domingo, 23 de fevereiro de 2014

Crítica - Ela


O importante é que emoções eu vivi...

Theodore (Joaquin Phoenix) escreve cartas de amor. Elas não precisam ser necessariamente de amor, mas clientes que precisam de cartas de amor compõem a clientela básica do Beautifulletters.com. Sabemos que estamos em uma ficção científica porque em um futuro próximo, bizarramente e melancolicamente parecido com o nosso presente, as pessoas enviam cartas, mesmo que paguem alguém para escrevê-las. Theodore leva jeito com as palavras; sabe transmitir sentimentos que não sãos seus com ternura e docilidade. No entanto, Theodore não consegue organizar satisfatoriamente seus sentimentos. Do tipo solitário, sua situação é agravada pela dificuldade que ele apresenta em superar o término de um relacionamento longo e significativo. Na verdade, Theodore não sabe exatamente se sente falta de Catherine (Rooney Mara) ou de quem ele era com ela.
Theodore é daqueles que confiam à tecnologia vigente as miudezas da vida. É seu sistema operacional quem escolhe as músicas que ouve, lhe apresenta as notícias do dia, a previsão do tempo, entre outras coisas. Quando um novo sistema operacional, com a promessa de ser mais intuitivo e ajustável à personalidade do dono é lançado, Theodore como um geek em todo o seu esplendor logo compra a novidade. Depois de algumas perguntas, as quais Theodore pouco contribui com respostas, Samantha emerge com a voz rouca, sensual e abrasadora de Scarlett Johansson.
A partir daí se estabelece uma dinâmica que aos poucos vai evoluindo para uma relação amorosa. A maneira como Jonze tece essa história de amor nada convencional é tão imaginativa como sensível. À medida que Samantha vai dominando não só os pensamentos como o cotidiano de Theodore, ele, a princípio, se sente renovado. Com o tempo, no entanto, ele começa a divagar sobre a natureza de seu sentimento por Samantha e se há, de fato, um futuro para eles.
No mundo criado por Jonze, os relacionamentos entre humanos e sistemas operacionais estão ficando populares e há até quem se ofereça como uma espécie de cupido moderno para dar corpo a uma relação incorpórea. Quando isso acontece com Samantha e Theodore, Ela (Her, EUA 2013) atinge um nível de sensibilidade em sua proposta maior que a vida.

Apaixonar-se é uma insanidade socialmente aceitável subscreve Jonze com seu filme em que Joaquin Phoenix se apaixona por seu sistema operacional. O que torna uma conexão real?

A principal razão de ser desse belo, dolorosamente romântico e profundamente poético filme de Spike Jonze é conjecturar sobre a incrível necessidade humana de se conectar. Ela é tão forte que se pluga até mesmo ao que não for real. Não se trata de uma crítica a esse tempo de hiper-conectividade (um tipo de conexão totalmente diferente, afinal), ainda que essa crítica possa ser apreciada em um dos muitos subtextos do filme.
Amar é não racionalizar, racionaliza Jonze com uma amargura que paradoxalmente faz Ela soar ainda mais doce. É particularmente saboroso constatar que Ela é uma resposta mais complexa, mais doída e mais bem urdida a Encontros e desencontros (2003), de Sofia Coppola. Sofia e Jonze foram casados e as coisas não deram muito certo. Essa DR cinematografia, com Scarlett Jonhansson como uma espécie de Easter egg torna os dois filmes especialmente significativos para toda uma geração de cinéfilos.
Por falar em trunfos, Joaquin Phoenix segue desafiando convenções. O que esse monstro da atuação não é capaz de fazer? Totalmente entregue a um personagem difícil, hermético e em um tom totalmente diferente de tudo que já fizera como ator, Phoenix é o coração de Ela. Sem ele, o filme talvez não se conectasse (conceito tão importante na narrativa de Jonze) com a audiência.
Morfologias à parte, Ela é o filme mais relevante da temporada por abordar o status quo de toda uma geração de maneira tão bela e suave. Fluindo entre o humor e o drama, Jonze faz um filme solar que sabe se alimentar da tristeza. Um filme especialmente eloquente para quem quer que já tenha amado.

5 comentários:

  1. Estou com muita vontade de assistir "Ela", mas ainda não estreou por aqui. Adorei seu texto. Parabéns!

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  2. Poxa, obrigado Ka. Vc vai se apaixonar pelo filme.
    Bjs

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  3. Também estou super curiosa quanto a este filme, a sua crítica veio a somar a outras que eu vinha vendo por aí e se bobear neste fds vou dar um jeito de assistir ;)

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  4. Rei
    Que texto maravilhoso! Como sempre, mais uma vez você capturou a alma do filme sem deixar de contextualizá-lo na grandiosa mis en scene da vida e do Cinema.
    Amei Ela. Um filme lindo porque fala sobre conexão, algo que nos faz chorar e rir. Adoro a forma como Theodore e Samantha se conectam, cultivam o amor com um companheirismo tão delicado, espontâneo. Uma das maiores belezas de Ela é mistura o solar e o melancólico. Spike é incrível!
    Beijos
    Cris Madam

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  5. Aline: Um dos filmes do ano seguramente. Quiçá da década!
    Bjs

    Cris: Obrigado pelo elogio Cris.Eu tb amei o filme.
    Bjs

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