Dissimulação disforme!
Albert Nobbs (ING/IRL 2011) é um filme, adaptado de um conto do romancista George Moore, cheio de potencialidades dramáticas. Muitas delas alcançadas apenas em virtude do empenho crepuscular de Glenn Close, roteirista, produtora, protagonista e alma do filme dirigido por Rodrigo García – cineasta tão afeito a feminices como em Coisas que você pode dizer só de olhar para ela (2002) e Destinos ligados (2009).
Albert Nobbs flagra a personagem título (Glenn Close), mulher travestida de homem para trabalhar como garçom na Irlanda do século XIX, em momento capital de sua existência. Naquele momento em que permite ambicionar algo mais do que a mera sobrevivência. A poesia dessa interjeição é reforçada pelo contexto que García provê. Estamos em um hotel que atende clientes não necessariamente abastados, mas que gostam de experimentar as regalias da aristocracia. A encenação é algo poderoso em Albert Nobbs. Esse predicado habilita algumas das subleituras possíveis ao filme. A homossexualidade e as percepções divergentes que se tem dela poderiam ser mais bem trabalhadas pelo roteiro se esse fosse o objetivo primário. Não é. Interessa mais à realização iluminar personagem tão contraditória e tão rica quanto é Albert Nobbs. Mulher que de tanto dissimular perdeu-se de sua essência. De seus objetivos e quando confrontada novamente com eles, se afunda em uma ansiedade tão angustiante quanto desestabilizadora. Essa condição é favorecida da comparação inevitável entre Nobbs e Hubert Page (Janet McTeer), mulher que se faz homem e que parece muito mais a vontade do que Nobbs em sua composição.
Em frente ao espelho: Nobbs se perdeu de sua essência e não lembra exatamente quando
O que o filme de García ambiciona é construir um painel sobre repressão. Outro personagem, aparentemente pouco importante na trama, o médico beberrão vivido pelo irlandês Brendan Gleeson, corrobora esse argumento. O jogo de aparências é um fardo antiquado e frequentemente desmoralizante. É, de fato, um comentário mais robusto do que se Albert Nobbs se restringisse a esmiuçar o intimo de sua protagonista. Essa competência foi delegada a Glenn Close. Atriz que, em poço de contenção, trabalha a expressividade do olhar como poucas atrizes o fazem atualmente. Ela agrega sutileza a uma personagem sofrida, ingênua e ainda mais simplória do que esses adjetivos entregam. Ironicamente, Glenn Close transforma o filme. A partir de sua atuação, Albert Nobbs torna-se menos um filme sobre dissimulação e mais uma dissimulação em si. É um filme de potencialidades nunca alcançadas, mas beliscadas pela atriz que brilha na companhia da não menos extraordinária Janet McTeer. É um mérito que não parece essencialmente composto. Figura aí a grande qualidade do filme e seu maior defeito.
Glenn Close está realmente fantástica, a melhor atuação dela desde Atração Fatal. Mas o filme em si também vale a pena, apesar das irregularidades.
ResponderExcluirhttp://cinelupinha.blogspot.com/
Concordo totalmente com o seu texto, principalmente quanto a Glenn Close, pois ela é verdadeiramente a alma do filme. Janet McTeer, a meu ver, está canastrona, mas, mesmo assim, tragável. O problema é que o filme não se foca na protagonista, o que se mostra um grande problema.
ResponderExcluirÓtimo texto meu caro!
ResponderExcluir"Albert Nobbs" é um filme bom já que concordo com você que ele não alcançou tudo completamente, mas é fato que Close é quem alavanca a fita de certa forma, indicação merecida no Oscar de melhor Atriz (até gostaria que ganhasse Close não terá tantas chances como Streep), mas devo dizer que o trabalho de McTeer é muito notável também. Gostei também do retrato da época e toda a concepção do décor. Mas tem elementos no script que não faz do filme 100%... a própria alma de Nobbs dividida em dois sexos mesmo sendo o motivo da premissa, você aponta a questão da homossexualidade, enfim, peças que não foram muito bem amarradas e aprofundadas mesmo. De qualquer forma preciso de mais revisões, mas no geral eu gostei. Acima da média.
Perfeito você ressaltar em seu texto sobre a repressão, também vejo agora que foi neste ponto que o diretor Garcia queria chegar. "Coisas que você pode dizer só de olhar para ela" também é um filme bom, mas ele tem o mesmo probleminha de alcance como Nobbs. Revendo e comparando.
Abraço.
Boa observação sobre a questão da repressão e o ponto nunca alcançado pelo filme. Glenn Close e Janet McTeer estão mesmo ótimas, e não me incomodei delas acabarem transformando o filme em algo que para você foi um problema. Tem problemas, mas, no geral, achei um filme interessante.
ResponderExcluirbjs
Rafael W:Concordo plenamente com vc Rafael.
ResponderExcluirAbs
Luís:Acho que esse tom canastra era exatamente a camuflagem da personagem Luís... quanto ao filme não focar na personagem, eu discordo de vc. Acho que foca sim e, justamente por isso, perde algumas oportunidades.
Abs
Rodrigo Mendes: Obrigado Rodrigo. Pois é, as coisas ficaram um tanto desamarradas. Por isso digo que o filme passa a ser a própria simulação, parece um filme melhor do que de fato é...
Abs
Amanda:Não acho que elas transformaram um filme em um problema Amanda. Digo que, através do trabalho delas,o filme acaba revelando suas fragilidades - e são justamente elas os maiores trunfos da fita. É confuso, né? Mas ei, estamos falando de dissimulação!rsrs
bjs
olá, Reinaldo!
ResponderExcluiradorei o seu texto! vi diversas críticas, mas a sua foi a que mais me identifiquei. parabéns!
gostaria de publicá-la no meu blog, posso?! http://brgay.blogspot.com/
abraços,
Tatá
bom dia, Reinaldo!
Excluirfiz o post sobre o filme "albert nobbs" e acrescentei a sua crítica, claro que coloquei o devido crédito.
vou publicá-lo, espero que seja do seu agrado. caso não seja, por favor, me fale que retiro.
um abraço
Tatá
Tatá: Poxa! Obrigado pelos elogios e pela deferência Tatá. O maior prazer em exibir a crítica no seu blog.
ResponderExcluirAbs