David O.Russell anunciou outro dia que terminou o roteiro de
um filme de terror que deve ser dirigido por Eli Roth. Outro dia Russell foi
indicado pela terceira vez em quatro anos ao Oscar de melhor diretor, coisa que
só gigantes como John Ford e Clint Eastwood conseguiram. Não é só. O diretor
tornou-se o único a ter conseguido 11 indicações para atores em três filmes
consecutivos que foram também nomeados a melhor filme. Russell é o único
diretor a ter conseguido nomeação para seu elenco em todas as categorias
interpretativas por dois filmes e, para deixar o recorde ainda mais bonito,
lançados em anos sequenciais.
O vencedor (2010), O lado bom da vida (2012) e Trapaça
(2013) constituem o que Russell gosta de chamar de trilogia da reinvenção. Em
uma dessas coincidências entre arte e vida, esses três filmes ajudaram a
consolidar a reinvenção de David O. Russell. Hoje queridinho da Academia,
Russell já colecionou desafetos e foi conhecido por seu gênio difícil. George
Clooney, um homem que coleciona admiradores e tem fama de afável, chegou a dar
uma gravata em Russell durante as filmagens de Três reis (1999). A fama de
difícil perdurou e ganhou novamente notoriedade quando vazou um vídeo do
diretor dando um esporro homérico na atriz Lily Tomlin no set de Huckabees: a
vida é uma comédia (2004).
Foi o amigo Mark Wahlberg quem ajudou Russell a capitalizar
sua reinvenção. Ele chamou o amigo para dirigir O vencedor e tirou Russell do
ostracismo que se enfiara por seis anos. Nesse período o diretor escreveu muita
coisa que já começa a ser disputada a tapa em Hollywood, inclusive uma ideia
original para uma série de tv.
Russell orienta Wahlberg e Bale no set de O vencedor, filme que caiu no gosto da comunidade artística e selou o início da nova, e próspera, fase do cineasta
Do temperamento difícil a diretor vastamente elogiado por
seus atores, algo se perdeu na tradução. "Russell é homem sensível. Seu cérebro
é incrível e ele é muito verdadeiro; expressa o que quer que esteja sentindo”,
revela o também amigo e cineasta Spike Jonze ao The Hollywood Reporter. “Ele
não tem filtro”, observa Jennifer Lawrence à mesma publicação, “ e é isso que
eu mais adoro nele”.
Russel tem consciência de que o mundo gira diferente para
ele hoje do que girava no início da década passada. “A vida me deu uma segunda
chance”, disse ao The Hollywood Reporter. Mas como tudo no universo, a segunda
chance de Russell tem um ritmo próprio. Há muita resistência ao cineasta. Ao
invés de louvar a façanha de emplacar duas comédias em anos consecutivos entre
os principais postulantes ao Oscar (comédia indicada a melhor filme é de uma raridade
atroz), houve quem rotulasse o diretor de superestimado por ter filmes “menores”
lembrados tão fartamente no Oscar. Outras provocações como “sub-Scorsese”
surgiram na esteira do lançamento de Trapaça, filme elogiado pela grande
maioria da crítica e abraçado pelo público. Mundialmente, a fita já supera os
U$ 200 milhões e se coloca atrás do blockbuster Gravidade como maior bilheteria
entre os filmes na disputa pelo Oscar de melhor filme.
O diretor e o elenco de seu mais recente filme: um cultivador de bons personagens e encantador de atores
A razão de tamanha resistência a Russell não reside
exatamente em seu “passado negro”. É algo mais relacionado à sua versatilidade.
Excelente diretor de atores, roteirista talentoso e com
olhar afiado para diálogos, ele pode ser a conjunção perfeita do melhor entre grandes figuras do cinema americano como Scorsese, Eastwood, Tarantino e Woody
Allen. Há quem ainda não identifique isso e há quem se recuse a reconhecer o
potencial substancioso de Russell, mas a verdade está lá. No rigor técnico e na
desenvoltura dramática de seus últimos trabalhos. Ainda que menos pretensiosos
do que seus primeiros filmes, essas produções sugerem um dos cineastas mais
completos e sensíveis do cinema atual.
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