A escolha de O som ao redor para representar o Brasil na
disputa por uma vaga entre as produções indicadas a melhor filme estrangeiro no
Oscar rompe com um paradigma brasileiro de pensar essencialmente no tipo de
filme que deve disputar o Oscar e não necessariamente naquele que merece a
chance. Esse raciocínio tenta cristalizar o perfil dos filmes que agradam aos
votantes da academia no tocante a produções estrangeiras, polo setorizado da
academia em que um colegiado reduzido elege os concorrentes. É uma tarefa
ingrata e, como prova o histórico, de cálculo imprevisível. Intocáveis, fita
francesa de imenso apelo emocional e redondinho em matéria de cinema era dado
como favas contadas na categoria em 2013 e acabou de fora, apesar de ter sido
um sucesso clamoroso de público nos EUA. Cidade de Deus, Tropa de elite e O
palhaço foram ótimos filmes brasileiros que conciliaram força narrativa,
sobejamento estético, mas erraram no timing. No caso emblemático de Cidade de
Deus, houve um posicionamento da Academia que, no ano seguinte a sua
candidatura para filme estrangeiro, elevou o filme de Fernando Meirelles de
patamar o nomeando a quatro Oscars (direção, roteiro adaptado, montagem e
direção de arte). Nenhum outro filme estrangeiro negligenciado teve esse
acolhimento a posteriori pela Academia desde então.
A Academia, de maneira geral, está mais atenta à produção
internacional. Nem tanto pela vitória de O artista há dois anos, mas pela
inclusão em larga escala do austríaco Amor no Oscar passado. Filme denso, “de
festival”, Amor era certeza de prêmio entre os estrangeiros desde sempre. É
possível identificar paralelos entre o filme de Michael Haneke e o de Kleber
Mendonça Filho.
Primeiro por se tratarem de filmes egressos de festivais e
com ampla aprovação da crítica internacional. Segundo por apresentarem direções
rigorosas em que há controle e perfeccionismo por parte da realização em medida
ímpar. Em ambos os filmes, sobriedade e técnica se sobressaltam à emoção. Não se advoga, porém, que O som ao redor receberá da Academia o mesmo
frisson que Amor recebeu. Avalia-se, porém, que a escolha do filme encontra ressonância
em um olhar mais aberto, experimentado e sensível que a Academia de Hollywood
vem dispensando às produções estrangeiras. Em geral mais inventivas, amargas e
arrebatadoras do que àquelas que frequentam as principais categorias do Oscar.
Kleber Mendonça Filho orienta seu elenco para uma das cenas capitais de O som ao redor: "a escolha valoriza o filme e o fará ser mais visto", disse o diretor à imprensa depois do anúncio da semana passada
Do lado de dentro
Mais do que qualquer outra coisa, a escolha de O som ao
redor pelo Ministério da Cultura (MinC) para tentar esta vaga entre os filmes
estrangeiros no Oscar, coloca a crítica como aliada do postulante brasileiro.
Vale lembrar que o filme é altamente conceituado no gabarito dos principais
críticos americanos. Se há uma categoria em que críticos americanos exercem
influência com alguma liberdade é justamente na categoria de filmes
estrangeiros.
Por outro lado, há uma questão política implícita na
escolha. Com bons postulantes à vaga, alguns até mesmo melhores do que O som ao
redor, o MinC privilegiou um filme feito às margens da própria escala de
produção do cinema nacional. Sem apoio da indústria (Globo Filmes) ou estatal - pelo menos no viés nacional.
Ao indicar um filme independente, no espírito e no financiamento, referenda-se
um caminho alternativo e se estimula uma produção divergente da tônica
nacional. Novidade muito bem vinda, por sinal.
O som ao redor não é o melhor filme brasileiro do ano, mas é
aquele com mais e melhores predicados para um voo tão ardil e cheio de
sobressaltos como o Oscar. Sem querer querendo o Brasil fez o de sempre, mas
fez, também, diferente.
Ótima análise de cenário, Reinaldo, só discordo em relação ao gosto mesmo, rs, para mim, é o melhor filme nacional do ano. Mas, ossos do ofício.
ResponderExcluirbjs
Excelente percepção, meu caro. Muito boa mesmo a análise que faz da categoria de filmes estrangeiros no Oscar e de como os votantes estão ampliando seu olhar. Isso é muito saudável para o cinema como um todo, e claro, para a credibilidade da premiação. Adoro "Intocáveis" e dava certa sua vitória sem nem mesmo ter saído a lista de pré-finalistas. Mas vimos o que aconteceu... e não achei a vitória de "Amor" equivocada, pois este é um senhor filme, mas entre aqueles, minha preferência ficava com o chileno "No".
ResponderExcluirNo mais, os títulos de Haneke e Mendonça Filho dividem mesmo similaridades em sua forma, e eu vejo isso e muito outros fatores corroborando para uma possível indicação do Brasil. Acho que nunca chegamos tão perto de uma possível indicação.
Divergimos na opinião, pois acho "O Som ao Redor" um filme brilhante, e meus dedos estarão cruzados no dia do anúncio dos indicados =)
Abração!
Obrigado pelo adendo sempre dignificante aqui meu caro. Pois é, "O som ao redor" para mim não é nem mesmo o melhor filme pernambucano do ano...
ResponderExcluirAbs