terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Crítica - A hora mais escura


Entre a cruz e a espada

Grande fomentador de polêmicas, A hora mais escura (Zero dark thirty, EUA 2012) não merece grande parte delas. Ao focar na caçada a Osama Bin Laden pelos EUA, Kathryn Bigelow simplifica alguns temas complexos pelos quais perpassa e o faz de maneira oportunista. Ela e Mark Boal, roteirista do longa, logo anunciam em meio a vozes do 11 de setembro que se trata de um filme-reportagem, baseado em fatos que ocorreram e foram colhidos por Boal, jornalista que já cobriu a ação americana no Afeganistão, mas também reclamam a liberdade de uma obra de ficção. Esse oportunismo custa caro a A hora mais escura. Primeiro porque falta interpretação ao filme – e por isso serve de combustível tanto para quem vê legitimidade no uso da tortura para combater o terrorismo como para quem condena essa prática. O filme não defende a tortura como muitos rotularam desde que foi lançado nos EUA, tampouco a condena. É apenas um registro oportunista e sem profundidade das escamas da guerra ao terror. Talvez por isso Bigelow, nas constantes defesas em que se viu incumbida de fazer do filme desde que ele foi lançado, morda e assopre conservadores e liberais. O problema estrutural de A hora mais escura não é seu aparente apartidarismo, é flagrante a simpatia da realização pela gestão Obama, mas a pobreza de contextualização filosófico-sociológica com a qual encampa o flagelo americano na guerra ao terror em geral, e na obsessão com Bin Laden, em particular.  Nesse sentido, a performance de Jessica Chastain é eloquente. Ótima atriz, Chastain – indicada ao Oscar por razões que excedem seu trabalho aqui – está deslocada. Pouco convincente como uma agente da CIA que vai se transformando e endurecendo à medida que a caçada a Bin Laden avança em anos. Chastain não consegue interiorizar os conflitos éticos e morais de um país e, dessa maneira, torna-se uma espécie de relatoria do filme – que padece do mesmo problema.

Jessica Chastain e Kyle Chandler: o elenco coadjuvante não decepciona, mas a atriz não acerta o tom do registro

O que não quer dizer que o trabalho de Bigelow e Boal seja ruim. O roteiro de A hora mais escura é muito bem estruturado nos recortes temporais que faz; nas associações que projeta e nas adversidades em que joga luz. Bigelow, por sua vez, dirige com a firmeza e economia de emoções necessárias para um drama como o que A hora mais escura pretende ser.
Mesmo assim, ela não resiste à auto-adulação. Como A hora mais escura fracassa em estabelecer um discurso vívido e ressonante, Bigelow conclama o saldo de Guerra ao terror, no comentário final que avaliza com a última cena – sendo que essa conclusão funciona muito mais lá do que cá. Incidir que a América é um país beligerante e que depois do 11 de setembro mergulhou em uma obsessão que ceifa muitos dos próprios ideais americanos é um discurso prévio ao filme e que este falha em dimensionar.
Se se preocupasse menos em ser uma versão fiel dos fatos, A hora mais escura talvez fosse um filme mais verdadeiro. Se quisesse de fato discutir a obsessão americana com o terrorismo, o faria com mais criticismo e menos empenho em parecer verossimilhante. Para um filme-reportagem, A hora mais escura é uma ficção problemática. Para uma obra de ficção, é pouco contundente em suas proposições.

4 comentários:

  1. Gostei da sua crítica, apesar de ela enfocar mais os pontos falhos de "A Hora Mais Escura". Acho que o objetivo da dupla Mark Boal-Kathryn Bigelow nunca foi oferecer uma interpretação dos fatos, mas sim fazer um retrato completamente factual da caçada em busca de Osama Bin Laden. Achei um trabalho muito consistente de roteiro, valorizado pela boa direção de Kathryn Bigelow, mas o filme acaba não convencendo muito, não decolando.

    ResponderExcluir
  2. Bravo, Reinaldo. Sem dúvidas, é um filme oportunista, parece que Bigelow encontrou sua fórmula e não quer largar o osso. Concordo que ele apenas expõe fatos, mas os expõe de forma superficial e perigosa, dando uma sensação final tendenciosa pela maneira como trata todo o resultado da caçada.

    bjs

    ResponderExcluir
  3. Kamila: Citando a jornalista Mariane Morisawa sobre o filme: “me incomodam sua falsa neutralidade e sua vontade de ser cinema-jornalismo apenas quando lhe é conveniente”. Acho que mimetiza bem a questão.
    bjs

    Amanda:E disse tudo.
    bjs

    ResponderExcluir
  4. Olá. Conheci este espaço apenas hj! Curioso: vi A Hora Mais Escura esses dias. Seguindo aqui. Abraço

    kleitongoncalves.blogspot.com.br

    ResponderExcluir