terça-feira, 18 de outubro de 2011

Questões cinematográficas - O cinema político americano

“Toda a obra de arte é política”, escreveu certa vez o crítico de cinema Peter Travers. O articulista, um dos mais respeitados críticos americanos, que assina periodicamente sobre cinema na revista Rolling Stone, dissertava na ocasião sobre o cinema político como um todo, com especial atenção ao cinema americano. Travers postulava que toda elaboração artística já se resolvia como um manifesto político. A afirmação detém coeficiente verdadeiro porque toda a movimentação humana pode ser interpretada como um ato político. Mas Travers descarta, em sua elaboração, esse consentimento das massas. Ele defende que uma música, seja ela de um artista multipremiado como Bruce Springsteen ou o pop rebelde do Green day, é arte. O mesmo ocorrendo com o cinema de Spielberg, Fincher e Almodóvar. Para uma perspectiva apurada é necessário ter bem delimitado o conceito de obra de arte. E nos EUA, falar de política eleva uma obra a esse patamar de glorificação. Filmes como A montanha dos sete abutres (Ace in the hole, EUA 1951), Todos os homens do presidente (All the president´s men, EUA 1976), Jogos do poder (Charles Wilson ´s war, EUA 2007) e Leões e cordeiros (Lions for lambs, EUA 2007) são produções de reconhecida envergadura artística, algumas até com a pecha de cult, mas que obtiveram pouca audiência à época de seus lançamentos.

Dustin Hoffman e Robert Redford em cena de Todos os homens do presidente: antes do thriller político, um denso drama sobre os fundamentos da atividade jornalística


Diferentemente dos europeus, os americanos não alimentam a fama de serem politicamente ativos. Com  voto facultativo, muitos não têm interesse em votar. No final na década passada, com uma guerra injustificada e um presidente incrivelmente impopular, Hollywood não só fez oposição a Bush (com filmes como Leões e cordeiros e Jogos do poder e adesão em nível inédito à campanha democrata), como se engajou em uma campanha diferente: conscientizar os americanos da necessidade de exercer seu direito ao voto. Gente como Leonardo DiCaprio, Will Smith, Steven Spielberg, Ellen DeGeneres, Jennifer Aniston, Jamie Foxx, George Clooney, Tobey Maguire, entre outros, participaram ativamente de campanhas com esse perfil. Inclusive com vídeos virais que fizeram sucesso no Youtube.
Se a Europa tem cineastas com forte verve política como Costas Gravas, Faith Akin, Werner Herzog, Wim Wenders, entre outros, nos EUA não há diretores reconhecidos unicamente por um cinema militante. Alan J.Pakula foi um dos poucos, mas há um grupo que se situa à esquerda e tem  Robert Redford, também criador do festival de Sundance, como um dos expoentes. Hollywood, no entanto, é um excelente laboratório para se testar e estimular o sabor político americano. Cineastas como Michael Moore e Oliver Stone, por mais desacreditados que hoje estejam, já tiveram alguma ressonância ao construir filmografias orientadas para o escrutínio político da história americana. Moore, nos últimos dez anos, abordou desde o sistema falido de saúde americano até a guerra no Iraque. Stone, por sua vez, biografou os presidentes americanos mais marcantes.



Hollywood gets political: Leonardo DiCaprio estrela um dos vídeos virais em que celebridades pediam que o americano não votasse, já que certamente teria coisas mais importantes para fazer do que escolher os responsáveis pelos rumos do país. A campanha deu certo. O comparecimento às urnas nas eleições de 2008 foi 30% maior do que o previsto.

O polêmico Michael Moore em uma foto promocional de Sicko - SOS saúde, documentário que mostra o ostracismo do sistema de saúde americano. Foi o filme mais elogiado de Michael Moore em anos...


Ainda assim, a cinematografia americana não ostenta densidade política. George Clooney, nesse departamento, é um caso interessante. Com quatro filmes como diretor, Clooney apresenta duas produções de forte teor político e invejável maturidade na articulação de ideias. Boa noite e boa sorte (2005), que lhe valeu indicações ao Oscar como diretor, produtor e roteirista, recria um momento negro na história americana: o macartismo. E ainda se configura como um altivo filme sobre a atividade jornalística.
Atualmente em cartaz nos EUA está o elogiado drama Tudo pelo poder, quarto filme dirigido por George Clooney. No filme, ele acompanha o processo de primárias eleitorais do partido democrata. Democrata convicto, o diretor declarou que “o filme começa deixando democratas felizes e republicanos apreensivos e termina com os republicanos eufóricos e os democratas descontentes”, em uma prova do quão demolidor Clooney pretende ser. O recente Trabalho interno, vencedor do Oscar de melhor documentário em 2011, é outro filme que embola os conceitos de bom e mau, preto e branco em matéria de política. Ainda que o foco seja a economia, Trabalho interno contribui para a solidificação da imagem de que “as raízes podres estão na política”.

O politizado Clooney nos sets de Tudo pelo poder: o galã é um dos responsáveis pela intensificação do cinema político americano nos últimos anos


O cinema político americano parece fortemente marcado pelo revisionismo. O próprio Clooney admitiu que esperou o otimismo com a eleição de Obama se dissipar para fazer Tudo pelo poder. “Uma pena para o país, ótimo para o nosso filme”. Exceção feita a Michael Moore que engajou-se na oposição a George Bush, Hollywood se interessa mais em realizar filmes históricos do que políticos. Mesmo que a história seja política. Há uma diferença aí. Essa diferença atende a anseios do público. Se o público tivesse interesse em politizar o cinema, Hollywood não teria outra alternativa. Filmes com o conflito no Iraque como temática afundavam nas bilheterias por melhor que fossem; caso de Guerra ao terror – vencedor do Oscar de menor bilheteria da história - Zona de guerra, Syriana – a indústria do petróleo, Rede de mentiras, entre outros.
Existem, obviamente, aqueles filmes que permitem um ou outro comentário político da realização, como um filme sobre imigrantes ou bolsa de valores, mas Terra dos sonhos e Wall street – o dinheiro nunca dorme não podem ser tomados, em primeira análise, como filmes políticos. O Brasil, quem diria, tem sólidos exemplos recentes de filmes políticos. Os dois Tropa de elite são casos notórios, mas há também O bem amado, Brasília 18%, Cidade de Deus, Quase dois irmãos, entre outros.
Nos EUA, o filme antes de ser político tem de ser outra coisa. Um thriller, um drama, etc. Existe o temor da rejeição do público caso uma fita se apresente inteiramente politizada. José Padilha, para forçar a comparação, conseguiu de maneira muito fluída e intuitiva agregar esse valor a seus filmes de ficção que, inegavelmente, são blockbusters.
Talvez Travers estivesse contemporizando. Se toda obra de arte é política, Clooney não está sozinho.  

 Robin Williams em cena de Candidato aloprado, Barry Levinson: uma estratégia hollywoodiana é abordar a política pelo viés da sátira

3 comentários:

  1. Pois é Hollywood tem uma educação cultural (podemos chamar assim?) de cinema, acima de tudo, do entretenimento que pode vestir a política e não o contrário e muito menos apenas politizado.
    Os filmes que acho interessantes, os clássicos, A Montanha Dos Sete Abutres e Todos Os Homens Do Presidente podem ser exceções, mas com astros nos cartazes, a recepção sempre tende a ser outra. Por isso, fracasso comercial e notórios filmes cults.

    Acho o cinema de Clooney - diretor interessante, mas eu vejo pelo ponto de vista da arte e não político. Fail.

    O Brasil já é outros quinhentos. Padilha conseguiu o feito com os “Tropas” justamente porque aqui os tipo de sessões são outras. Nossos filmes não têm a veia comercial de berço como o americano e acho que ainda esta muito abaixo do cinema europeu tb. O cinema nacional atual esta com tendências, mas ai é outra história...

    Abraços.

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  2. Perfeita reflexão, Reinaldo! Eu gosto do cinema político quando ele não se torna panfletário. Acho esse terreno perigoso. Os bons filmes políticos são aqueles que nos ajudam a compreender a nossa realidade, os nossos problemas. Isso que é interessante!

    Em relação ao Michael Moore. Acho alguns documentários dele bem bons, mas acho meio complicado o método dele. Especialmente a forma como ele edita seus filmes, de forma a manipular a realidade pra aquilo que ele quer mostrar, para ser favorável à tese dele. Isso é muito perigoso....

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  3. Rodrigo: Pois é Rodrigo,vc concordou comigo, né? Afinal, repisou os argumentos apresentados no artigo.
    Quanto ao cinema nacional, por muito tempo não conseguiu se desvincilhar da ideia de "ser politizado". Mas os filmes de Padilha conseguiram ser mais intuitivos e muito mais políticos do que o "make belive" de outrora...
    Abs

    Kamila: Os documentários geralmente são os mais panfletários. Concordo plenamente com vc a respeito de Michael Moore, um cineasta do qual eu particularmente não gosto.
    Bjs

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