No futuro, talvez, essa septuagésima edição do Globo de
Ouro, prêmio anualmente concedido pela Hollywood Foreign Press Association
(HFPA) seja apontada como a edição em que a HFPA abandonou de vez e
oficialmente o rótulo de parâmetro do Oscar. Essa condição há muito já não se
verifica, mas jamais havia sido ensejada de forma tão clara pela própria
organização. A começar pelas improbabilidades. Argo, contra prognósticos
fortuitos e forjados na esteira do anúncio dos indicados ao Oscar, confirmou o
favoritismo que experimentava junto a Lincoln e ganhou os prêmios de melhor
filme em drama e de melhor direção para Ben Affleck. Lincoln, por sua vez, foi
o grande derrotado da noite. Só converteu em troféu uma de suas sete indicações
(Argo tinha cinco) e a vitória em melhor ator drama é mais de Daniel Day Lewis
(que caminha para mais uma gloriosa e ostensiva temporada de prêmios) do que do
filme dirigido por Spielberg.
A pulverização dos prêmios, Os miseráveis ficou na liderança
com três prêmios seguido pelo já citado Argo e Django livre com dois cada,
entrega mais do que um ano equilibrado a ausência de um trabalho capaz de
mesmerizar os eleitores como O artista no ano passado.
A opção por Argo e Os miseráveis (a HFPA tem uma queda
acentuada por musicais, sejam eles bons ou ruins) e a presença diminuída desses
filmes no Oscar são mais um sinal de que a antecipação do calendário proposta pela Academia neste ano foi algo positivo para a corrida pelo Oscar. A vitória
de Argo, em particular, aliado ao triunfo no Critic´s Choice Awards há alguns
dias atrás, pode impulsionar a candidatura do filme no Oscar. Uma vitória,
porém, segue improvável. Em 85 anos de história, apenas Conduzindo miss Daisy
em 1990 venceu o Oscar de melhor filme sem ter seu diretor nomeado. Zebras são
possíveis, mas raras nessa configuração. Argo, apesar de ser ótimo filme, não é
o filme que parece sobrescrito para protagonizar uma façanha como a de
Conduzindo miss Daisy. Tampouco a vitória do longa de Affleck nos globos tem
algum caráter político. A engenhosidade da trama fisgou o eleitorado da HFPA e
é pontual que a escolha de Affleck como melhor diretor se dê na mesma semana em
que ele se vê excluído da disputa no Oscar.
No campo das atuações, é possível apontar a vitória de
Christoph Waltz como melhor coadjuvante por Django livre como uma surpresa. O
próprio não esperava. Vitorioso há três anos por Bastardos inglórios, ele não
deve repetir o feito no Oscar. Fora da lista do Sindicato dos atores (SAG) ele
deve ver o favoritismo no Oscar cair no colo do vitorioso no sindicato. Mas a
briga pelo troféu de coadjuvante no Oscar, em que só há vencedores prévios, tem
tudo para pegar fogo.
A vitória de Tarantino tampouco deve reverberar no Oscar.
Mas ele tem mais chances de reprisar o triunfo do Globo de ouro do que seu
companheiro Waltz.
As demais vitórias já eram esperadas. Adele em canção,
Jennifer Lawrence em atriz por comédia ou musical, Jessica Chastain em atriz
dramática, As aventuras de Pi em trilha sonora e Amor em filme estrangeiro.
Talvez a vitória de Valente tenha sido uma surpresa, já que o filme é tido como
mais fraco da história da Pixar. Mas é Pixar. Hugh Jackman derrotou Bradley
Cooper como melhor ator em comédia e musical e frustrou os planos de Cooper de ganhar
algum prêmio relevante na temporada. Já que de agora em diante ambos devem
aplaudir as vitórias de Daniel Day Lewis.
No mais, o Globo de Ouro sofreu com a ausência de Ricky
Gervais, o anfitrião das últimas duas edições. Tina Fey e Amy Poehler se saíram
bem, mas não se comparam a acidez e entretenimento proporcionados pelo
comediante inglês.
Jodie Foster fez um discurso de tons agressivos contra a
cultura de celebridades e confundiu interlocutores quando parecia que ia se
assumir lésbica em público pela primeira vez. Em outro momento, pareceu
anunciar sua aposentadoria. Não foi dos melhores discursos de um homenageado no
Globo de Ouro, ainda que alguns olhos tenham marejado.
Resta saber o caminho consciente que a HFPA tomará daqui
para frente nessa digressão que faz dos Oscars. Essa independência é boa para a
organização, para o Oscar, mas principalmente, para a temporada de premiações.
É verdade, mesmo já sabendo que não era um termômetro tão forte para o Oscar, sempre havia uma expectativa de coincidências. Aqui, parece que algo se rompeu com a consagração de Argo. Mas, vamos aguardar os próximos capítulos, hehe.
ResponderExcluirbjs
Realmente a temporada de premiações está bem interessante. Mas é muito estranho que um diretor que ganhou o "Critics' Choice" e o "Globo de Ouro" não tenha conseguido sequer uma indicação ao Oscar. Isso nunca tinha acontecido antes.
ResponderExcluirAmanda: Exato. Os próximos capítulos são essenciais. Mas me parece ser um caminho sem volta. Pelo menos nessa década...
ResponderExcluirbjs
Anônimo: É verdade! Mas é justamente a ideia do Osar. Quero dizer: é justamente a ideia de recuperar a estima de prêmio máximo do cinema e não apenas de cereja no bolo. E conseguiu logo nessa temporada. É ver como será a repercussão disso nos próximos anos.
Abs