lá: dificilmente o mexicano não será um dos cinco diretores indicados ao Oscar no próximo ano

“As imagens do espaço, do planeta Terra e toda a ambientação ali é bem realizada. A fotografia impressiona e ambientação é cuidadosa, desde o detalhe da gravidade em si que coloca até as lágrimas para voarem como bolinhas de água pelo espaço, até construções mais poéticas como o Sol nascendo por trás da Terra, ou o planeta refletido no capacete dos astronautas”, continua Aouad. Para ela, a euforia com Gravidade se justifica pelo fato do filme demonstrar ser fruto de planejamento, algo raro no cinema atual.
Sadovski pontua outros pontos fortes da fita de Cuarón. “É emocionante, é denso, tem muito mais camadas do que aparenta, é um filme de arte sobre solidão e sobrevivência, é um filme de ação sobre solidão e sobrevivência. Vai contra as expectativas. E salta acima delas como uma obra prima do cinema moderno”.
A.O Scott, principal crítico do The New York Times, põe mais lenha na fogueira. “Você tem que ver, para acreditar! A conquista técnica supera os feitos alcançados com filmes como Avatar e A invenção de Hugo Cabret”. O crítico do The New York Times, no entanto, faz ressalvas quanto ao roteiro – com algumas gorduras e clichês – mas admite que eles não ferem de morte o coração do filme. O Boston Globe assinala que “depois de Gravidade parece que não há nada que Cuarón não possa fazer”.
A grande diferença entre Avatar e Gravidade, dois filmes banais na essência e complexos na forma e no desenvolvimento, é que Cuarón soube trabalhar o aspecto imersivo da tecnologia em um grau de detalhamento e aprofundamento que escapou a James Cameron. Estética e narrativa jamais foram tão complementares em um filme desde que David Lynch deu as caras no cinema de arte. A diferença é que Cuarón ainda teve o mérito de fazer dessa arte, dessa ode ao banal, algo de imenso apelo comercial.


domingo, 20 de outubro de 2013

Insight - Os bastidores da saída de Charlie Hunnam de "50 tons de cinza"

Uma das tônicas do noticiário que cobre os bastidores da indústria cinematográfica nessa semana que passou foi especular as razões que levaram Charlie Hunnam a desistir do “papel dos sonhos” da carreira. Por que, afinal, depois de longas e intensas negociações, Hunnam desistiu de viver o excêntrico milionário e adepto de sexo sadomasoquista Christian Grey na versão cinematográfica de "50 tons de cinza"?
Há muitas hipóteses e poucas certezas. A justificativa oficial é de que o ator estava preocupado em prejudicar a série "Sons of Anarchy", da qual é um dos protagonistas, com o apertado calendário de filmagens bifurcando as duas produções. Uma rápida pesquisa mostra que não é esse o caso. O estúdio Focus, os representantes legais de Hunnam e os produtores da série já haviam discutido e traçado um cronograma para “dividir” o ator que havia agradado a todas as partes. A imprensa de celebridades logo ventilou a “razão oficial” para todos os imbróglios desse tipo. Hunnam estaria insatisfeito com o grau de exposição ao qual fora submetido antes mesmo das filmagens (ele não queria virar um "novo Robert Pattinson"). Boatos davam conta de que a esposa de Hunnam, a designer de joias Morgana McNeils estava atribulada com o número de cenas sensuais do marido e, por que não, ligeiramente enciumada. Para fontes de publicações como People e US Weekly, ela exercia, ainda que sutilmente, pressão sobre o marido para abandonar o projeto.

 Preferido das fãs, Matt Bomer voltou a ser cogitado; no entanto, ele já havia sinalizado em outras oportunidades alguma resistência ao papel

Pressão, hesitação e um sorriso bonito: Hunnam: entre as muitas especulações, uma dá conta de que Hunnam está de olho em um grande papel que só seria seu se ele se desvinculasse de 50 tons de cinza

Outra vertente, ainda que relacionada a esta última, dá conta de que Hunnam teria uma série de restrições ao roteiro. Essa versão ganhou força pelo fato dos produtores terem anunciado Patrick Marber, roteirista de produções impecáveis como Notas sobre um escândalo (2006) e Closer - perto demais (2004). A troca de guarda na roteirização não teve maiores explicações, mas reforça a percepção de que a pré-produção do filme é muito mais conturbada do que os produtores deixam transparecer. Kelly Marcel, a roteirista que foi exatamente o primeiro nome confirmado na produção, não foi demitida, mas perde o controle criativo sobre o roteiro. Universal e Focus limitaram-se a informar que essa mudança foi ajustada, ainda que não anunciada, antes da saída de Hunnam do projeto.
Outros boatos dão conta de que Hunnam ficou com receio de ficar estigmatizado com o papel e outros de que abandonou o projeto para ficar a disposição de Guillermo Del Toro, seu amigo e que o dirigiu em Círculo de fogo, para projetos que ambos já vinham conversando.
Todos esses boatos são muitos superficiais, justamente porque se esmeram em considerações que um ator, ainda mais um ator que já tenha alguma experiência no ramo, faz antes de assinar um contrato e assumir um papel. Há, lógico, momentos em que o comportamento desejado não se impõe e uma atitude impensada põe todo um projeto a perder. Recentemente, e Claquete também cobriu isso de perto, a produção do filme Jane got a gun sofreu com uma série de dança das cadeiras e baixas injustificadas e muito mais midiáticas do que os entreveros que ocorrem aqui. Acontece que o tamanho de 50 tons de cinza torna tudo muito mais dramático.

1- Christian Cooke, 2 - Alexander Skarsgard, 3 - Scott Eastwood, 4 - Jamie Dornan: os novos bonitões comentados para estrelar o filme

O anúncio do novo protagonista deve ocorre nos próximos dias. São muitas as possibilidades e os nomes aventados são tão ou mais desconhecidos do grande público do que Hunnam. O que se percebe é o cuidado do estúdio em escolher um ator que já tenha feito cenas sensuais antes e que não apresente objeções a esse tipo de cena, abundante nos livros e, em teoria, no filme. Esse contexto favorece a interpretação de que houve, na verdade, uma combinação de fatores – com a preponderância da versão apontada pela imprensa de celebridades – que levou Hunnam a rescindir seu contrato.
Entre os nomes aventados se destacam Alexander Skarsgard ("True Blood"), Jamie Dornan ("The fall"), Christian Cooke ("Magic city") e François Arnaud ("The Borgias").  

sábado, 19 de outubro de 2013

Especial O quinto poder - Os barões do digital



A rede social foi o primeiro. Este ano, já tivemos Jobs, em que Ashton Kutcher emulou com diferentes resultados o criador da Apple Steve Jobs, Os estagiários, para o qual muita gente torceu o nariz por ser uma propaganda assumida (ainda que espirituosa) do Google, e agora O quinto poder, sobre a figura cercada de curiosidade e polêmicas de Julian Assange, o criador do Wikileaks. Em comum, esses filmes tem mais do que sua contemporaneidade e o fato de serem essencialmente sobre sites, revolução nos costumes, e as pessoas que estão por trás disso. Eles refletem uma mudança que está cada vez mais embrenhada em nossa sociedade. Sete das dez empresas mais poderosas do mundo estão ligadas ao digital e à internet de alguma forma, inclusive as duas primeiras (Apple e Google). O Wikileaks obteve protagonismo e pautou a mídia internacional e, em nítida influência da ação do Wikileaks, o ex-funcionário da NSA (agência de segurança nacional dos EUA), Edward Snowden faz o mesmo no tocante as acusações de espionagem pelos EUA.
A dinâmica mudou, a linguagem mudou e a sociedade está mudando nesse compasso. É esse novo status quo que o cinema hollywoodiano tenta capturar focalizando, em um primeiro momento, nos precursores dessa transformação. Há mais filmes sobre Assange e Jobs no forno. Há o Netflix, que enseja mudanças na regra do jogo, e toda uma expectativa sobre como os barões do digital vão mudar nosso jeito de viver e, claro, de ver filmes.
Nesse sentido, A rede social – o épico sobre ganância e empreendedorismo dos novos tempos urdido por David Fincher – é o principal parâmetro. O filme captura brilhantemente o espírito da geração y e sua maneira de se relacionar entre si e com as demais gerações. É esse o alicerce diegético emerso da nova realidade.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Crítica - Os suspeitos

Rimando tensão e conflito emocional

Hugh Jackman no início do ano, em plena campanha pelo Oscar (ao qual concorreu pelo filme Os miseráveis) disse que estava muito orgulhoso de produzir um filme que seria lançado no próximo outono do hemisfério norte. O filme em questão era Os suspeitos (Prisoners, EUA 2013), dirigido pelo canadense Denis Villeneuve. Trata-se de um drama familiar poderoso com fortes cargas de suspense e uma trama de mistério a tonificá-lo. Por qualquer ângulo que se observe, Os suspeitos (mais uma tradução infeliz da distribuição nacional para o muito mais elusivo e subliminar “prisioneiros” do original) é bom cinema. Ostenta narrativa de fôlego invejável, técnica bem urdida e um elenco afiadíssimo. Mas o filme tem outros trunfos. Enseja um debate que não se esgota com o fim da sessão.
Um almoço de Ação de Graças entre vizinhos dá início a uma corrida ao inferno quando as filhas pequenas dos casais vividos por Hugh Jackman e Maria Bello e Terrence Howard e Viola Davis são sequestradas, à luz do dia, e na rua de suas residências. A partir desse elemento detonador, Villeneuve acompanha tanto a investigação policial que tenta descobrir o paradeiro das meninas como a desintegração psicológica, emocional e moral do personagem de Jackman – um pai desesperado para achar sua filha.
Gyllenhaal e Jackman: atuações acima da média
Há, logo de partida, um suspeito. Paul Dano, ator de grandes predicados, faz um sujeito estranho que depois se descobre ter o QI de uma criança de dez anos, que estava estacionado com um trailer próximo ao local em que as meninas desapareceram. A suspeita parece infundada à medida que a investigação avança, mas o personagem de Jackman segue impassível na sua crença de que aquele homem sabe mais do que diz.
O material promocional do filme já mostra que limites serão cruzados e Jackman e Villeneuve, como dois artesãos do imponderável, constroem tensão única à medida que a irrigam com um conflito emocional multifacetado. Quando o certo se divorcia do justo? Quais os limites morais que um pai de família deve respeitar? A discussão tão propalada em torno de A hora mais escura (para citar outro filme concorrente ao Oscar 2013) surge muito mais inteira, vigorosa e aprofundada em Os suspeitos. Em parte porque tenciona o espectador a produzir um juízo de valor a respeito do que vê e lhe incomoda com a constatação de que aquele drama lhe é factível; enquanto que torturar afegãos em uma prisão secreta no Oriente Médio não.

A maneira como Villeneuve envolve sua plateia, tanto no drama do personagem de Jackman, como nos bastidores da investigação policial representada na figura de Jake Gyllenhaal, é vistosa. Mas não esconde alguns problemas da fita. Apesar de a investigação ter suas curvas, o saldo final dela é relativamente previsível. A trama policial, portanto, se revela elemento fragilizador de Os suspeitos enquanto cinema da mais alta qualidade. É um defeito potencializado pelo clímax com algumas reviravoltas mal desenvolvidas textualmente. Ainda que o final, a essa altura mais pragmático do que qualquer coisa, seja brilhante em sua irresolução e evite a sensação de decepção que se avizinhava.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Filme em destaque - Os suspeitos

A teoria na prática é outra...
Com estrelado e afiado elenco, Os suspeitos é um drama cheio de tensão e sem respostas fáceis que recupera o vigor do cinema adulto comercial hollywoodiano em 2013

E se fosse com você? Essa é uma pergunta que todo mundo já ouviu na vida. A resposta a ela, às vezes é sincera, às vezes é diversionista e, em alguns casos, jamais extrapola o campo da hipótese, em virtude da improbabilidade da pessoa questionada se encontrar nas circunstâncias que ensejam o exercício de imaginação. A ideia de Os suspeitos, lançamento nos cinemas brasileiros desta sexta-feira (18), não é exatamente nova. Em 1996, Ron Howard fez um filme muito bom em que Mel Gibson vivia um magnata e subvertia a lógica inerente ao sequestro ao disponibilizar uma vultosa recompensa por informações que levassem à captura dos criminosos. A discussão proposta por O preço de um resgate ainda é quente e perigosa. O que o filme dirigido por Denis Villeneuve propõe é menos espetaculoso, mas igualmente subversivo e o sequestro de uma criança, no caso duas, também é o elemento a mover seu raciocínio narrativo.
Hugh Jackman faz Keller Dover, pai de família suburbano, filho de um policial que se suicidou, pai de dois filhos e, para todos os efeitos, um cidadão exemplar. Quando sua filha e uma coleguinha são sequestradas na rua em que moram, ele decide, quando julga que a polícia não está fazendo o suficiente para resgatar sua filha, tomar medidas cabíveis em seu entendimento.
Não há pedidos de resgate aqui e Dover entende que seu único suspeito é seu único suspeito e que os fins justificam os meios. À medida que o tempo passa, mais Dover se vê entregue à obsessão de tirar a verdade de seu suspeito, mesmo quando surgem indícios bastante significativos de que Dover pode estar com a intuição descalibrada.
A partir desse momento, surge o outro trunfo do filme de Villeneuve, que o aparta ainda mais do drama dirigido por Ron Howard. A atenção à jornada obsessiva em que Dover, mas também o detetive destacado para o caso vivido por Jake Gyllenhaal mergulham. Gyllenhaal já havia feito um filme em que vive um tipo obsessivo por um caso policial. O filme em questão é Zodíaco (2007), de David Fincher. Na trama ele vivia o cartunista editorial do San Francisco Chronicle envolvido nas provocações do assassino do zodíaco, que assolou àquela região da Califórnia na fronteira dos anos 60 e 70.

Jackman, Gyllenhaal e Villeneuve batem aquele papo no set de Os suspeitos

Hugh Jackman já havia estrelado outro belo filme sobre obsessão. O grande truque (2006), de Christopher Nolan. Na fita, ele vivia um mágico que nutria grande rivalidade com o personagem de Christian Bale. A necessidade de prevalecer ante o outro, movia a trama. Com Os suspeitos, ambos oferecem um avanço nesse interessante recorte biográfico de suas carreiras. Na contrapartida, ao confeccionar esse pulsante suspense americano moderno, o canadense Denis Villeneuve dá sequência a uma questão nevrálgica em sua filmografia. Assim como no indicado ao Oscar de filme estrangeiro Incêndios, há a desestruturação familiar caótica a partir de um evento em particular.

Esses são elementos construtivos, mas não definidores, que tornam Os suspeitos, no contexto em que foi concebido, um filme muito mais significativo e eloquente do que aparenta ser.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Claquete repercute - Breaking bad


Você pode jamais ter ouvido falar de "Breaking bad" até duas semanas atrás, quando uma pandemia na internet e na mídia em geral alvissou tudo e todos com o fim da série que promoveu, quase que na total surdina, uma revolução nos padrões da televisão e na forma de se desenvolver uma narrativa.
"Breaking bad", a bem da verdade, desde seu início chamou atenção da crítica. Mas esteve à sombra da mais estilosa e verbal "Mad men" – a outra brilhante cria do canal americano AMC.  
Vince Gilligan, criador da série, costumava dizer que a ideia por trás do programa era mostrar a transformação de Mr. Chips (um professor de reputação ilibada e conhecido por ser bondoso) em Scarface (o famoso traficante de drogas implacável) – ambos saídos do cinema americano dos anos 30 e apenas duas breves referências da cinefilia exercida por Gilligan em seu programa. A crítica americana, antes mesmo do desfecho da série – que teve 62 episódios ao longo de cinco eletrizantes temporadas – já havia carimbado o sucesso do objetivo de Gilligan e referendado "Breaking bad" como a plataforma para a transformação, ou jornada, mais extraordinária a ter ganhado a tv.
É preciso ir além. A jornada de Walter White (Bryan Cranston) é o melhor desenvolvimento de personagem já feito. E ponto. Seja na literatura, no cinema ou na tv. De dimensões shakespearianas, a trajetória do professor de química pacato e banal que se transforma no mais temido e cruel traficante de drogas da fronteira entre o México e os EUA, é repleta de epifanias, metáforas e minuciosos insights sobre o absurdo da humanidade em toda a sua insignificância e efervescência.

Nenhuma série contemporânea conseguiu amealhar tanto sucesso de crítica e público de maneira simultânea e regular. "Breaking bad" não só o fez durante suas cinco temporadas, como extrapolou os limites do culto como sugerem esses cinco cartazes alternativos feito por fãs

Gilligan disse recentemente que a Netflix salvou a série. Essa afirmação tem a ver com aquela que abriu esse texto. "Breaking bad" iniciou sua jornada na tv com uma audiência de pouco mais de 1 milhão de espectadores e encerrou-a com um público superior a 10 milhões nos EUA e o recorde de 500 mil downloads ilegais em 12 horas. Além de pautar toda uma cobertura cultural que foi do New York Times à revista Veja.
Não. Não é "Lost"! "Breaking bad" revoluciona a tv não por ser um produto afeiçoado aos novos tempos de distribuição de conteúdo audiovisual e fóruns on-line, ainda que se beneficie das novas tendências, mas sim por ser a primeira a trabalhar o conceito de serialização em seu favor. De usar o tempo narrativo inerente a uma série de tv para desenvolver um personagem (no caso muitos) sempre com atenção ao ritmo da narrativa. Foi uma das primeiras a imprimir qualidade de cinema à tv. A direção, a fotografia, a montagem e a trilha sonora – para não chover no molhado em relação às atuações – ainda hoje se destacam na televisão americana pelo nível ímpar.
Ajudou, obviamente, o fato de que Gilligan estava plenamente consciente de onde queria chegar com seu personagem principal e com o programa como um todo. Essa consciência de tempo, espaço, ritmo e a humildade de ajustá-los às circunstâncias fez de "Breaking bad" um marco ainda mais insidioso em seu desfecho. O autor disse que o final foi concebido com atenção aos fãs, mas não foi um final feito para atender essencialmente aos fãs. Está aí uma valiosa, e rigorosa, diferença. O autor disse também que contou com a ajuda vital de Bryan Cranston na confecção de alguns pontos chaves da trama. Cranston, é bom que se deixe claro, é parte fundamental do sucesso de "Breaking bad". Ator espetacular, ele fez de Walter White mais do que um mito da cultura pop, o elevou ao patamar de grandes personagens da ficção. É até difícil falar de sua interpretação, tão simbiótica, tão aprofundada nos dilemas e fragilidades do ser humano, sem esmerar em linhas sociológicas diversas da análise crítica a que se propõe esse artigo.

O elenco comemora a vitória como melhor série dramática no Emmy 2013: a breaking bad fever foi irresistível para a Academia de TV dos EUA

"Breaking bad", grosso modo, está para a televisão americana como Cidadão Kane está para o cinema, de modo geral, no enquadramento que faz do anti-herói e na sua expertise narrativa ao desvelá-lo.
"Breaking bad" ainda apresenta o mérito de colocar seu espectador em uma situação desconfortável. Não cabe ao programa punir Walter White. O juízo que se impõe é exterior à série. O que se coloca é porque gostamos de Walter White? Por que torcemos por ele? Quando deixamos de torcer por ele? É uma questão de consciência e autoconhecimento que se impõe. Gilligan afasta o ranço moral, tão patrulhado na produção cultural contemporânea, de sua alçada e a transfere para o público.
No início, White começar a produzir e traficar metanfetamina para assegurar um futuro financeiro sólido para sua família, depois que descobre ser vítima de um câncer terminal no pulmão – mesmo sem jamais ter fumado. Lá pelo fim da segunda temporada, o câncer desaparece e White é obrigado a assumir suas escolhas – ciclo apenas completado no último episódio da série. Gilligan sabiamente retirou o elemento justificador das atitudes do personagem perante a audiência para que pudesse exercitar mais livremente suas ambições autorais. "Breaking bad" é sobre escolhas. Sobre como persegui-las. Sobre como conviver com elas e, obviamente, sobre as consequências que delas advêm.

Nunca houve na tv americana um programa tão bom, tão consistente, tão brilhante em suas articulações narrativas e tão fiel às propostas que o antecederam. Essa unicidade, aliada à tridimensionalidade de personagens tão bem desenvolvidos, coloca "Breaking bad" na esfera dos imortais. Em todas as mídias e para todos os públicos.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Especial O quinto poder - As versões da verdade



Por razões diversas, mas umbilicalmente ligadas à estratégia de operação do Wikileaks, o filme sobre a criação do site e seu idealizador atraíram interesses difusos e antagônicos desde seu anúncio. Julian Assange, que ainda não gozava de seu confinamento voluntário na embaixada equatoriana em Londres, não aprovou a ideia de ter um filme sobre sua figura realizado pelo cinema americano. Assange, admita ele ou não, é um forte oposicionista dos EUA no plano internacional. E a reciprocidade é verdadeira. De qualquer modo, um filme feito no esquema comercial hollywoodiano não necessariamente incorpora o discurso institucional, ainda que Hollywood seja o mais formidável exemplo de soft power disponível na atualidade.
A produção assinada por Bill Condon reúne um pequeno conglomerado de estúdios, os principais são DreamWorks, Relience Entertainment e  Participant Media, e se baseia em dois livros. São eles “Inside Wikileaks: my time with Julian Assange at the world´s most dangerous website”, de Daniel Domscheit-Berg e "Wikeleaks: inside Julian Assange´s war on secrecy", de David Leigh e Luke Harding. A adaptação para o cinema é assinada por John Singer.
Os dois livros fizeram razoável sucesso no meio editorial e não foram objeto de bravata de Assange na ocasião de seus lançamentos. Por certo, combinados ou independentes, proveem um painel muito mais complexo e irrigado do personagem e sua cria, o Wikileaks. Foi justamente essa a percepção dominante quando da estreia do filme no último festival de Toronto em setembro. A grande maioria da crítica torceu o nariz para o filme, especialmente a americana que gostaria que o filme tomasse partido. “O partido que fosse”, chegou a pontuar o jornal The Washington Post. Assange, à medida que se aproxima a estreia do filme (marcada para esta semana nos EUA), iniciou uma campanha pública de desmoralização nos mesmos moldes e rotina da que perpetra contra governos e grande empresas. Primeiro vazou o roteiro do filme com um memorando apontando as muitas falhas no texto. Depois divulgou uma carta enviada por ele ao protagonista do filme, Benedict Cumberbatch em resposta à abordagem deste para encontra-lo. A carta fora enviada em janeiro e tornada pública agora em outubro. Nela, Assange elogia Cumberbatch, mas ressalta (implicitamente) sua ingenuidade ao participar do filme.

Assange dirige-se para um pronunciamento na embaixada equatoriana em Londres: um homem que gosta de revelar segredos, desde que não seja os seus

No geral, as chances do filme chegar ao Oscar parecem reduzidas neste momento, para satisfação de Assange que adotou uma postura muito mais agressiva do que Mark Zuckerberg, outra figura polêmica a representar o “império digital” a ganhar um filme sobre si e sua cria.
Segundo Bill Condon, houve por parte da realização uma preocupação muito grande em evitar preconceitos e fórmulas convencionais de filmes de espionagem na confecção de O quinto poder. Por isso, a opção por se basear em livros jornalísticos. Frustrar a ampla maioria da crítica americana – Assange não é exatamente uma figura popular por lá – e também Julian Assange é um sinal de que a proposta pode não ter sido tão fracassada assim.