Confissões de uma academia em crise...
Humildade ou falta de autonomia? Ebulição institucional ou equilíbrio fora do comum? Quais as depreensões da vitória, previsível e ainda assim surpreendente, de Argo no Oscar 2013
O triunfo de Argo confirmou uma suspeita eriçada ao longo da
temporada de premiações. A de que o Oscar, a despeito dos esforços da direção
da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood para diminuir a influência de premiações periféricas e do marketing
avassalador dos estúdios, a instituição ainda é (muito) suscetível a esses fatores. O raciocínio é
simples: Quando os acadêmicos foram votar para definir os indicados, nenhum
prêmio de maior projeção havia sido entregue e apenas a lista do indicados ao
Globo de Ouro divulgada. Naquele momento, Argo não era um top contender para a
Academia. Sim, tinha sete indicações assim como as oito de Os miseráveis em
categorias que, assim como Argo, lhe deixavam no meio termo entre os figurantes
e aqueles que realmente brigavam pelo título de melhor filme. Passada a
consternação com a surpreendente exclusão de Ben Affleck dos indicados a
melhor diretor, teve início uma campanha irascível em sua naturalidade para a
vitória de Argo. Em parte pela solidariedade de outros setores da Academia para
com Affleck que se viram incumbidos da necessidade de remediar a franca omissão
do brunch de diretores da Academia (responsável por definir os indicados na
respectiva categoria); e, em parte, pelo fato de que ciente de que prêmios como
Globo de Ouro, Critic´s Choice Awards e os principais sindicatos de Hollywood
estavam se alinhando a Argo, a Academia – enquanto colegiado coletivo –
ensimesmou-se das reações adversas que se levantaria se continuasse a ignorar
um filme tão celebrado. A combinação desses dois fatores resultou em um Oscar previsível
quando se aguardava com alguma ansiedade pelo imprevisível. Condição esta
também fomentada pela antecipação das indicações por parte da Academia.
Efetivamente, à luz dos resultados da temporada, é possível dizer que essa
medida não surtiu efeito. Será preciso repensá-la mais adiante.
Incorreto, inteligente e ligeiramente amoral, o anfitrião do ano, Seth MacFarlane, não agradou à maioria da imprensa americana, mas foi o principal responsável pela elevação de audiência do Oscar nos EUA; principalmente entre a faixa demográfica chave (18-49 anos) que subiu quase 20% em relação a 2012
Se Argo não é o melhor filme do ano, ou mesmo entre os nove
finalistas, é uma escolha digna e que congrega a expressão do gosto médio dos
acadêmicos nesse momento. É um filme fácil de se gostar, que exalta a esperteza
americana e referencia Hollywood de maneira lisonjeira – ainda que não deixe a
crítica de lado. No entanto, será julgado pela história à sombra de toda essa
miscelânea que precedeu sua consagração. Ainda mais por ter sido apenas o
quarto filme a ter ganhado o prêmio principal sem ter tido seu diretor
indicado. Para ficar no único exemplo disponível nos últimos 60 anos,
Conduzindo miss Daisy (1989), que levou o prêmio de melhor filme sem que Bruce
Beresford tenha sido indicado a melhor diretor, é um dos vencedores mais
discutíveis da história do Oscar.
Reminiscências à parte, o Oscar 2013 já se enunciava
disputado. A ótima safra de estúdios e a ausência de um filme maiúsculo
sugeriam uma edição equilibrada e foi o que se viu. Com quatro Oscars (direção,
trilha sonora, fotografia e efeitos especiais), As aventuras de Pi foi o grande
vencedor da noite. Seguido por Argo que faturou os prêmios de filme, roteiro
adaptado e montagem. Ainda foram bem contemplados Os miseráveis (maquiagem, som
e atriz coadjuvante), Django livre (roteiro original e ator coadjuvante) e
Lincoln (ator e direção de arte). Este último, apesar dos dois prêmios, se
subscreve como um dos maiores perdedores da história do Oscar. Converteu em vitória
apenas duas de suas doze indicações. A bem da verdade, apesar da robustez
narrativa e do rigor técnico, o filme de Spielberg não era o tipo de material
que o Oscar costuma reconhecer. Seu favoritismo se alimentava mais do vazio de
grandes filmes e da força da grife Spielberg.
Com ótimos, mas sem grandes filmes, a Academia resolveu
segmentar seus prêmios. Contudo, poderia tê-lo feito de maneira mais calejada.
Optou pelo melhor ator entre os que concorriam ao prêmio, mas não
necessariamente pela melhor atuação. Não que se possa dizer que um prêmio à
assombrosa performance de Daniel Day Lewis seja injusto. O Oscar se viu até mesmo
em face de um improvável empate. O sexto de sua história. Foi na categoria de
edição de som entre os filmes A hora mais escura e Operação skyfall. O empate é
sintoma inegável do equilíbrio do ano verificado em muitas categorias. O choque
entre os eleitores liberais e conservadores, jovens e velhos, americanos e estrangeiros, propiciou alguns novos
paradigmas. Christoph Waltz, que venceu há três anos, voltou a prevalecer como
ator coadjuvante – em sua segunda indicação – em uma categoria marcada pelo
nível mais alto visto em anos.
A vitória de Waltz talvez não acontecesse em outra época.
Assim como a vitória de Tarantino, que sempre encontrou restrições entre os
conservadores, mas eles já não são maioria. Ao que tudo indica, o texto mais
fraco de Tarantino – e o mais fraco entre os roteiros originais – não foi
impedimento para que ele recebesse, 18 anos depois de Pulp Fiction, um novo
Oscar por roteiro. São mudanças graduais que vão se dando no pensamento da
Academia. Passa por aí, também, a opção de redimir Argo (e Ben Affleck) mesmo
depois de, em um primeiro momento, considerar o filme um competidor
circunstancial.
Peace out: a vitória de Tarantino não deixa de ser um sinal dos tempos de mudança pelos quais a maior premiação do cinema atravessa
O Oscar 2013, e as ilações que se podem fazer dele, sugerem
que a Academia experimenta algumas crises. A necessidade de reinvenção,
ensaiada com mais propriedade neste ano com a inserção do voto digital e do
host Seth MacFarlane, está à frente. Mas também a percepção que se tem do Oscar
na própria temporada de premiações. Está-se diante de um prêmio de chancela ou
de uma instituição com voz própria? Essa questão, no entanto, o Oscar 2013
anuviou.
Pra mim, o Oscar 2013 foi um tanto chato. Para uma festa que prometia ser imprevisível e com muitas surpresas, isso acabou sendo um pouco decepcionante. Achei coerente o fato da Academia ter dividido bem os prêmios entre alguns filmes, especialmente porque nós tivemos uma boa seleção de longas neste ano. Mas, acho que o tema "homenagem aos musicais" ficou um tanto forçado na premiação e, no geral, achei que o Seth MacFarlane fez um bom trabalho.
ResponderExcluirChato, chato eu não achei Ka. Mas antes fosse. Certamente seria melhor uma cerimônia chata do que uma premiação incoerente...
ResponderExcluirbjs