segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Retrospectiva 2009 - Ponto crítico

A coluna Ponto crítico desse mês entra no clima do fim de ano. O momento é de olhar para esse ano de 2009 e ver o que ele trouxe de bom, de ruim, de surpreendente e de contraditório nessa fábrica de sonhos, e paixões, que é o cinema. Para passar o ano a limpo, Claquete recebe três críticos de cinema, e antes disso, cinéfilos incuráveis que abrilhantam esse blog com suas análises, divagações e percepções do que foi, afinal, 2009 nos cinemas. Ana Kamila Azevedo é editora do blog Cinéfila por Natureza, Eduardo Frota, jornalista e critico de cinema do Jornal do Brasil, também edita o blog Cinéfilo, eu? e, por fim, Bruno Soares, o responsável pelo blog que leva suas inicias BS movies. A pedido de Claquete os três falaram sobre os destaques de 2009. Demonstraram profundo senso critico e juntos construíram um inventário cinematográfico do ano.

“Uma tarefa complexa demais”

Balanço geral: “Fazer um balanço do ano é tarefa complexa demais. Acabo sempre deixando de fora um punhado de filmes que merecem destaque”, declara logo de inicio Eduardo Frota. O jornalista contextualiza sua opinião com um sintoma dos dias atuais: “O Festival Internacional do Rio deu um bom exemplo da quantidade de coisa interessante sendo filmada ao redor do mundo, mas que não chega aos olhos do público em geral”. Se para Eduardo muito do que teve de melhor no cinema, não chegou ao circuito comercial, para Bruno Soares aqueles que fizeram sucesso em festivais, em especial o de Cannes, e ganharam o circuitão foram destaque. Ele citou como os expoentes do ano Amantes (que participou do festival de Cannes de 2008), Bastardos inglórios (que ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes esse ano), A fita Branca (o vencedor da Palma de ouro desse ano) e Abraços partidos (que concorreu na seleção oficial do festival).

Quentin Tarantino, a direita de Diane Krueger,e seus bastardos: Uma unanimidade na crítica brasileira

Diretores consagrados: Tanto em Cannes, como no ano, tivemos diretores consagrados. O ano sem dúvida alguma foi marcado por figuras como Almodóvar, Tarantino e Lars Von Tier. Com Anticristo, o dinamarquês voltou às polêmicas. “Para mim é difícil falar de Lars Von Trier. Considero o cineasta como um dos maiores provocadores do nosso tempo. E, tratando-se de cinema, gosto muito de ser provocado, de sair de um lugar cômodo. O filme não é a melhor obra dele, mas ainda assim consegue imprimir beleza em um tema extremamente pesado. A estética de Von Trier é absolutamente única e incrível. No fim das contas, para mim, não se tratou de um filme de terror. É um filme sobre terror, visualmente impecável!” 2009 também foi o ano de Tarantino recuperar o status de gênio que lhe parecia escapar. “O que aconteceu na cabeça do Quentin Tarantino quando resolveu fazer um filme europeu?”, pergunta Bruno, para depois emendar a resposta: “A cada fotograma, Tarantino demonstra amor incondicional aos grandes mestres - Leone e os grandes nomes da Nouvelle Vague, François Truffaut, Jean-Luc Godard, entre outros.”
Amantes, do diretor James Gray, é outro filme americano de alma européia na avaliação de Bruno. “Ao contrário de Bastardos Inglórios, o filme se passa em solo americano, mas segue a mesma virtude autoral que o trabalho do Tarantino quando se conjuga através de uma visão de mundo particularíssima, exposta por personagens que, sem pressa alguma, desenvolvem toda a narrativa - um olhar ambicioso sobre a alienação e o ceticismo da geração que encara o amor como uma grande paranóia.”

A fita branca, vencedor da Palma de ouro em Cannes, foi um dos filmes mais festejados esse ano. Contudo, o filme ainda não estreou comercialmente no país

2009 também foi o ano de Almodóvar retomar sua parceria com sua atual musa, Penélope Cruz. Para Bruno, Almodóvar se desafia ao propor um cinema com veia investigativa, algo que não costuma pontuar a obra do cineasta. “Abraços Partidos, pode não ser tão redondo quanto os melhores filmes do diretor espanhol, mas conquista justamente por essa ambição romântica. Em Abraços Partidos, uma mulher entra e sai despercebida de uma sala porque tudo o que ela tem pra dizer já está sendo exposto por uma projeção. Em Abraços Partidos, um homem financia um longa-metragem pra que este lhe conte a verdade sobre sua relação conjugal. É o cinema pelo cinema”. Outro diretor que mereceu destaque em 2009 foi Michael Haneke. “Do Michael Haneke tivemos A fita branca, mas do Haneke nós já devemos esperar essa curiosidade em atingir os limites do cinema como narrativa, afinal o homem já fez Violência Gratuita e Caché, entre outras teses extremamente complexas sobre o cinema e a relação que essa arte tende a ter com o público”, contextualiza Bruno. Eduardo lembra ainda de um diretor, Werner Herzog, que esteve com dois filmes em Veneza e que teve um deles, Vicio frenético, exibido no festival do Rio e na Mostra de São Paulo. “É espetacular!”

Almodóvar e Lars Von Trier foram figuras centrais em um bom ano para os realizadores

Cinema nacional: O cinema nacional teve um ano de frutos nas bilheterias como bem lembra Ana Kamila: “O cinema brasileiro teve um ano bastante fértil em 2009, porém a maior constatação da indústria, nestes doze meses, foi o tanto que ela está fortalecida, uma vez que tivemos dois grandes sucessos de bilheteria neste ano: Se Eu Fosse Você 2, de Daniel Filho, e A Mulher Invisível, do diretor Cláudio Torres. Não por coincidência os dois filmes são comédias – gênero que é um dos preferidos do público em geral – e são apoiados por atores carismáticos como Glória Pires, Tony Ramos, Selton Mello e Luana Piovani”.
Ana Kamila aponta o novo filme de Heitor Dhalia como a melhor produção brasileira do ano, segundo ela o filme “conta uma história de apelo universal com imagens belas e um ritmo totalmente envolvente.” Isso deve-se, de acordo com a editora do Cinéfila por Natureza, a uma percepção de que há espaço, e público, para um cinema que fuja do mainstream. “Nesse sentido, se destacam filmes como À Deriva, de Heitor Dhalia, que joga um olhar sobre a transição entre infância e adolescência de uma jovem que está em plena crise familiar; e Apenas o Fim, primeiro filme do diretor e roteirista Matheus Souza, o qual emula gente como Richard Linklater, porém mostra um enorme potencial e que nos deixa bastante otimistas em relação ao futuro de nossa indústria cinematográfica.” O entendimento de Ana Kamila é endossado por Eduardo: “À deriva é o melhor filme nacional do ano. Aliás, um dos melhores do ano e ponto final. Heitor Dhalia se consagra como um dos grandes realizadores brasileiros. Roteiro, fotografia, atuações – é tudo convincente demais. Me lembrou os belos e fortes argumentos de Wim Wenders. Saí do cinema dolorido, extasiado, embasbacado. Um filme forte, intenso, tocante e escandalosamente bem feito”, exalta o crítico.
Justamente, por ter em mente a qualidade de À deriva, que Ana Kamila lamenta a escolha de Salve geral para ser o representante brasileiro na briga por uma indicação ao Oscar. “Representa a reunião de todos aqueles tiques e clichês presentes em alguns dos nossos mais bem-sucedidos filmes: a tentativa de fazer um retrato da violência, um dos problemas mais sérios da nossa sociedade, mas sem a coragem de um Cidade de Deus ou de um Tropa de Elite”. E a crítica lança o desafio: “Quando será que iremos aprender a destacar as singularidades de nossa indústria, como outras escolas da América Latina, especialmente a argentina?”

O Francês Vincent Cassel e a estreante Paula Neiva em cena de À deriva: Vem do Brasil, um dos melhores filmes do ano

Os documentários musicais, uma nova tendência: Mas o cinema brasileiro se fortaleceu. Um dos indicadores mais robustos dessa musculatura adquirida, é justamente o documentário. Além de Garapa, que nas palavras de Ana Kamila, “lança um olhar dilacerante sobre a fome ao acompanhar a rotina de famílias cearenses”, a música, em suas várias expressões, ganhou atenção do cinema. “Somente neste ano, foram lançadas obras como A Vida Até Parece uma Festa, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, que fala sobre os Titãs; Favela on Blast, de Leandro HBL e Wesley Pantz, que mostra o funk carioca; Loki, Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle, sobre o ex-integrante dos Mutantes; Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de Micael Langer, Cláudio Manoel e Calvito Leal, que tenta fazer justiça à história do cantor Wilson Simonal e Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, que enfoca o líder dos Paralamas do Sucesso”, lembra a editora do Cinéfila por Natureza.

As angústias de Caetano Veloso foram tema de Coração vagabundo: O documentário honrou a música brasileira em 2009

O melhor do resto: Mas o ano não foi só isso, é claro. Filmes como o sul coreano O caçador, o indie americano 500 dias com ela e o misto de ficção e documentário Entre os muros da escola também chamaram a atenção em um ano marcado por bilheterias homéricas de bruxos e robôs gigantes. O que motiva a reflexão de Bruno: “A verdade é que hoje Hollywood não sobrevive sem seus super-heróis. Mas o que fere a indústria como todo não é nem a dependência, mas sim o custo das produções atuais. Para cada Homem-Aranha feito, dezenas de projetos menores são deixados de lado. Não é à toa que Tarantino, sonhador nato, fugiu para longe dessa realidade.”

5 comentários:

  1. ADOREI a retrospectiva! Adorei mesmo! E estou em ótima companhia nesse balanço! Ficou perfeito, Reinaldo! Parabéns!!!

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  2. Obrigado pelas palavras Ka e Bruno. E principalmente, muito obrigado pela colaboração de vcs.

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  3. Reinaldo, que bacana que ficou o post. O texto flui bem, sem ficar cansativo! Ótimo! Ano que vem tem mais, né?

    Abs!

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  4. Obrigado Eduardo. Fico muito feliz pelo teu apoio e pelo teu reconhecimento. E sim, se deus quiser, ano que vem tem mais. ABS

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