Amar no intransitivo
“Você deverá amar”, diz em certo momento de Amor pleno (To
the wonder, EUA 2012), o padre Quintana (Javier Bardem) em um off onipresente
no novo filme de Terrence Malick. “É um comando. Você não tem escolha”,
continua o religioso que vivencia uma crise em sua fé ao se questionar porque
há tanto mal e tristeza se Deus é só bondade. Quintana se angustia por não
sentir a presença divina e precisar falar dela. O padre Quintana está presente
no filme para fazer a unção entre o amor espiritual e o amor convencional que
dá cor ao nosso mundo e também ao filme de Malick.
Amor pleno é um Malick tradicional, ou seja, aquele filme
bom que é, também, um flerte perigoso com o tédio; em que planos perfeitos se
sucedem em uma colagem de imagens que favorece uma experiência sensorial difusa
daquela que a narrativa busca. É um Malick tão ambicioso quanto o de A árvore
da vida, que rendeu a Palma de ouro em 2011 ao diretor, mas é também um Malick
mais bem fundamentado. Não que haja respostas, Malick segue com sua curiosidade
filosófica e antropológica afiada e sem a autoimposição de produzir o sentido
que dele esperam, mas Amor pleno é um filme com mais corpo e densidade que o
era A árvore da vida.
O aspecto transcendental do ato de amar está lá. Emulado em
toda a sua energia, fluidez e imensidão. A natureza, tão cara a Malick, surge
como uma metáfora crua desse “amar”. Seja no geólogo que acompanha a
contaminação do solo em uma ação aparentemente descolada do eixo central do
filme, seja nas cenas de ondas chocando-se violentamente, ou de uma praia
enlameada.
Neil (Ben Affleck, mal dirigido e pouco à vontade) conhece
Marina (Olga Kurylenko) em Paris e se apaixonam. Ela tem uma filha e um
histórico ruim de relacionamentos. Ela vê em Neil, mais do que a esperança de
amar novamente, enxerga uma vida plena. Para isso, volta com ele para os EUA.
Neil, por seu turno, parece pouco à vontade com a presença dela. Ele não parece
decidido a engatar uma relação séria. Marina sente isso. Malick então começa
sua investigação sobre o egoísmo no amor. O amar demais, o amar de menos, o
amar por comodidade e outras reminiscências. Quando seu visto expira, Marina
volta para a França – sua filha vai morar com o pai em outro continente – e
Neil se aproxima de uma mulher que conheceu em sua juventude, Jane (Rachel
McAdams). Mas Neil não a quer também. Ele não sabe o que quer e esse é o
vértice menos trabalhado por Malick. O ponto de vista feminino, na ótima
interpretação de Olga Kurylenko, prevalece na narrativa. Talvez porque seja o
olhar feminino indecifrável e sedutor à curiosidade do cineasta, talvez porque
seja universalmente mais multifacetado e amplo. Certo é que Amor pleno arranha
divagações existenciais entusiasmantes como a ponderação de por que, afinal,
passamos a ter ojeriza de alguém que amamos tanto. Ou mesmo por que um
sentimento cheio de benevolências como o amor pode sufocar.
Sem final feliz: Amor pleno é um filme de extasiante beleza visual e franco incômodo narrativo em uma rima que facilita a identificação do público com os sentimentos dos personagens
A contingência, a loucura, a espiritualidade, a abnegação, a
doação... O amor em sua transparência de sentido aparece tão múltiplo quanto
refratário em Amor pleno, um filme que aposta em um diálogo tão sensorial e
absorto da lógica quanto a epopeia do filme anterior de Malick, mas que é muito
mais cinematográfico e discursivo –ainda que extremamente contemplativo - do
que seu antecessor. É um filme difícil de se gostar, mas daqueles cujas
qualidades não se pode negar.
Quase eu fui assistir, mas estava acompanhado e decidimos conferir "A Espuma dos Dias" de Michel Gondry e que aliás, é fantástico!
ResponderExcluirAdorei seu texto, como sempre sábio e crítico. Malick produzindo com mais rapidez do que outrora. Imagino o que me espera,veremos.
Abs.
Rodrigo: Ainda não vi "A espuma dos dias" e desconfio que só verei na tv por assinatura. Mas bom saber do teu feedback!E obrigado pelo feedback quanto a ´minha crítica tb. Vc é sempre uma bússola fidedigna.
ResponderExcluirAbs