If I gonna
die, I wanna die with my boots on...
A opção pelo título em inglês não é um capricho, mas a
preservação da natureza de uma expressão que traduzida perderia o impacto. Ron
Woodroof (Matthew McConaughey) é um caubói e na singeleza de sua vida de macho
texano, a expressão em questão diz muito sobre a essência do personagem, mas
também sobre a essência de Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, EUA
2013), para todos os efeitos a grande surpresa da edição 2014 do Oscar com suas
seis indicações (filme, roteiro original, ator para Matthew McConaughey, ator
coadjuvante para Jared Leto, montagem e maquiagem).
O filme do diretor Jean-Marc Vallée é sobre a gana de viver.
Durante muito tempo, o roteiro de Clube de Compras Dallas, inegavelmente um dos
trunfos do filme, esteve incluso na famigerada blacklist de Hollywood, como é
conhecida a lista de “projetos malditos”. Um tema complexo, controverso ou um
texto caro, infilmável valem passaporte à democrática blacklist e Clube de Compras
Dallas demonstra com sua narrativa apaixonada, catártica e passional que é um
filme de paixão; um filme que brigou tanto por sua vida como o personagem ao
qual joga luz.
Essa é uma das belezas do filme que abre esplendidamente com
Ron fazendo sexo com duas mulheres, aparentando saúde fragilizada e fitando um
caubói tentando manter-se montado em um touro. A apresentação do personagem é o
casamento perfeito entre um texto ciente de seus objetivos e um intérprete
disposto a atendê-los.
Ron se descobre aidético e o filme opta por se ocupar menos
de sua raiva e mais de sua força de viver. Bronco e preconceituoso, Ron se
descobre engajado em fornecer drogas não aprovadas pelo governo americano, mas
satisfatoriamente manipuladas em outros países para pacientes com o vírus HIV.
A cruzada de Ron ganha simpatia porque ele não precisaria fazer aquilo e apenas
McConaughey, dominando um personagem tão abstrato em suas motivações, oferta a
humanidade que muitos desconfiam já não existir em nosso mundo.
É aí, nesse contexto, que muitos veem uma crítica feroz à
indústria farmacêutica e o conluio desta com as autoridades públicas na
aprovação de remédios. A crítica está lá, mas em momento algum ela recebe a
primazia da dramaturgia. Ron Woodroof está no comando do show e ele é um
personagem que reúne todas as condições de comandar a narrativa. Há uma cena em
que fica claro que apesar de estar fazendo o bem, o personagem é moralmente
desviado. Quando uma mulher que lhe atrai busca associação no clube que ele
montou para distribuir os remédios que trazia de outros países, ele faz sexo
com ela em uma clara sugestão da realização de que houve uma concessão da parte
dele que ele não fez, por exemplo, a um rapaz que só tinha U$ 50 e não os U$
400 necessários para ingressar no clube.
Esse despudor em apresentar um personagem em toda a sua
verdade e focar em uma história humanisticamente irrepreensível, configura
Clube de compras Dallas em um filme poderoso. Muito em parte pelo trabalho de
McConaughey que vai muito além da perda assustadora de peso. Dosando a emoção
da caracterização com precisão de equilibrista, o ator encontra em Jared Leto uma bússola.
Interessante ver como os dois atores se mostram generosos em cena.
Clube de compras Dallas é um filme que se justifica plenamente em sua
cena final. Aqueles com gana de viver, vivem.
Esse filme tem recebido uma recepção bastante irregular entre os colegas blogueiros cinéfilos. Pelo que ando lendo, alguns reclamam do desenvolvimento do roteiro... Você não teve esse problema. De todo jeito, minha curiosidade em relação a este filme diz respeito ao fato de que Matthew McConaughey e Jared Leto foram aclamados pelas suas respectivas performances.
ResponderExcluirAdorei a crítica, ela inclusive iluminou alguns pontos que eu não tinha captado quando assisti.
ResponderExcluirBjs
Belo texto, Reinaldo. Também concordo que o roteiro nos guia muito bem no mundo de Ron Woodroof e Matthew McConaughey faz ele ganhar vida de uma maneira esplêndida, assim como Jared Leto está muito bem.
ResponderExcluirbjs
Kamila: É um filme muito melhor do que se poderia imaginar Ka. Para mim, o roteiro - quem diria - é um dos trunfos do filme.
ResponderExcluirBjs
Aline: Poxa, como é bom ouvir (ler) isso. Obrigado!
Bjs
Amanda: Obrigado Amanda. Pois é, quando um bom roteiro, com um ótimo personagem, encontra um bom ator, a mistura fica muito boa...
bjs