Ode à construção de ambiguidades
Adaptado de um romance policial de Diego Paszkowski, Tese
sobre um homicídio (Tesis sobre um homicídio, ARG 2013) é daqueles filmes que
se beneficiam de sua matiz literária para elevar o alcance narrativo em uma
proposta sofisticada que combina os ardis do direito, em particular do direito
penal, à logica do thriller, cristalizando uma narrativa multifacetada que
privilegia a ambiguidade do registro.
É bem verdade que, uma vez ou outra, o diretor Hernán
Goldfrid pesa a mão; mas é louvável seu esforço para envolver o espectador em
uma narrativa tensa e cheia de pistas melindrosas para depois aturdi-lo com uma
indagação que cresce de tamanho terminada a sessão.
Ricardo Darín vive com sua inexpugnável competência Roberto
Bermudez, prestigiado professor de direito criminal que ministra um curso de
pós-graduação em
Buenos Aries. Vaidoso e egocêntrico, ele se interessa por um
homicídio que acontece nas dependências da universidade em que leciona. Mais:
enxerga na figura de Gonzalo Ruiz (Alberto Ammann), um aluno filho de um antigo
desafeto, alguém capaz de ter cometido o assassinato apenas para estabelecer
com ele um jogo sádico em que direito e ego se chocam e se complementam.
Daí em diante, o longa acompanha à completa e irrestrita
entrega de Bermudez à obsessão por desmascarar Gonzalo; ou antes disso,
verificar a eficiência de sua tese. A de que seu aluno é um psicopata e que
estabeleceu, por uma razão que pode ou não estar vinculada ao passado dos dois,
um jogo de gato e rato com ele. Ricardo Darín confere estofo dramático ao
destempero crescente de seu personagem, alcançando uma das melhores atuações de
sua carreira recente.
Atenção aos detalhes, recomenda o professor vivido por Darín...
O grande mérito do filme de Goldfrid, a despeito da
atmosfera noir tão rara na cinematografia latino-americana, é obrigar o
espectador a encampar o ponto de vista do protagonista por quase toda a
metragem da fita, para depois desarmá-lo da certeza do que acompanhou até
aquele momento. O interesse na ambiguidade, do ponto de vista narrativo, é
menos de esconder o ouro – como tradicional em tramas policiais dessa estirpe,
e mais em estabelecer uma análise “de ponta a cabeça” da subversão que uma
obsessão pode ocasionar na vida e na percepção de uma pessoa. Há, claro, um
final pretensamente aberto que muitos estão tomando como óbvio ou fruto de um
roteiro mal desenvolvido. O final, no entanto, é mais fechado do que muitos
imaginam e mais enfático da relatividade de certas verdades – especialmente no
direito (onde no escopo do filme duas teses antagônicas são erguidas) – do que
todos nós gostaríamos. Tese sobre um homicídio é, com toda a certeza, um dos
pontos altos de 2013 nos cinemas.
Curiosa, pena que ainda não chegou por aqui...
ResponderExcluirbjs