O importante é que emoções eu
vivi...
Theodore (Joaquin Phoenix)
escreve cartas de amor. Elas não precisam ser necessariamente de amor, mas
clientes que precisam de cartas de amor compõem a clientela básica do
Beautifulletters.com. Sabemos que estamos em uma ficção científica porque em um
futuro próximo, bizarramente e melancolicamente parecido com o nosso presente,
as pessoas enviam cartas, mesmo que paguem alguém para escrevê-las. Theodore
leva jeito com as palavras; sabe transmitir sentimentos que não sãos seus com
ternura e docilidade. No entanto, Theodore não consegue organizar
satisfatoriamente seus sentimentos. Do tipo solitário, sua situação é agravada
pela dificuldade que ele apresenta em superar o término de um relacionamento
longo e significativo. Na verdade, Theodore não sabe exatamente se sente falta
de Catherine (Rooney Mara) ou de quem ele era com ela.
Theodore é daqueles que confiam à
tecnologia vigente as miudezas da vida. É seu sistema operacional quem escolhe
as músicas que ouve, lhe apresenta as notícias do dia, a previsão do tempo,
entre outras coisas. Quando um novo sistema operacional, com a promessa de ser
mais intuitivo e ajustável à personalidade do dono é lançado, Theodore como um geek
em todo o seu esplendor logo compra a novidade. Depois de algumas perguntas, as
quais Theodore pouco contribui com respostas, Samantha emerge com a voz rouca,
sensual e abrasadora de Scarlett Johansson.
A partir daí se estabelece uma
dinâmica que aos poucos vai evoluindo para uma relação amorosa. A maneira como
Jonze tece essa história de amor nada convencional é tão imaginativa como sensível.
À medida que Samantha vai dominando não só os pensamentos como o cotidiano de
Theodore, ele, a princípio, se sente renovado. Com o tempo, no entanto, ele
começa a divagar sobre a natureza de seu sentimento por Samantha e se há, de
fato, um futuro para eles.
No mundo criado por Jonze, os
relacionamentos entre humanos e sistemas operacionais estão ficando populares e
há até quem se ofereça como uma espécie de cupido moderno para dar corpo a uma
relação incorpórea. Quando isso acontece com Samantha e Theodore, Ela (Her, EUA
2013) atinge um nível de sensibilidade em sua proposta maior que a vida.
Apaixonar-se é uma insanidade socialmente aceitável subscreve Jonze com seu filme em que Joaquin Phoenix se apaixona por seu sistema operacional. O que torna uma conexão real?
A principal razão de ser desse
belo, dolorosamente romântico e profundamente poético filme de Spike Jonze é
conjecturar sobre a incrível necessidade humana de se conectar. Ela é tão forte
que se pluga até mesmo ao que não for real. Não se trata de uma crítica a esse
tempo de hiper-conectividade (um tipo de conexão totalmente diferente, afinal),
ainda que essa crítica possa ser apreciada em um dos muitos subtextos do filme.
Amar é não racionalizar,
racionaliza Jonze com uma amargura que paradoxalmente faz Ela soar ainda mais
doce. É particularmente saboroso constatar que Ela é uma resposta mais
complexa, mais doída e mais bem urdida a Encontros e desencontros (2003), de
Sofia Coppola. Sofia e Jonze foram casados e as coisas não deram muito certo. Essa
DR cinematografia, com Scarlett Jonhansson como uma espécie de Easter egg torna
os dois filmes especialmente significativos para toda uma geração de cinéfilos.
Por falar em trunfos, Joaquin
Phoenix segue desafiando convenções. O que esse monstro da atuação não é capaz
de fazer? Totalmente entregue a um personagem difícil, hermético e em um tom
totalmente diferente de tudo que já fizera como ator, Phoenix é o coração de
Ela. Sem ele, o filme talvez não se conectasse (conceito tão importante na
narrativa de Jonze) com a audiência.
Morfologias à parte, Ela é o
filme mais relevante da temporada por abordar o status quo de toda uma geração
de maneira tão bela e suave. Fluindo entre o humor e o drama, Jonze faz um
filme solar que sabe se alimentar da tristeza. Um filme especialmente eloquente
para quem quer que já tenha amado.
Estou com muita vontade de assistir "Ela", mas ainda não estreou por aqui. Adorei seu texto. Parabéns!
ResponderExcluirPoxa, obrigado Ka. Vc vai se apaixonar pelo filme.
ResponderExcluirBjs
Também estou super curiosa quanto a este filme, a sua crítica veio a somar a outras que eu vinha vendo por aí e se bobear neste fds vou dar um jeito de assistir ;)
ResponderExcluirRei
ResponderExcluirQue texto maravilhoso! Como sempre, mais uma vez você capturou a alma do filme sem deixar de contextualizá-lo na grandiosa mis en scene da vida e do Cinema.
Amei Ela. Um filme lindo porque fala sobre conexão, algo que nos faz chorar e rir. Adoro a forma como Theodore e Samantha se conectam, cultivam o amor com um companheirismo tão delicado, espontâneo. Uma das maiores belezas de Ela é mistura o solar e o melancólico. Spike é incrível!
Beijos
Cris Madam
Aline: Um dos filmes do ano seguramente. Quiçá da década!
ResponderExcluirBjs
Cris: Obrigado pelo elogio Cris.Eu tb amei o filme.
Bjs