terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Crítica - Para poucos

Amor e outras inquietações

É notório que o cinema francês se presta a análises mais liberais sobre relações amorosas do que qualquer outra cinematografia. Para poucos (Happy few, FRA 2010) é uma dessas análises que só os franceses poderiam fazer. Rachel (Marina Föis) e Franck (Roschdy Zem) conhecem e se enamoram pelo casal composto por Vincent (Nicolas Duvauchelle) e Teri (Élodie Bouchez). A ideia que move o filme de Antony Cordier, no entanto, não é adentrar a intimidade de swingers – até porque seus protagonistas não o são;  mas investigar uma concepção de liberdade, experimentação e plenitude que extrapola não só os parâmetros sociais, como os pessoais. As conexões que os personagens do filme experimentam excedem o mero prazer sexual. Não à toa, a medida que esse “relacionamento esquizofrênico” avança, a sensualidade sai de cena.
Cordier filma tudo com um naturalismo notável, explorando todas as alternativas que a proposta sugere.
Do pacto inquebrantável no primeiro momento à queda da sanidade mental e emocional quando os sentimentos já estão suficientemente difusos e eclipsados. Passando pela curiosidade, pela excitação, pelos ciúmes e mais um amontoado de circunstâncias e sentimentos que a direção decalca com sutileza e sofisticação.
Vincent e Rachel na cama: limites surgem naturalmente
Para poucos é um filme cuja construção dramática exige um olhar desprovido de preconceitos e disposto a acompanhar o mergulho que aqueles personagens dão em busca de algo mais. A fita começa com Rachel ponderando: “Por mais felizes que sejamos, estamos sempre a espera de algo que nos arrebate”. É do desenvolvimento dessa ideia que Para poucos se incumbe. Temos aqui dois casais de classe média, muito bem casados, com filhos e sem grandes inquietações existenciais. O que, então, os levaria a engajar-se em uma relação extra-conjugal, ainda que consentida? A resposta não vem mastigada e a beleza do filme de Cordier, que já havia feito em 2005 um filme com indagações semelhantes (A flor da pele), é que a resposta varia conforme as vivências do espectador e, também, suas convicções no campo do amor e suas licitudes.
Em Para poucos se testemunha um trabalho de direção muito rico. Cordier resiste à tentação de julgar seus personagens e também evita as vias mais fáceis do politicamente correto. A busca pela felicidade se esquiva da correção política e Cordier, no desenho de seus personagens, faz o mesmo. Ao final da sessão fica a estranha sensação de que não chegamos a lugar algum. Não nos é uma sensação estranha e certamente não somos os únicos sentindo isso.

4 comentários:

  1. Curioso seu texto. Ainda não tinha ouvido falar desse filme. Anotei a dica aqui! :)

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  2. Excelente Reinaldo! "Para Poucos" e tb "Margin Call" são filmes que já anotei para encerrar um ano cinéfilo. Relações amorosas verdadeiras são com os franceses (cinema europeu explana melhor sem clichês românticos) crise financeira é território dos americanos (Hollywood é a casa da moeda). Verei tb "Tudo Pelo Poder", uma fita que me parece mais ambiciosa sobre o poder do que crítica, mas depois de "Boa Noite e Boa Sorte" e "Confissões de Uma Mente Perigosa" sei do que Clooney é capaz de fazer como diretor (The ides of march pode seguir o mesmo caminho). Exceto em "O Amor Não tem Regras", em seus dois melhores filmes atrás das câmeras, ele soube muito bem usar tipos opostos de gêneros para expressar uma visão pessoal que vê da mídia e da política e com astúcia até sabe manipular.
    Atrações imperdíveis para se ver no cine!

    Abs.

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  3. Kamila: O filme é muito bom Ka. Está em cartaz em uma única sala paulistana.
    Bjs

    Rodrigo Mendes: Obrigado meu caro. É verdade, há ótimas opções nas salas de cinema ao fechar das cortinas de 2011.
    Abs

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  4. Gostaria de assistir, mas pelo visto, só em DVD porque no cinema ja foi.....Ficou muito pouco tempo em cartaz.......

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