Existência canibalizada
Bling ring – a gangue de Hollywood (The bling ring, EUA 2013) é uma
progressão natural do cinema de Sofia Coppola. É pop, aprofunda o olhar da
cineasta sobre o mundo da fama e acentua os interesses formais de sua
dramaturgia pelas divagações existenciais no mundo dos ricos e
famosos.
Baseado em uma reportagem da revista americana Vanity Fair,
Bling ring é um filme cuja maior ousadia é comportar em si todo o glamour que
objetiva criticar. Ou seja, Sofia se ressente de ir muito a fundo na crítica
que enseja com seu filme, talvez por se reconhecer no universo que retrata,
talvez porque antes da crítica venha o esforço, e genuíno interesse, de
compreensão desse mundo perdido entre dois universos. O dos mortais e dos
imortalizados pelo show business. A participação de Paris Hilton, que abriu sua
casa à produção e faz uma ponta no filme, nesse contexto, destaca esse aspecto
de retroalimentação que Bling ring se presta. É o feitiço de Narciso em sua
encarnação mais insinuante. Essa dialética, que passa incólume para muitos
observadores, torna Bling ring um filme muito mais interessante. Mais
concatenado. Mais senhor de sua essência. Ainda não é o filme que o talento de
Sofia Coppola, tão bem insinuado em Encontros e desencontros, pode ofertar, mas
é um passo consciencioso nesse sentido.
Como já se sabe, o filme acompanha um grupo de jovens de
classe média alta de condomínios ostensivos de Los Angeles que invadiam e
furtavam as casas de famosos quando eles estavam ausentes. O absurdo da
história ganha contornos ainda mais espetaculares porque eles localizavam a
casa de suas vítimas pelo google street view e sabiam de suas agendas pelo site
de fofocas TMZ. Esse tipo de culto, em que se se canibaliza ao máximo seu
ídolo, é um prato cheio para o cinema de questionamentos irresolutos de Sofia
Coppola. Rebecca, a personagem de Katie Chang, mentora intelectual da informal
gangue, não por caso se mira em Lindsay Lohan (conhecida por seus inúmeros
problemas emocionais), quando interrogada pelo policial quase surta para saber o
que Lindsay, afinal, havia comentado sobre ela. É aí, nesse particular
comentário, que Sofia Coppola brilha.
Pode não parecer, mas a atuação pontual de Emma Watson - como uma patricinha periguete deslumbrada - é um dos alicerces do novo filme de Sofia Coppola
A alienação da juventude atual, constantemente conectada na
internet em um ritual de auto-adoração frenética nas redes sociais, é a argila
perfeita para Sofia moldar suas reflexões (ainda que elas sejam as mesmas)
sobre esse universo tão perseguido nesse mundo de realities shows e toda sorte
de derivados da profecia de Andy Warhol.
A construção do filme favorece esse distópico caráter de
crítica e glamourização. É uma abordagem corajosa enfatizar o vazio da
existência e se deixar por ele seduzir. Costuma-se dizer que para se
entender determinada questão, deve-se procurar olhar com “outros olhos”. É o
que Sofia procura fazer aqui. Para depois retomar as alças do filme e oferecer
um contraponto até certo ponto esperado por quem se predispõe a assisti-lo.
Justamente por isso ela radicaliza alternando o desenvolvimento da ação, com o
recolhimento de depoimentos dos envolvidos por uma jornalista da Vanity Fair. É
uma maneira de lembrar o público que seu filme se trata, afinal, de uma versão.
Nesse sentido, os personagens de Emma Watson e Israel Broussard são pontuais.
Seus personagens, nos caminhos emocionais distintos que seguem depois que seus
delitos se tornam públicos, são as duas faces de uma moeda que todos, admitam
ou não, guardam em seus bolsos.
Bling ring, com um elenco no ponto certo, uma trilha sonora
eloquente, uma fotografia pulsante e uma direção que sabe precisamente aonde
quer chegar, é o filme mais maduro de Sofia Coppola. Ainda que não seja o
melhor.
Pois é, não entendo como ainda tem gente que diz que ela prefere não discutir o tema, apenas expondo fatos. A forma como ela expõe e nos faz observar a história, vai muito além da simples observação de fatos. Realmente não é o melhor da diretora, mas é um filme bastante maduro.
ResponderExcluirbjs
Pois é Amanda. Mas é preciso admitir que Sofia contribuiu para essa resistência. Agora, a maturidade que ela apresenta aqui é sinal de que seus detratoresficarão, em breve, desprovidos de matéri-prima.
ResponderExcluirBjs
Também não acho que ela tenha fugido de discutir o tema: deixar os personagens falaram por si é uma forma bem eloquente de expor um ponto de vista, uma vez, que as falas que são exibidas expõem um recorte da realidade feito pela cineasta. Gostei bastante do filme, embora ainda fique me perguntando, como devem fazer nossos pais e avós, "onde esse mundo vai parar", rsrsrs
ResponderExcluirAline: Complementou com brilhantismo o meu raciocínio por aqui...
ResponderExcluirbjs