Claquete, na expectativa de aprofundar a experiência cinematográfica que é Shame, propõe um debate acerca do filme em si e daquilo que ele oferece em matéria de cinema e reflexão
O título de Shame, filme que vem colecionando prêmios e polêmicas mundo afora, é resultado de uma pesquisa feita pelo diretor, roteirista e artista plástico Steve McQueen com viciados em sexo como parte da preparação para seu filme – cuja ideia havia sido apresentada a Michael Fassbender durante as filmagens de Hunger (2008).
Shame, como se poderia supor de um filme que se propõe a falar de sexo e a mostrá-lo despudoradamente no cinema, não é unanimidade. “Shame trafega entre a pornografia e a melancolia com requinte visual”, escreveu Luciano Ramos na crítica que fez do filme para o site Pipoca Moderna. “O filme não procura fazer julgamentos morais e nem fornecer explicações psicanalíticas. Apenas descreve o modo como isso (o vício em sexo) impede que o personagem seja minimamente feliz”, argumenta Ramos em seu texto. O crítico identificou referências a Michelangelo Antonioni na obra e a clássicos do cinema como O último tango em Paris e Noite vazia. Para Ramos, Shame é, antes de tudo, um exercício de estilo: “(McQueen) constrói determinadas cenas de sexo com extremo requinte de iluminação, câmara e montagem. Ou seja, aquilo que para o viciado é desonra e degradação, ao diretor serve de pretexto para exibir o seu virtuosismo audiovisual.”
O Crítico do Estado de São Paulo, Luiz Zanin não vê por essa óptica. O crítico opta por emoldurar o viés político de Shame. “Pela possibilidade de ter tudo, de adquirir tudo, do último gadget ao corpo de quem bem entende, tudo e todos, no fundo, perdem seu valor. Nessa relação histérica com a vida, quanto mais o personagem se satisfaz mais insatisfeito fica. É o grande paradoxo da sociedade desenvolvida, o seu grande vazio, afinal de contas. Shame é filme político, sim senhor”.
Percepção semelhante ostenta a versão nacional da revista Rolling Stone que, na crítica assinada por Érico Fuks, avaliza o olhar de Zanin: “Ao abrir mão do erotismo e intensificar o aspecto psicológico depressivo dos personagens, o diretor traz à luz outra questão. Enquanto o discurso das potências vende uma sociedade cada vez mais conectada, o filme destrói esse paradigma e traz um cenário de pessoas isoladas em sua apatia e suas obsessões. A retratação deste universo pós-moderno, em que o toca-discos de vinil convive ao lado de um notebook, reitera que, diante de uma sobrecarga de informações que incentivam o hedonismo, nunca o mundo passou por tanta falta de identidade”.
"O filme traz um cenário de pessoas isoladas em suas apatias e obsessões", escreveu a revista Rolling Stone brasileira
Mas há quem perceba em Shame um exercício desprovido de maior fundamentação crítica. A prestigiada crítica de cinema Isabela Boscov, da revista Veja, enxerga uma ode fetichista do cineasta a seu ator principal o que, segundo ela, daria nova dimensão até mesmo ao primeiro filme da dupla. A crítica do Jornal do Brasil não chega a ser tão reticente ao filme, mas o percebe sob os mesmo signos. “A montagem de Shame usa os truques disponíveis no mercado para deixar o espectador microscópico diante das peripécias sexuais de seu protagonista. Estamos ali, parados à porta do quarto, enquanto ele faz sexo selvagem diante da janela, ou sentados à cabeceira da cama, vendo uma prostituta cara se despir ao seu comando. Estamos também nos cantos escuros de uma boate gay e nos balcões dos bares de Nova Iorque, mexendo com a mulher alheia e apanhando junto com o personagem.
O final exasperante deixa o protagonista de joelhos, só e perdido. É uma espécie de vingança do roteiro de Steve McQueen e Abi Morgan. Todo aquele gozo e toda aquela luxúria inevitavelmente cobrariam seu preço, um alto e impagável”.
Esse moralismo aludido pela crítica do Jornal do Brasil não é verificado pelo crítico Cássio Starling Carlos que refuta o argumento aventado pelo texto do Jornal do Brasil: “O tema da compulsão poderia gerar um enésimo tratado moralista sobre o consumismo, a perda do sentimento amoroso, a superficialidade dos vínculos ou a liberdade forçada como último efeito de uma revolução sexual que deu numa plenitude de experiências não raro associadas à sensação de vazio. São questões sugeridas desde o título (vergonha, em português) até o desenho da culpa e do sofrimento seguido pelo roteiro de McQueen e da dramaturga Abi Morgan. Porém, tal como em Hunger, o aprisionamento emerge como uma camada mais profunda do que a ideologia puritana, refletida nas interpretações psicológicas que Shame pode gerar”. O crítico da Folha continua: “Em vez de justificar ou condenar moralmente seu personagem, as escolhas plásticas de McQueen trazem à tona o sentimento de estar preso”.
A estética do sexo: as corajosas opções estéticas de McQueen para seu filme são justamente reconhecidas pela crítica em sua maioria
O crítico do O Globo, Rodrigo Fonseca, endossa a atenção de Cássio Starling Carlos à estética de Shame: “Cada flerte é fotografado por Sean Bobbitt com o máximo de detalhismo, para que o espectador capte cada gesto de tensão de Brandon em sua tentativa de não deixar que o instinto atropele seu autocontrole. Na escolha das cores, sempre esmaecidas, e na direção de arte que valoriza lençóis amassados e suados, McQueen traduz as contradições de seu Werther antirromântico”. Fonseca finaliza: “ a estetização do corpo parece ter alcançado a lapidação plena em Shame”.
Shame é capaz de provocar reações tão adversas e polarizantes quanto a matéria prima da qual se apropria. É, independentemente do juízo que se faça dele, um filme que torna impossível lhe ser indiferente.
Quero muito conferir, uma pena que ainda não chegou por aqui.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com.br/
Um filme que sem dúvida tem rendido muito polêmica. Ainda não tive a oportunidade de conferir, mas tenho boas expectativas. Abs.
ResponderExcluirVocê já repercutindo e eu ainda não consegui ver, hehe. Sigo curiosa.
ResponderExcluirbjs
Adorei o texto.
ResponderExcluirSteve McQueen não é um diretor tímido. Hunger me impressionou bastante e agora ele consegue o mesmo efeito com Shame. Precisamos ficar de olho aberto com ele.
Michael Fassbender e Carey Mulligan são espetaculares, senti falta deles no Oscar 2012.
Oi Reinaldo,
ResponderExcluirÉ muito bacana ver essa sessão Repercurtindo Shame.Obrigada por compartilhar essas opiniões dos críticos. Esse apanhado geral joga luz a um filme que nos deixa só, um pouco na escuridão desse drama de Brandon. Com temas tão polarizantes, Shame só comprova como é bom Cinema. Eu concordo bastante com Luciano Ramos e com o Cassio Sterling, e também, apoio o Eric Fuks. A meu ver, o filme tem várias sutilezas estéticas e de linguagem que só enfatizam esse aprisonamento dos personagens, seja em seus vícios, seja em suas carências, Shame é um retrato muito depressivo mesmo. Vejo Brandon bastante aprisionado, incapaz de se comunicar até mesmo com a irmã, incapaz de se "conectar"... verdadeiramente, ele tenta se esforçar, mas em vão e isso é muito trágico.
Penso que há uma psicologia no filme que é possível analisar muito claramente, desde quando ele ouve New York, New York, até como ele reage ao conhecer a colega de trabalho (Nicole Beharie), passando como se sente com a presença da irmã e a overdose sexual mais adiante. Embora ele fuja dessa intimidade afetiva, eu sinto que ele tenta se libertar do vício até mesmo quando não consegue se libertar. Michael Fassbender atinge uma maturidade impressionante pois é um papel bem dificil.
Com relação ao erotismo, já sabemos que não há, mas na cena com a Nicole eu ainda penso que há uma tentativa de erotismo. Pelo menos, eu entro na cena e vejo algo mais excitante nela. O fato dela não adentrar um erotismo integral já a torna levemente erotizada para mim, no mínimo, dolorosamente fetichista.
Beijos
MaDam
Adorei a coletânea de críticas que você fez, com interpretações um tanto diferentes uma da outra, que comprovam a densidade de “Shame” e a forma como ele afeta a plateia. Ainda não tive a chance de conferir o filme, mas espero pacientemente pela estreia da obra nos cinemas da minha cidade.
ResponderExcluirBeijos!
Quero muito assistir a esse filme. Fiquei particularmente curioso quando ouvi elogios para Carey Mulligan, uma atriz que, infelizmente, só me decepcionou depois de "Educação".
ResponderExcluirRafael W: Uma pena msm, pq tem potencial para figurar entre os melhores filmes lançados no Brasil este ano.
ResponderExcluirAbs
Celo Silva: Espero que corresponda as suas expectativas.
Abs
Amanda:rsrs. Sorte aí!
bjs
Película Criativa: Obrigado. Tb senti falta deles no Oscar, especialmente de Fassbender melhor do que todos os concorrentes, exceto Clooney e Dujardin. E estou empolgadíssimo com McQueen.
bjs
Madame Lumière:Obrigado pelo riquíssimo comentário Madame. Modestamente, acho que essa é uma forma de contribuir para que Shame possa ser digerido a contento. É um filme que merece ser descoberto, discutido e analisado.
Bjs
Kamila:Paciência Ka, paciência... rsrs
Obrigado pelo reconhecimento.
Bjs
Matheus: Acho que aqui ela vai ganhar pontos contigo novamente. É seu melhor trabalho desde "Educação".
Abs