Balé da infidelidade
"Anna Karenina" é uma obra clássica que a cada nova versão no
cinema aparenta esgotamento. Em parte pelas mudanças profundas pelas quais a
sociedade ocidental atravessou e em parte pela falta de frescor das adaptações
cada vez mais monocromáticas da obra-prima de Tolstói.
Joe Wright, que arrebatou ao adaptar com brilhantismo para o
cinema a "inadaptável" obra de Ian McEwan (Reparação) em Desejo e reparação, se
propôs a oxigenar a obra de Tolstoi em Anna Karenina (EUA 2012). Wright tem o pulso certo
dos romances de época. Já mostrou isso no referido Desejo e reparação (2007) e
em Orgulho e preconceito (2005). Novamente dirigindo Keira Knightley, no
entanto, ele aumenta os riscos ao ensejar a lógica teatral no filme. Sua Anna
Karenina é montada como em uma peça. A opção estética, por vezes dispersiva,
reforça o tom operístico do texto – que observa com lupa a aristocracia russa
do século XIX. No entanto, mostra-se um recurso custoso para uma produção que tropeça
em outros aspectos.
O principal deles é o elenco. Keira Knightley, confirmando
sua ascensão como intérprete, está bem como a protagonista imersa em dilema amoroso-existencial,
mas falta-lhe um comedimento que, por exemplo, sobra a Jude Law como Karenin, o
marido traído. Law reveste seu personagem com camadas que lhe desobrigam do
estereótipo. Jornada esta na qual Keira falha. Mas o grande problema em
termos de elenco é mesmo Aaron Taylor-Johnson, que é bom ator, diga-se. Johnson
está desconfortável como Vronsky e desconectado de um carisma que deveria
nortear o personagem e legitimar o charme o qual aludem os escritos de Tolstoi.
Seu poder de sedução, portanto, surge esvaziado; o que, a bem da verdade, é
minimizado pelo tom operístico da narrativa. Com o fluxo teatral privilegiado
por Wright, a inadequação de Johnson soa como um equívoco menor, mas não imperceptível.
Amor, aristocracia e infidelidade são conceitos que se confundem e se validam no filme de Wright que desglamouriza sua heroína
Efusivamente belo em sua ornamentação técnica, desde os vultosos
figurinos, passando pela fotografia esplendorosa e culminando na essencial
trilha sonora assinada por Dario Marianelli, Anna Karenina finalmente se
diferencia das versões anteriores do clássico russo ao expor a trajetória de
sua heroína como uma tragédia em que poesia e infidelidade se enamoram e se
distanciam. Está aí a grande força do filme de Wright: perguntar por que ao
amor. Por que Anna foi cruel com um homem que lhe era tão bom? A resposta
reside no paralelismo estabelecido com as tramas dos personagens coadjuvantes,
como Levin (Domhnall Gleeson) e Kitty (Alicia Vikander).
Anna Karenina, de Joe Wright não é o filme que poderia ser,
mas é uma produção corajosa sob muitos aspectos. Com erros e acertos que o
tornam um filme imperfeito, mas ainda assim admirável.
É, confesso que não tive coragem para conferir esse filme ainda por todas as questões que você aponta no início do texto e por também não conseguir me encantar por Keira Knightley. Talvez um dia.
ResponderExcluirbjs
Amanda: Digamos que Keira aqui facilite o seu desencanto por ela... rsrs. Mas o filme é bom, observado em seu devido espírito...
ResponderExcluirBjs
Com atraso...
ResponderExcluirEu não vou negar que adorei o filme. Achei inclusive que essa ambientação teatral só ajudou no desenvolvimento da produção, mas acredito que dependa muito de quem vê. Claro que tem um ritmo diferente, essa é a proposta.
O filme é técnicamente inpecável, a trilha sonora, a fotografia e o figurino são pontos altos inquestionáveis. Concordo que o balé entre Karenin, Anna e Vronsky é prejudicado pelos "ritmos" diferentes dos atores. Enquando a Keira aparece meio operistica, Judy Law aparentemente busca o ostracismo (O que será que foi?). Concordo que Aron apresenta-se desconfortável, sem aquele brilho nos olhos que fez com que Anna se apaixonase. Falta-lhe uma áurea. Falta-lhe a sedução em sí. Se for comparar, ele está muito melhor em Selvagens.
Ainda em relação à Keira, também tinha um "problema" com ela, mas comecei a achar que esse tipo de atuação seja desejada pelos diretores que conhecem as limitações da atriz e mesmo assim a chamam para os trabalhos. Ou existe uma ilusão do algo mais? Para mim, é estilo mesmo. ;)
Eu tb gostei do filme. Não foi uma adoração, mas fiquei bastante satisfeito com o resultado. Acho que como um espectador bastante tolerante a experimentações, apreciei a ambientação teatral, mas reconheço que ela é dispersiva, em alguns momentos, e acaba invertendo algumas das prioridades da narrativa.
ResponderExcluirNão entendi uma coisa: Você não gostou da performance do Jude Law? Eu gostei muito de sua composição.
Não tem um filme que eu tenha visto com Aaron que eu não tenha gostado dele. Ele está ótimo em Selvagens, que sei q vc viu recentemente, em O garoto de Liverpool, Kick ass e por aí vai... Acho q aqui bateu a insegurança e Wright não é exatamente notável pela direção de atores...
Quanto a Keira, vou ser franco. Ela já virou um "issue" aqui do blog. rsrs. Não gostava dela quando de seu surgimento, à época de "Bend it like Beckham" e "Rei arthur". Mas vejo com nitidez seu amadurecimento como intérprete. Repare em seus últimos trabalhos. Todos donos de uma consistência dramática (e muito mais desafiadores) do que outrora.
Muita gente a achou exagerada em "Um método perigoso", na minha avaliação seu melhor trabalho até hoje, mas basta conversar com um psiquiatra ou um historiador do período retratado para apurar a acuidade de sua construção. Keira vem melhorado bastante. E ainda vejo muito potencial. Mas precisa ser bem dirigida. Apesar da próspera parceria com Wright, não é com ele que ela vai aprender...
Bjs
Então Reinaldo,
ResponderExcluirSobre o Jude Law: o personagem dele me causou estranheza tanto na tela quanto no livro. Ainda não decidi se gosto ou não (com tendência para o sentimento negativo). No filme ele está aparentemente muito mais distante do que o personagem do livro. Hora eu penso e acredito que isso só contribuiu, noutra me deixa um pouco confusa. Acho que um mais de expressão seria interessante. Mas, ainda é um sentimento meio dúbio.
Sobre o Aaron, ele é uma descoberta. Realmente não tinha noção da história do ator. Já vi todos esses filmes citados, mas não havia ligado a figura dos personagens a ele. Para o bem da verdade, ele está muito bom mesmo em O garoto de Liverpool. E sim, vi Selvagens semana passada. Gostei muito do filme, com aquela cena do clímax que por um momento me confundiu, irritou e depois fez todo o sentido. rs
Como eu disse, me conformei com a Keira. Em Never Let Me Go ela apresentou uma faceta um pouco mais dramática, eu até gostei. Mas, acho que para melhorar ela tem que buscar personagens diferentes, se reinventar, logo. Pela carreira dela, se a intenção for mesmo essa, está mais do que na hora!