sexta-feira, 29 de março de 2013

Euro & Travelling

A noite americana

Não havia maneira melhor de estrear uma coluna que pretende abraçar o cinema europeu em toda a sua força e representatividade do que destacar o excepcional François Truffaut em sua primeira edição. Além de ser o principal vértice da Nouvelle Vague (movimento francês que elevou o cinema de autor), Truffaut é um cineasta que transpira cinefilia. Talvez por isso A noite americana (La nuit américane, FRA 1973) tenha lhe valido sua única indicação ao Oscar de melhor diretor. O filme, no geral, teve quatro indicações e venceu, com toda a justiça, o Oscar de melhor produção estrangeira.
O filme é uma valiosa declaração de amor ao cinema, mas é, também, uma rigorosa desglamourização do mesmo.
Truffaut faz Ferrand, um diretor de cinema às voltas com diversos problemas para produzir “Je vous presente Pamela”, que conta a história de uma jovem inglesa que troca o marido pelo sogro. A produção enfrenta todo tipo de problema. Desde o encolhimento do cronograma, a estrelas problemáticas, passando por extravio de copiões e outras situações inusitadas.
Truffaut realiza um filme com humor inteligente e verve dramática na mesma medida. Há ótimos insights sobre algumas maledicências dos bastidores de um filme como a percepção de ser uma Sodoma ou mesmo sobre os pesadelos do diretor com prazos e comparações.
Uma estonteante Jacqueline Bisset vive Julie Baker, a estrela inglesa com uma boa cota de escândalos na bagagem. O último foi o fato de ter se casado com seu médico, que por sua vez largou a família por ela. Ainda no tumultuado set de filmagens, o inseguro galã (Jean-Pierre Léaud), o veterano egocêntrico (Jean-Pierre Aumont), a diva em decadência (Valentina Cortese), além da figura opressivamente cômica do produtor Betrand (Jean Champion).
A tônica do filme é o desenrolar do cronograma de filmagens e a observação da condução, nem sempre delicada, mas frequentemente caótica de um set de filmagens pelo diretor. A noite americana, no entanto, é também um instrumento valioso para Truffaut declinar suas referências cinematográficas. Estão lá, alinhados das maneiras mais criativas e diversas, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, Francis Ford Coppola, Howard Hawks, entre outros.  
O cinema francês é o mais remissivo de arte autoral que se tem disponível. Até produções mais comerciais daquele país são tidas como manifesto artístico. Basta ver o recente Paris-Manhattan, que adicionou uma pitada de Woody Allen a sua receita e voilà, se subscreveu fora da França como um romance mais sofisticado do que fato é.

Truffaut, no centro de jaqueta e gravata, no set de A noite americana: o cinema francês deve muito ao realizador de, entre outros clássicos, Os incompreendidos

Essa percepção, desnecessário dizer, é reflexo direto da Nouvelle Vague e de filmes como A noite americana, que objetivaram transgredir as normas vigentes de produção de cinema comercial no país. Se parece absurdo relacionar um clássico de máxima potência como A noite americana a um filme inofensivo como Paris-Manhattan, é preciso atentar que não se fala da qualidade dos filmes, mas da percepção do mercado e da crítica internacionais a respeito. 

3 comentários:

  1. Ok, vou te desculpar da comparação, porque justificou bem no último parágrafo. hehehehe. Não consegui engolir tão bem Paris-Manhattan, um filme insonso, que tinha um argumento tão interessante.... Já A noite americana é um clássico digno de nossa história. Sempre gostei mais do olhar perspicaz de Truffaut do que da energia política de Godard.

    bjs

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  2. Reinaldo, parabéns por dar destaque a esse filme aqui. Apesar de ser um dos clássicos da história do cinema, nunca assisti!! Pretendo consertar esse erro em breve!

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  3. Amanda: O norte era mostrar que graças a filmes como "A noite americana", outros como "Paris-Manhattan" são distribuídos aqui como filmes artísticos...
    Tb sempre gostei mais de Truffaut do que de Godard.
    Bjs

    Kamila: Let´s get it on Ms.Ka!
    Bjs

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