O ano de 2012 pregou uma pegadinha em cinéfilos, críticos e
em alguns cineastas. O ano reuniu os trabalhos sequenciais de muita gente que
vinha do pico de suas carreiras. Michael Haneke, por exemplo, vinha do soberbo
e irrevogável A fita branca (2009), um colosso de cinema sob qualquer ângulo
que se observe. A Palma de ouro em Cannes, e mais um punhado de prêmios
internacionais, pareciam coroar uma carreira pungente e acadêmica que ainda não
havia sido reconhecida a contento. Mas aí veio Amor.
Paul Thomas Anderson, por seu turno, havia atingido a glória
com Sangue negro (2007). Filme que para muitos críticos o levara ao panteão dos
diretores imortais. Não era preciso fazer mais nada; mas já que ele não decidiu
se aposentar, se investiu da necessidade de fazer algo minimamente compatível
com a imensa expectativa que um filme como Sangue Negro para sempre ensejaria
sobre sua obra futura. E aí veio O mestre.
Bastardos inglórios: o auge de Tarantino |
Outros cineastas prestigiados também se viram as voltas com
expectativas semelhantes em 2012. Christopher Nolan mudou a percepção que o
mundo tinha de adaptações de quadrinhos nos cinemas com O cavaleiro das trevas
(2008). Uma mudança muito mais profunda e complexa do que um primeiro olhar faz
crer. Ele fez A origem em 2010 que só fez aguçar a curiosidade pelo desfecho da
trilogia que para sempre será entoada como a obra máxima de Nolan. O cavaleiro
das trevas ressurge, no entanto, não sobreviveu às expectativas
desestabilizadoras que confluíram a seu encontro.
Outro arista americano revolucionário, Quentin Tarantino,
talvez ostentasse um desafio ainda maior. Mais icônico e reconhecido do que
Nolan, Tarantino apresentou ao mundo em 2009, sua obra prima: Bastardos
inglórios. O próprio, em recurso metalinguístico muito bem sacado admitiu isso
dentro do próprio filme – tamanha era a clareza de que aquele se tratava,
enfim, do auge de sua carreira. Django livre, a despeito do imenso sucesso de
público e das indicações ao Oscar, é uma curva descendente em relação a
Bastardos inglórios.
Esses quatro casos servem para dar nova dimensão a uma
angústia que marca boa parte dos diretores de cinema depois de apresentarem ao
mundo, aquilo que crítica, público e indústria chamam de obra-prima. Cineastas
como M.Night Shyamalan, para ficar em um exemplo bastante famoso, não sabem se
desvencilhar dessa arapuca.
Paul Thomas Anderson orienta Daniel Day Lewis no set de Sangue negro: auge da carreira ou de seu primeiro ciclo?
Paul Thomas Anderson orienta Joaquin Phoenix no set de O mestre: de quantas obras-primas uma carreira imortal necessita?
Atenção às similaridades
Salta aos olhos, o fato desses quatro cineastas serem
escritores/diretores e de gozarem de total liberdade em seus projetos. A falta
de liberdade é constante reclamação de Shyamalan e foi o que motivou Woody
Allen, por exemplo, a ir filmar na Europa.
Haneke e Anderson, em particular, obtiveram resultados muito
melhores do que Tarantino e Nolan com seus lançamentos de 2012. Amor, ainda que
não seja um filme tão importante em ramificações sociológicas quanto o é A fita
branca, apresenta predicados tão eloquentes quanto.
É um filme em
que Haneke mantém sua postura estética e o interesse sobre o
comportamento humano em face de circunstâncias adversas; ainda que tenha mudado
o escopo de análise, ele manteve firme seu olhar. A história do casal de idosos
às voltas com o desfalecimento da mulher não é, nesses termos aventados,
diferente do casal vítima de uma dupla de sádicos (Violência gratuita) ou de
uma vila consternada por uma série de ataques injustificados (A fita Branca).
O mesmo compasso serve para analisar o mais recente filme de
Paul Thomas Anderson. À parte a óbvia relação da religião ser parte proeminente
tanto em Sangue negro como em O mestre, Anderson alinhava personagens para
servir como parâmetro para um estudo minucioso da alma humana. De convenções
como ambição, pertencimento, ego, felicidade, capitalismo, entre outros. A
observação pode ser estendida para outras de suas obras como Magnólia (1999) e
Boogie Nights (1997). Mas é inegável que esses seus dois últimos filmes
dialogam em um nível muito particular. Nos arranjos do texto, porém, O mestre é
mais sofisticado.
Haneke de costas no set de Amor: fidelidade estética e liberdade temática |
Já Nolan e Tarantino se aproximam não só pelo fato de ambos
terem obtidos resultados menos satisfatórios em suas empreitadas posteriores as
suas obras-primas, mas por mais do que aprofundarem seus interesses narrativos,
reciclarem fórmulas bem sucedidas sem o mesmo apelo de outrora.
Tarantino nos tirou o fôlego ao reescrever a história em
Bastardos inglórios e conferir ao cinema uma importância redentora até então
inédita. Ele resolveu utilizar o mesmo recurso em um western spaghetti com um
escravo vingador no período pré-guerra civil americana. Se o rebuscamento de
Bastardos inglórios falta a Django livre, estão lá a presença luxuosa de
Christoph Waltz – a evocar Bastardos a todo o tempo – e o manancial de
referências cinematográficas e culturais que tanto acrescem ao cinema
tarantinesco. Se Django livre viesse ao mundo antes de Bastardos inglórios, os
dois filmes teriam melhor estima do que já ostentam. Na ordem real, Django
livre acaba por engrandecer o trabalho anterior de Tarantino.
Com Nolan acontece mais ou menos a mesma coisa. Ele filtra
muito da estrutura narrativa de seus dois maiores acertos (A origem e O cavaleiro das trevas) no desfecho da trilogia do Batman, mas não adensa o filme
dramaticamente. O conflito eriçado em O cavaleiro das trevas ressurge já surge
esgotado.
Christopher Nolan no set de O cavaleiro das trevas ressurge: uma trilogia dramaticamente esgotada em dois filmes
Positivo
É certo, porém, que esses quatro cineastas apresentaram em
2012 obras expressivas e catalisadoras de merecida atenção. São filmes que, em
alguns casos, não se comparam aos trabalhos anteriores, mas que ainda estão
acima da média dominante do cinema mundial. Mais do que qualquer coisa,
entretanto, esses cineastas demonstraram em 2012 que há, sim, vida depois da
obra-prima.
Uma excelente análise, Reinaldo! Parabéns! Acho que grandes cineastas estão sujeitos sempre a acertar e a errar, porque se arriscam, na maioria das vezes, a fazer algo que é diferente. Em relação aos diretores que você citou em seu texto, não posso falar pelo PT Anderson, pois ainda não assisti "O Mestre", mas concordo com o que você comentou sobre Christopher Nolan e Quentin Tarantino.
ResponderExcluirÓtimo artigo, Reinaldo!
ResponderExcluirSe fosse possível saber como só compor obras-primas, garanto-lhe que já teria ido atrás dessa maravilha, rsrsrs O jeito is just keeping walking, rsrs
Obrigado Aline e Kamila.
ResponderExcluirBjs