Existem parcerias que não parecem parcerias. Essa afirmação é o elogio mais puro, justo e sincero que se pode emitir acerca da longeva parceria entre Spencer Tracy (1900 – 1967) e Katharine Hepburn (1907 – 2003). Amantes na vida real (embora nunca assumidos), eles recheavam as telas do cinema de química, conteúdo e qualidade. Foram nove filmes ao longo de duas décadas. Podiam ser dois filmes no mesmo ano (como no começo da parceria e da paixão) ou com um intervalo de cinco anos entre eles (obedecendo ao tempo que ficaram afastados e tiveram outros casos). A história de amor que viveram na vida real não perde em pompa e ressonância para algumas que estrelaram. Mas essas histórias não foram o único alicerce dessa prolífera e insidiosa parceria. O feminismo, a segunda guerra mundial, o preconceito racial, a tensão política provocada pelos nascentes sindicatos e a televisão, entre outros assuntos, foram alguns dos temas que Tracy e Katharine repercutiram em seus filmes. Sempre com desenvoltura e classe. Juntos também foram ao Oscar. Katherine Hepburn ganhou seu terceiro Oscar de melhor atriz por Adivinhe quem vem para jantar (1967). Tracy recebeu sua sexta indicação ao Oscar por esse filme. A consagração da academia veio com esse último filme que os dois fizeram juntos, embora seus filmes fossem habituês da cerimônia do Oscar. Na fita de Stanley Kramer, mais uma vez Spencer Tracy e Katharine Hepburn refletiam a nossa sociedade nas telas de cinema. No filme, Tracy faz um editor liberal e Hepburn sua esposa aristocrata que recebem a filha e seu namorado, personagem vivido por Sidney Poitier. Uma pungente história sobre preconceito racial. Repercutir as mudanças e tendências sociais era algo prodigioso e característico da parceria. Logo no primeiro filme da parceria, A mulher do dia (1942), esse aspecto foi evidenciado. Uma comédia romântica aguçada em que um colunista esportivo (Tracy) um tanto machista se apaixona pela moderna jornalista poliglota e viajada (Hepburn). Em Sem amor (1945), eles retomam o mesmo tema, mas sob um ponto de vista mais romântico. Em plena segunda guerra mundial, uma mulher presa a um casamento sem amor se envolve com o cientista para o qual trabalha. Foi Elia Kazan quem os dirigiu no filme mais completo sobre o tema. Em Terra de ambições (1947), uma mulher recém casada tem dificuldade de alinhar sua visão de mundo a do marido. Tudo ocorre no oeste americano, em uma poderosa metáfora das insurreições que estavam por vir.
O amor como ponto de partida: O mais nobre dos sentimentos era tema corrente nos filmes da dupla, mas não limitava a riqueza de assuntos abordados
Um misto de crise conjugal e circunstância política é capturado por Frank Capra em Sua esposa e o mundo (1948), produção indicada ao Oscar que mostra a ascensão política de um metalúrgico, destacado para concorrer à presidência, e o conflito pessoal e conjugal que essa condição acarreta.
Outro grande filme sobre conflitos conjugais partindo de situações externas é A costela de adão (1949). No terceiro filme que atuam sob direção de George Cukor, Tracy e Hepburn fazem marido e mulher que atuam de lados opostos em um tribunal do júri em um caso que a mulher assassinou o marido. Um filme providencial no comentário que faz sobre como um casamento está suscetível a influências externas.
Na década de 50, com o feminismo espraiando-se, fizeram dois filmes que abordavam o tema de frente. A mulher absoluta (1952) mostrava uma mulher relutante com o controle absoluto que o noivo queria lhe impor. Uma história que hoje apresenta uma moral frouxa e vacilante, mas ousou por em pauta um desafio à soberania masculina em uma época que isso era algo impensável.
O comentário ganhou sutileza em Amor eletrônico (1957) que abarcava na onda da TV, então grande sensação da época.
A morte de Spencer Tracy precipitou o fim da parceria, mas é possível imaginar que ela se postergasse. Cobrindo e refletindo os fenômenos sociais com carisma e talento. Nenhuma parceria entre atores resplandeceu tanto na era de ouro de Hollywood (em que parcerias do gênero eram contumazes) quanto essa de coração e alma entre Spencer Tracy e Katherine Hepburn.
Caixa de DVDs com alguns filmes da parceria: duas dessas já foram lançadas, inclusive, no mercado brasileiro
Poxa, teu texto tá maravilhoso! A Katharine Hepburn não é uma das minhas atrizes favoritas, mas é fato que essa parceria dela com o Spencer Tracy foi uma das mais marcantes do cinema. Acho que eles formavam um casal muito bom, se entendiam bem dentro e fora das telas e isso era refletido nos filmes que a gente assistia.
ResponderExcluirCasal mais bafão de Hollywood rs.
ResponderExcluirGosto muito de Núpcias de escândalo com Kath e Cary Grant .
Rei, quem sera que tem mais indicações, ela ou a Meryl Diva Streep ?
Texto ótimo de hoje,
beijoss
Kamila: Poxa Ka, brigadão mesmo. Fico feliz que tenha gostado. Katharine tb não é das minhas favoritas, mas é inegável seu brilho. e acho que brilhou demais junto de Spencer Tracy. Bjs
ResponderExcluirLaís: Super bafão!rsrs. E quem em são coinciÊncia não gosta de Núpcias de escândalo? rsrs. Só mostra o seu ótimo gosto cinematográfico! Então, quanto a perguntinha. Katherine Hepburn tem 13 indicações ao Oscar. Meryl Streep esse ano quebrou o próprio recorde ao atingir a décima sexta indicação. Ela quebrou o recorde de Kathrine com a indicação por O diabo veste Prada em 2006. Depois vieram Dúvida e Julie & Julia. Em compensação, Katharine tem 4 oscars. Todos como protagonista. É a recordista absoluta na categoria de atuação. Meryl que tem duas, como protagonista por A escolha de Sofia e como coadjuvante por Kramer vs Kramer não chega nem perto nesse quesito. Gente como Jack Nicholson (3 Oscars) e Tom Hanks (2 como protagonista) vem na frente.
Beijos
Dupla do barulho! Adoro A mulher do dia e A costela de Adão.
ResponderExcluirDe fato, grandes filmes Annastesia. Bjs
ResponderExcluirOlá, Reinaldo!
ResponderExcluirSemana atarefada essa minha. Ansiava por tempo para comentar teus textos. Mas agora, vamos lá...
Em hora, adorei o trocadilho "Podiam ser dois filmes no mesmo ano (como no começo da parceria e da paixão)...". Muito hilário!
Ademais, sempre soube que Hepburn recebeu 12 nomeações ao Oscar, e não 13! Por favor, confirme isto!
Também tenho quase certeza absoluta que, com "Adivinhe Quem Vem Para Jantar", Hepburn recebeu sua segunda estatueta, e não a terceira como informou o texto. Confira também!
...E acho que Tracy recebeu a sua 9ª indicação (póstuma) ao Oscar com este filme, e não a 6ª!
Um grande abraço!
=D