quinta-feira, 13 de março de 2014

Espaço Claquete - True Detective

A HBO vinha ficando para trás em matéria de originalidade e vanguarda na tv americana. Depois de reinventar, ou talvez seja melhor tirar o prefixo “re”, o conceito de dramaturgia na tv com "The Sopranos", a poderosa empresa vinha perdendo para redes mais novas como AMC – com "Breaking bad", "Mad men" e "The Walking Dead" , Showtime – "Dexter", "Weeds", "Californication" e tantas outras – e até Netflix – com "House of Cards". Eis que depois de igualar o jogo com boas produções como "Girls" e "Game of Thrones', a HBO volta a dominar um território em que reinou soberana por muito tempo com "True Detective".
A antologia, formato de série popularizado recentemente por "American Horror Story", revoluciona mais uma vez a linguagem televisiva no que pode ser sintetizado como “a melhor resposta a Breaking bad” feita por um programa de tv. "True Detective" é o flerte mais bem ensaiado entre literatura e tv. Chega a ser quase uma apropriação. Não só pelo ritmo e ambientação da narrativa, como pelos próprios interesses dramatúrgicos a moverem a trama. A investigação sobre um serial killer não é mais importante do que as inclinações morais e emocionais dos personagens principais ou da fixação da Louisiana, Estado em que a trama se desenvolve, como um personagem central e ativo na narrativa.
Escrita por Nic Pizzolatto, roteirista de poucos créditos, e dirigida em seus oito episódios por Cary Fukunaga – uma ousadia para a tv moderna – "True Detective" se destaca pela rigidez estética (ressaltada pela música coordenada com destreza mediúnica por T Bone Burnett), pela fotografia irresoluta de Adam Arkapaw e pelo forte viés filosófico a respaldar os episódios. Agregando estrutura de thriller à lógica de conto de fadas, o primeiro ano da série se deixa contaminar pela aura da Luisiana, o estado americano que mais aceita o fantástico. Werner Herzog já havia trabalhado bem este conceito no remake de Vício frenético (2009). Aqui, no entanto, Pizzolato vai além. O aspecto interiorano, o ar de decadência e o forte apelo religioso da região pairam sobre "True Detective" de modo a recrudescer tanto o principal mote da trama, como as angústias dos personagens.
Personagens, saliente-se, viscerais em suas imperfeições. Matthew McConaughey consegue a proeza de ser sutil em uma caracterização que por vezes parece um tanto over. Mas é só impressão. O ator arrebata na pele de Rust Cohle, detetive melancólico, pessimista, introspectivo e arredio que precisa se ajustar a seu parceiro no mesmo compasso que seu parceiro precisa se ajustar a ele.  Marty Hart, o parceiro em questão, é vivido com a habitual excelência por Woody Harrelson. Não é um personagem fácil, certamente menos chamativo do que Cohle, e Harrelson o humaniza de maneira notável.
"True Detective" rejeita o convencional com todas as suas forças. Não há desenho narrativo mais bem adornado na tv atualmente. Pizzolatto soube distanciar-se dos arquétipos disponíveis e bancou uma produção autoral, viva e com propriedades narrativas absolutas e reconhecíveis. É algo mais forte do que o que se vê no cinema, na tv e mesmo na literatura policial. É algo novo, genuíno e profundamente instigante. É bom, é cru, é inteligente. É, também, um problema. Pois com o segundo ano confirmado (história, personagens e atores serão diferentes) estabelece-se o imperativo de, ao menos, manter-se o nível. Não será uma missão fácil e a Luisiana, com seus furacões, crendices e torpor, podem ganhar ainda mais relevância em uma revisão histórica.

3 comentários:

  1. Tenho HBO e perdi por completo "True Detective", pois, quando me dei conta de que a série já tinha estreado, ela estava no terceiro capítulo. E eu odeio pegar as coisas no meio. Vou esperar pela reprise do programa, já que eu não costumo fazer downloads nem de filmes, muito menos de séries.

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  2. Belas palavras meu caro amigo. Estou devendo ainda True Detective e como não tenho HBO no meu pacote essencial de assinante pobre, rs, terei que me contentar em baixar. Muitos já me incentivaram a assistir, só leio elogios nas redes sociais e ainda temos o nosso muso Matthew McConaughey! O canal, de fato, teve um período de pouca repercussão, mas graças a Game of Thrones voltou com fôlego (e tb sempre fui fã de séries como OZ).

    Belíssimo texto. Informativo como sempre.

    Abraço.

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  3. Esta série não faz nada para confirmar que não há nada mais arrepiante do que os humanos. Uma série altamente recomendado, vale a pena ver. Esperar para ver a segunda temporada.

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