Não se vê nenhum dinheiro aí...
Em um certo momento de Inside Llewyn Davis – balada de um
homem comum (Inside Llewyn Davis, EUA 2013), o empresário musical vivido por F.
Murray Abraham diz para Llewyn Davis, um homem que tenta aos trancos e
barrancos vingar como músico, que não vê nenhum dinheiro nele. De forma dura e
até mesmo cruel, o tipo avisa o procrastinado Davis que ele não tem o carisma e
a simpatia de um cantor solo. Que ele deveria voltar a fazer dupla com seu
antigo parceiro. O que o homem ignora, é que o antigo parceiro de Davis
se jogou da ponte George Washington. As pessoas costumam se jogar da ponte do
Brooklin, lhe desautoriza outro personagem, vivido com rabugice por John
Goodman. Esses dois recortes entregam: estamos em um território que os Coen conhecem
bem. Dos losers. Dos expelidos do sonho americano.
Os Coen se aferram a um fiapo de trama, um homem que quer
vingar na música no Greenwich Village de 1961, quando a cena folk emergia com
toda a sua força em Nova
Iorque , e que por razões diversas fracassa ruidosamente.
Flagrando seu protagonista o tempo todo, os Coen fazem um tour de force de
direção, uma raridade na cinematografia atual de fluxo constante e narrativa
congestionada, exaurindo uma ideia remota em um filme muito rico sobre um
zé-ninguém.
O caráter cíclico das andanças para lugar nenhum de Davis é
muito bem salientada no final do filme quando a audiência se convence de que
nenhuma catarse virá. Que Llewyn Davis continuará sendo o derrotado que sempre
foi. Mas por quê? A pergunta é menos capciosa do que aparenta ser. Davis é um
tipo autodestrutivo. A toda chance que tem de prosperar ele se sabota, ainda
que inconscientemente. Engravida a mulher do amigo que lhe estende a mão, abre
mão dos royalties de uma música apenas para ser pago na hora e comete outras
displicências no curso do filme. O que os Coen sugerem muito sutilmente, e todo o filme é construído sobre sutilezas, é de que Llewyn Davis não dá certo
na vida porque de alguma maneira quer dar errado. Há certa graça na sarjeta e
como a canção que abre o filme e anuncia o seu fim, a forca não é raiz das
preocupações de Davis, mas sim padecer eternamente no cemitério (um trabalho
fixo, uma vida regrada?).
Oscar Isaac como Llewyn Davis: um ator que aceita o desafio de se expressar nas miudezas...
Interpretações à parte, Inside Llewyn Davis não é um dos
highlights dos Coen, ainda que seja um filme digníssimo. É muito fácil entender
sua ausência no Oscar. Um protagonista antipático, maravilhosamente adensado
por Isaac, ator de fino trato e em franca ascensão, uma história que não chega
a lugar algum e que apresenta uma moral que os próprios Coen já ofereceram com
muito mais adrenalina em filmes como Um homem sério (2009) e O homem que não
estava lá (2000).
É um filme, enfim, para a cinefilia e para aqueles que
admiram a filmografia dos cineastas. Fora desse círculo, é um filme tacanho e
sem grandes aspirações, tal qual seu protagonista. Como um bom folk, o novo
filme dos Coen não é para todos os gostos.
Estou muito curiosa para assistir a este filme, porque acho que deve ser algo diferente na carreira dos irmãos Coen. Espero que estreie na minha cidade.
ResponderExcluirGostei bastante do trabalho do protagonista e saí do cinema me perguntando em que medida, não somos, cada um de nós, também um pouco fraude, meio que nossos maiores sabotadores.
ResponderExcluirPois é, quanto mais penso nesse filme, mais gosto dele. Sua interpretação é mais que precisa. Em seu inconsciente, ele curte estar na fossa, dormir em sofás emprestados, ser um pouco gato largado por aí.Quantas pessoas passam a vida se lamentando da má sorte? O sucesso parece assustar mesmo.
ResponderExcluirEnfim, já divaguei demais, rs, seu texto nos inspira a isso, tanto quanto o filme dos Coen.
bjs
Kamila: Espero que vc possa ver logo Ka. É um filme muito bom!
ResponderExcluirBjs
Aline:Oscar Isaac é desses atores para se observar. Assim como vc e a Amanda, comungo da mesma perspectiva dos Coen.
Bjs
Amanda: O brigado pela deferência. O ser humano é mesmo um bicho complicado e os Coen se fizeram em cima dessa máxima...
bjs