Violência com vocação poética
Talvez a melhor definição, certamente a mais curiosa, para Drive (EUA 2011) venha de seu diretor – o dinamarquês Nicolas Winding Refn: uma paródia da franquia Velozes e furiosos. Drive é, em sua superfície, um filme de ação decalcado dos anos 70, com um cavaleiro solitário embrenhado em uma espiral de violência da qual não pode se desviar. Mas o filme que rendeu a Refn a Palma de ouro de direção em Cannes – em um dos poucos prêmios justos da edição 2011 do festival francês – é muito mais do que essa homenagem enviesada.
Drive é uma viagem estilizada por uma Los Angeles marginal e cheia de sobretons. Desde a fotografia capciosa de Newton Thomas Siegel que valoriza os néons refletidos à noite enquanto o motorista ou garoto – como é chamado o personagem de Ryan Gosling – atravessa a cidade, até a hyper cool trilha sonora. O “garoto” é um sujeito bem introspectivo, que não tira um palito da boca, e que de dia é dublê e mecânico e à noite piloto de fuga para assaltantes que incrementam as estatísticas da criminalidade na cidade dos anjos. A característica que mais chama a atenção em relação ao garoto é sua contenção. Sempre tranquilo, controlado, o garoto não perde o controle nem quando descontrolado. Esse aparente paradoxo lhe injeta dramaticidade e vigor e Ryan Gosling faz misérias com personagem tão sedutor em termos dramáticos.
Gosling é o grande destaque da poesia de som, imagem e sangue que Nicolas Winding Refn compõe
Carente por conexões humanas, o garoto se envolve com sua vizinha, dimensionada com doçura pela sempre graciosa Carey Mulligan. Apesar de saber que ela tem um marido que sairá da prisão em breve, o garoto se aproxima como um animal arisco receoso com quem lhe oferta comida. O marido sai da prisão e o imponderável começa a ter vez na vida do garoto e do romance que ainda não havia se materializado. O garoto se voluntaria a ajudar o marido do objeto de seu afeto a quitar um débito contraído na prisão e daí para frente tudo sai errado. O garoto entra na mira de poderosos gângsteres locais (que também posam de benfeitores) em uma espiral de violência rabiscada com cores fortes - e cenas no mesmo compasso – por Refn.
Drive então se transforma. Mas não perde a ternura. Não deixa de ser um romance doído, mas salienta sua vocação para filme de ação – ainda que evite a catarse com rigor. O roteiro de Hossein Amini, baseado no livro homônimo de James Sallis, prioriza o desenvolvimento desse personagem – ainda que muito pouco sobre ele seja, de fato, apresentado ao público. Eis aí outro paradoxo que alimenta Drive enquanto experiência cinematográfica.
Ao fazer poesia com a violência Refn se vale de dois trunfos aparentemente inadequados. O primeiro deles é Albert Brooks. Magistral como o gangster que de benfeitor passa a algoz. São poucos os momentos de Brooks em cena, mas que momentos. O outro é Ryan Gosling. Ator expressivo, dentro e fora da tela, que se contêm ao extremo para trabalhar nas sutilezas do silêncio. É impressionante o que Gosling faz apenas com o olhar. Seja quando realça a veia romântica de seu personagem ou quando sublinha a gana adormecida dentro dele, Gosling leva Drive a um nível que só os grandes tenores da interpretação são capazes de conhecer.
Um dos filmes mais fascinantes desse início de década. Brilhante e surreal.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Oi, Reinaldo,
ResponderExcluirAssisti Drive ontem à noite e saí do cinema extasiada. Há quanto tempo eu não assistia a um filme tão incrível. Esse é o verdadeiro cinema norte-americano. Ele me lembrou muito o cinema anos 1960/1970 que o Peter Biskind tão bem descreveu em seu livro.
No mais, faço das suas as minhas palavras e mais: o motorista do Gosling já entrou para a minha galeria dos grandes personagens do cinema. Pode ter certeza que daqui há alguns anos esse filme será um cult.
Abs.
Gosto muito do Ryan Gosling, que, pra mim, é o melhor ator da geração dele. Só leio comentários maravilhosos sobre “Drive”. Uma das minhas amigas disse até que este é o melhor filme que ela viu em 2011. Pena que a obra teima em não estrear nos cinemas da minha cidade... :(
ResponderExcluirBeijos!
Além de adiarem muito a estreia do filme, a distribuidora ainda trata com descaso, distribuindo-o em poucos lugares, especialmente em Sampa. Uma pena... :(
ResponderExcluirBeijos!
Só pela face do Ryan Gosling e aquele beijo na mocinha já valem o ingresso. A direção do Refn é segura e precisa. Eu gostei e o filme é um típico cult (hoje me dia os cults já nascem antes mesmo de estrearem oficialmente em vídeo ou no cinema. Tive que baixar). Vou tentar rever, no cinema, em suas poucas salas. Uma pena que ficou fora do Oscar e levou uma indicação sem destaque.
ResponderExcluirSerá como um daqueles filmes discursivos como "Blade Runner", ninguém irá parar de comentar sobre este filme nas rodas cinéfilas.
Belo texto meu caro,
abraço.
Não tive como esperar a estréia do filme nos cinemas. Baixei e não me arrependi.
ResponderExcluirConcordo totalmente com a sua crítica e destaco como um dos grandes momentos a cena do elevador. A trilha é outro destaque em conjunto com a belíssima atuação de Gosling.
Considero o filme como uma releitura adaptada do herói americano dos anos 80, quase um cowboy nas ruas de Los Angeles.
Gostei de "Drive", mas continuo achando a Carey Mulligan extremamente repetitiva. Sem falar que Cliff Martinez já fez trilhas melhores que essa! Gosto mais do trabalho dele em "Contágio", por exemplo...
ResponderExcluirRafael W: Realmente brilhante!
ResponderExcluirAbs
Melissa:Concordo muito com seu comentário e agradeço por engrandecer minha crítica com ele. Gostei, particularmente da sua observação de que esse é realmente o cinema americano. Curioso é que foi preciso um diretor estrangeiro para resgatá-lo, né? E o personagem de Gosling tem mesmo todos os predicados para se tornar cult.
Bjs
Kamila: Pois é Ka, a expectativa de que o filme fosse contemplado no Oscar fez a distribuidora adiá-lo nos cinemas e, depois da não indicação, distribui-lo em escala consideravelmente menor.
Bjs
Mayara: Pois é Ma, foi como eu disse para Ka. Confiaram no Oscar e...
Bjs
Rodrigo Mendes: Obrigado meu caro. Acho que vc fez uma analogia perfeita com o status de Blade Runner. Acho que era um filme bem superior à média dos indicados a melhor filme...
Abs
Patrícia Stöher: Mais um perfeito comentário Patrícia. Filmaço que nos cativa e essa cena que vc mencionou é mesmo um dos pontos altos da fita.
Bjs
Matheus: rsrs. Estou ciente dessa sua, vamos chamar de resistência a Carey. Acho que ela ainda não conseguiu se desvencilhar de um tipo de papel muito homogênio,o que não quer dizer que lhe falte talento...
Tb gostei da trilha de Contágio, mas acho o trabalho de Cliff Martinez aqui melhor.
Abs
Parabéns pela ótima análise.
ResponderExcluirquem quiser conferir minha opiniãi:
"DRIVE"
Assistido e opinado em:
http://blogdofalandode.blogspot.com/2012/03/blog-post_12.html
Atenciosamente,
www.falandode.com.br
aos amigos que já assistiram o filme e desejam compartilhar suas opiniões fiquem á vontade:o espaço é nosso!