A HBO vinha ficando para trás em matéria de originalidade e
vanguarda na tv americana. Depois de reinventar, ou talvez seja melhor tirar o
prefixo “re”, o conceito de dramaturgia na tv com "The Sopranos", a poderosa
empresa vinha perdendo para redes mais novas como AMC – com "Breaking bad", "Mad
men" e "The Walking Dead" , Showtime – "Dexter", "Weeds", "Californication" e tantas
outras – e até Netflix – com "House of Cards". Eis que depois de igualar o jogo
com boas produções como "Girls" e "Game of Thrones', a HBO volta a dominar um
território em que reinou soberana por muito tempo com "True Detective".
A antologia, formato de série popularizado recentemente por "American Horror Story", revoluciona mais uma vez a linguagem televisiva no que
pode ser sintetizado como “a melhor resposta a Breaking bad” feita por um
programa de tv. "True Detective" é o flerte mais bem ensaiado entre literatura e
tv. Chega a ser quase uma apropriação. Não só pelo ritmo e ambientação da
narrativa, como pelos próprios interesses dramatúrgicos a moverem a trama. A
investigação sobre um serial killer não é mais importante do que as inclinações
morais e emocionais dos personagens principais ou da fixação da Louisiana,
Estado em que a trama se desenvolve, como um personagem central e ativo na
narrativa.
Escrita por Nic Pizzolatto, roteirista de poucos créditos, e
dirigida em seus oito episódios por Cary Fukunaga – uma ousadia para a tv
moderna – "True Detective" se destaca pela rigidez estética (ressaltada pela
música coordenada com destreza mediúnica por T Bone Burnett), pela fotografia
irresoluta de Adam Arkapaw e pelo forte viés filosófico a respaldar os
episódios. Agregando estrutura de thriller à lógica de conto de fadas, o
primeiro ano da série se deixa contaminar pela aura da Luisiana, o estado
americano que mais aceita o fantástico. Werner Herzog já havia trabalhado bem
este conceito no remake de Vício frenético (2009). Aqui, no entanto, Pizzolato
vai além. O aspecto interiorano, o ar de decadência e o forte apelo religioso da
região pairam sobre "True Detective" de modo a recrudescer tanto o principal mote
da trama, como as angústias dos personagens.
Personagens, saliente-se, viscerais em suas imperfeições.
Matthew McConaughey consegue a proeza de ser sutil em uma caracterização que
por vezes parece um tanto over. Mas é só impressão. O ator arrebata na pele de
Rust Cohle, detetive melancólico, pessimista, introspectivo e arredio que
precisa se ajustar a seu parceiro no mesmo compasso que seu parceiro precisa se
ajustar a ele. Marty Hart, o parceiro em questão, é vivido com a habitual
excelência por Woody Harrelson. Não é um personagem fácil, certamente menos
chamativo do que Cohle, e Harrelson o humaniza de maneira notável.
"True Detective" rejeita o convencional com todas as suas
forças. Não há desenho narrativo mais bem adornado na tv atualmente. Pizzolatto
soube distanciar-se dos arquétipos disponíveis e bancou uma produção autoral,
viva e com propriedades narrativas absolutas e reconhecíveis. É algo mais forte
do que o que se vê no cinema, na tv e mesmo na literatura policial. É algo
novo, genuíno e profundamente instigante. É bom, é cru, é inteligente. É,
também, um problema. Pois com o segundo ano confirmado (história, personagens e
atores serão diferentes) estabelece-se o imperativo de, ao menos, manter-se o
nível. Não será uma missão fácil e a Luisiana, com seus furacões, crendices e
torpor, podem ganhar ainda mais relevância em uma revisão histórica.
Tenho HBO e perdi por completo "True Detective", pois, quando me dei conta de que a série já tinha estreado, ela estava no terceiro capítulo. E eu odeio pegar as coisas no meio. Vou esperar pela reprise do programa, já que eu não costumo fazer downloads nem de filmes, muito menos de séries.
ResponderExcluirBelas palavras meu caro amigo. Estou devendo ainda True Detective e como não tenho HBO no meu pacote essencial de assinante pobre, rs, terei que me contentar em baixar. Muitos já me incentivaram a assistir, só leio elogios nas redes sociais e ainda temos o nosso muso Matthew McConaughey! O canal, de fato, teve um período de pouca repercussão, mas graças a Game of Thrones voltou com fôlego (e tb sempre fui fã de séries como OZ).
ResponderExcluirBelíssimo texto. Informativo como sempre.
Abraço.
Esta série não faz nada para confirmar que não há nada mais arrepiante do que os humanos. Uma série altamente recomendado, vale a pena ver. Esperar para ver a segunda temporada.
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