domingo, 29 de maio de 2011

Insight

Do documentário à ficção: por que tem gente que faz a passagem?

Vivemos em um momento em que o gênero documentário, que para alguns nem mesmo deveria ser classificado como gênero, cada vez mais se mescla à ficção. Se funde a ela em estrutura narrativa, linguagem e técnica. Paul Grengrass levou ao cinema de ação, com a série Bourne, algumas esquematizações inerentes ao documentário e lançou tendências. O cineasta Michael Mann utiliza o digital, que por ser mais barato é tão caro ao nicho do documentário, em longas como Colateral (2004), Miami Vice (2006) e Inimigos públicos (2009), com vistas a obter uma representação do real mais satisfatória.
Mas há outra bifurcação nessa espiral de aproximação entre documentário e ficção no cinema. José Padilha é um valioso às nesse jogo de cartas. Documentarista consagrado, com filmes como Ônibus 174 (2002) e Garapa (2009), o diretor realizou dois longas de ficção de imenso apelo nacional e que, assim o são, por sua vocação para documentar a verdade e fomentar o debate social. Características primárias a qualquer definição do documentário.

Padilha orienta Seu Jorge nos sets de Tropa de elite 2: teses sociais que movem filmografia



Padilha não está sozinho. João Jardim é outro documentarista que aceitou o flerte da ficção e se abriu às possibilidades que dele se ensinuam. Amor?, um dos melhores filmes de 2011 sob qualquer perspectiva, embaralha as percepções entre ficção e documentário ao propor um jogo de espelho entre linguagem, método e dramatização.
Bennett Miller, um americano de 47 anos, é outro documentarista que enxergou na ficção uma janela criativa que lhe favorece. Debutou na ficção sendo indicado ao Oscar de direção por Capote (2005). Um filme jornalístico sobre um episódio jornalístico. Pode se dizer que, em parâmetros meramente empíricos, Miller realizou um documento, ainda que com a liberdade do jornalismo literário¹. Seu próximo filme (Moneyball), que tem no elenco o astro Brad Pitt, surfa na mesma onda. Recuperar a história de um homem que fez de tudo para seu time de baseball dar certo.
O documentarista Jefferson De optou pela ficção para contar uma história de amizade e cumplicidade em um bairro violento da periferia de São Paulo. Se Bróder fosse um documentário, provavelmente não seria tão eloquente quanto objetivava seu diretor.

Bennett Miller (à esquerda), com o roteirista Dan Futteman e o ator Phillip Seymour Hoffman: estréia elogiada na ficção


Essas opções não apontam restrições em um gênero ou formato. Pelo contrário. Reforçam a pluralidade do cinema e derrubam um tabu. Não está só no documentário a verdade; e a ficção pode alinhar fatos e versões com mais veracidade e isenção do que um documentário respaldado em anos de pesquisa. José Padilha rodou os dois Tropas de elite com o mesmo tino e obstinação que caracterizou seus documentários menos famosos. Bennett Miller tem na figura de Capote o mesmo interesse que tinha na de Tom Cruise, no documentário que dirigiu sobre o astro em 1998. O interesse de Jefferson De era mostrar que o Capão Redondo é mais do que abrigo para delinquentes e traficantes. Esses documentaristas enxergaram que a ficção pode ser mais apaixonante e, por vezes, mais fecunda do que o documentário. É uma opção legítima e que, em seu viés imaginativo, como fizera João Jardim, resplandece todo o vigor narrativo dessa arte chamada cinema.

Cena do premiado Bróder: cinema verdade que encontra abrigo na ficção


1- gênero jornalístico em que se reporta uma notícia tomando como parâmetro os alicerces da literatura 

4 comentários:

  1. Os documentários nunca estiveram tão em alta como nos últimos anos e a pluralidade de temas faz com que cada vez mais espectadores se interessem pelo gênero.

    Abraço

    ResponderExcluir
  2. É interessante ver esses movimentos, mas particularmente, acho que antes de documentaristas ou diretores de ficção, são todos cineastas. Coutinho é outro que pôs em cheque os limites do real e ficção na tela em seus dois últimos filmes. E Wim Wenders é o que melhor transita entre os dois formatos já tendo produzidos obras geniais como Buena Vista Social Club e Quarto 666, ou Asas do Desejo e Paris, Texas.

    bjs

    ResponderExcluir
  3. Achei ótimo esse "Insight"! Ver esses grandes cineastas buscar a forma mais eficaz de passar a sua forma de ver o mundo e alcançar resultados tão bons é realmente animador. Na minha lista, Padilha figura no topo. Vamos ver o que vira nessa passagem dele por Hollywood.

    Beijos

    ResponderExcluir
  4. Hugo: É verdade hugo. Abs

    Amanda: concordo contigo Amanda, mas a questão suscitada não era essa. Herzog e Scorsese são outros que transitam com habilidade entre documentário e ficção. Mas o que pontuo aqui é o como o interesse em explorar certas facetas da própria filmografia levaram esses diretores a se enveredar pela ficção. Mesmo com a declaração de amor ao documentário cravada no peito...
    Bjs

    Aline: Obrigado. Não acho que Robocop seja o projeto certo para Padilha. Já o filme sobre a tríplice fronteira me parece promissor...
    Bjs

    ResponderExcluir