quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Filme em destaque - A pele que habito

Para fora da zona de conforto

Pedro Almodóvar provoca a crítica e desafia sua audiência a decifrá-lo em sua nova obra, uma fita de terror com ritmo de thriller e fluência de ficção científica. Claquete apresenta as razões que movem A pele que habito


Há muito tempo se fala do novo Almodóvar. Com o peso de autor de cinema em uma época em que os tipos rareiam e o conceito confunde, Almodóvar sabe bagunçar expectativas. Foi com alarde que foi recebida a notícia de sua incursão pelo terror – ele já havia passeado pelo thriller em Má educação. O portentoso título da fita sugeria uma inflexão Almodovoriana na escala mais alta: A pele que habito.
A recepção em Cannes amornou os ânimos, mas não arrefeceu aquelas expectativas que Almodóvar sempre desperta. “É a mais profunda, a mais arriscada e a que tem uma leitura mais difícil que te deixa a vontade de querer revê-la porque há algo nela que te impede de saber onde termina exatamente a história", opinou a atriz Marisa Paredes, longa colaboradora do cineasta espanhol, que representou o filme no Festival do Rio desse ano. Para a atriz, A pele que habito é o filme em que Pedro se permite ser mais radical. Mas ainda traz todas as suas idiossincrasias. Marisa Paredes pondera que a crítica nem sempre captura a essência do cinema de Almodóvar de pronto. “É difícil aceitar a mudança proposta por Pedro com este filme, mas não se pode esquecer que às vezes a crítica se confunde. Foi assim com trabalhos que no final provaram que eram grandes obras".
Almodóvar, por sua vez, reagiu menos na defensiva a respeito das respostas que seu filme tem obtido. “A essa altura, concordo com todo e qualquer tipo de classificação, até mesmo se disserem que meu filme é uma comédia musical”, disse o cineasta à revista Veja. “Todo espectador tem o direito de classificá-la como quiser. Sou uma pessoa muito eclética e sempre estou mesclando gêneros. Eles se misturam em meus filmes de uma maneira orgânica, quase biológica. Há um predomínio de melodrama, mas com sequências de horror e ficção científica”, completou.

Imagens refletidas: em A pele que habito, Almodóvar discute a questão da identidade


Em A pele que habito, o cineasta se reúne a Antônio Banderas, com quem trabalhou e projetou nos filmes Matador (1986), A lei do desejo (1987), Mulheres a beira de um ataque de nervos (1988) e Ata-me (1990), para contar a saga de loucura de um cirurgião plástico com origens brasileiras. A escolha pela ascendência brasileira do protagonista tem a ver, segundo o diretor, com a influência que a cirurgia plástica brasileira exerce internacionalmente.  E o Brasil mexe com Almodóvar. Seja através de Caetano Veloso ou uma simples menção ao Rio de Janeiro, o Brasil sempre deu um jeito de marcar presença na filmografia recente do diretor. No novo filme, essa presença, além de mais enraizada, é mais intrínseca à história.
“Queria que a família do filme fosse muito selvagem, muito independente moralmente falando, que não tivesse tido a mesma educação que qualquer espanhol. Que sua cultura não estivesse baseada no castigo e no pecado como a cultura cristã na qual eu nasci e vivi", justificou o diretor a sua escolha pela “cultura brasileira”. Não a toa, os críticos brasileiros têm classificado o novo Almodóvar como seu filme mais frio. Talvez em uma resposta, ainda que inconsciente, a essa estigmatização.
Almodóvar filosofa quando questionado o por quê de rodar um filme de terror tão descolado, em termos estruturais, da representatividade de sua obra. “A principio, queria fazer uma homenagem ao expressionismo de Fritz Lang”, disse à Veja. Em Cannes, afirmou se tratar de uma demanda física de seu cinema. “O corpo me pedia para arriscar e foi um luxo que eu me dei”.

Almodóvar e Banderas em um momento de bastidor: "Filmar com Almodóvar é um ato de fé", declarou o ator espanhol em sua passagem pelo Brasil no fim de julho


Identidade
A convenção dita que o novo Almodóvar é um filme sobre identidade. Ainda que o cineasta já tenha perpassado o tema sob variados ângulos, nunca o sublinhara com elementos de perversidade e erotismo nos níveis que se testemunha em A pele que habito. O jornal San Francisco Chronicle, em sua crítica, pontua com autoridade: “Tal qual um filme de horror feito por David Cronenberg, A pele que habito é realizado por um diretor que não teme o corpo, mas se revela nele de uma sensualidade e amoralidade incapazes de achar algo nojento ou intrusivo de fato”.  O americano Boston Globe, por sua vez, louva a ousadia do diretor espanhol. “A pele que habito é Almodóvar retomando seu lado mais doentio e desavergonhado e é interessante observá-lo retratando a luxúria do abandono”.
São créditos a uma fita audaciosa, que pode ou não ser o aceno de mais uma ruptura na obra do cineasta. Estaria ele pronto para abandonar os melodramas? O próprio já manifestou o desejo de fazer uma comédia na sequência. O que demoveria essa tese.  Um retorno às comédias poderia ser definido como uma questão de identidade para Pedro Almodóvar. Mas quem se arriscaria? 

8 comentários:

  1. As opiniões tem sido bem divididas, mas mesmo assim quero assistir esse filme. Almodovar mesmo qd não é notavel, merece uma olhada.

    ResponderExcluir
  2. Num 2011 cheio de bons filmes, A Pele Que Habito periga ser o melhor do ano: http://espinafrando.com/2011/11/espinafrando-a-estreia-a-pele-que-habito/

    ResponderExcluir
  3. Mais do que bagunçar expectativas, Almodóvar bagunça o seu cinema, as tramas são sempre híbridas, ás vezes é difícil de identificar devido a autoria do cineasta. Mas vc disse tudo Reinaldo, ele já passeou pelo thriller. "Má Educação" sem dúvida até mesmo "Carne Trêmula", além de noir. E o cult "Kika", que apesar de ser também um comédia, é muito sombrio e acredito que terá semelhanças com "Pele".

    Faço um adendo no seu texto, Banderas também estrelou o ótimo "Labirinto de Paixões", lá atrás em 1982,filme protagonizado por Cecilia Roth, mas claro que ele não estava ainda notável. Muito menos como astro.

    Gostei “do aspas brasileiro”. Se o personagem do filme tem essas características, fico ainda mais curioso.

    Filme imperdível! Verei na estréia ou FDS sem falta.


    Abs.

    ResponderExcluir
  4. Como eu disse lá no blog da Amanda, é sempre bom ver um diretor consolidado como o Almodóvar buscando caminhos diferentes e querendo coisas novas. Esse filme parece ser bem diferente de tudo o que ele já fez e espero que ele tenha sido bem sucedido nessa.

    Beijos!

    ResponderExcluir
  5. Ótima matéria, Reinaldo, traz um bom apanhando da repercussão do filme até então. Quanto ao filme em si, gostei muito. Um Almodóvar diferente, mas nem por isso menos genial. Tirou minha má impressão de Abraços Partidos.

    bjs

    ResponderExcluir
  6. Celo: Cara, deixa eu te contar um segredo. Dos últimos seis lançamentos de Almodóvar, nenhum foi consagrado pela crítica. O que chegou bem mais perto disso, e mesmo assim depois das indicações ao Oscar, foi "Fale com ela".
    abs

    Espinafrando: Não acho que seja o melhor de 2011, mas certamente está no top 10.
    Abs

    Rodrigo Mendes: Obrigado pela deferência e pelo adendo Rodrigo. Pois é, o filme é um delírio maravilhoso. E acho que os brasileiros, para variar, reagiram com exagero em relação a ascendência brasileira do clã louco retratado por Almodóvar.
    Abs

    Kamila: É diferente, mas traz muitos elementos Almodovarianos. Não é a ruptura que todos estão falando.
    Bjs

    Amanda: Amanda, I lost you when you said you´d had a bad impression of "Broken embraces". rsrs
    Bjs

    ResponderExcluir
  7. Amei "A Pele Qua Habito"! Original, ousado e diferente de tudo que o diretor já fez. Um dos melhores do Almodóvar!

    ResponderExcluir
  8. Matheus: Não o qualificaria como um dos melhores dele, mas certamente é um ótimo filme. Estou impressionado.
    Abs

    ResponderExcluir