sábado, 29 de janeiro de 2011

Crítica - Um lugar qualquer

Patenteando um estilo de fazer cinema

A cena que abre Um lugar qualquer (Somewhere, EUA 2010) é impressionante. Mas mais do que impressionar ela estipula que estamos assistindo um filme de Sofia Coppola. Essa é a grande contribuição desse filme que venceu, de maneira contestada e cercada de polêmicas, o leão de ouro no último festival de Veneza. Ao revisitar questões relevantes dentro de sua filmografia de uma perspectiva mais arejada, embutido a paternidade como elemento desafogador de um estado de catatonia, Sofia afirma seu estilo enquanto cineasta e sua obsessão temática.
O estilo dá conta de um cinema de ritmo próprio, pensativo, observador, enquanto que o tema se desdobra desde a solidão da fama até a melancolia que pode advir da incompreensão. Mais do que desenvolver seu personagem principal, um astro de Hollywood imerso em uma vida de superficialidades, Sofia o observa. E observa com paciência e apreensão. O ritmo do filme, com longos takes e silêncios demorados, convida o espectador a experimentar essa estafa um tanto quanto desorientada que Johnny Marco (Stephen Dorff) vivencia. Ao observá-lo com sua filha Cleo (Elle Fanning), que fica sob seus cuidados uns dias, o espectador logo percebe que se trata de um cara que não sabe apreciar a paternidade e nunca se preocupou em fazê-lo. O interesse de Sofia passa a ser então se há algo em Marco que responda a Cléo. Há. E é da descoberta desse algo que trata Um lugar qualquer. Não se trata de uma epifania. É uma alerta para a vida que um homem, que vegeta no luxo, teve não tão subitamente assim.

My guitar hero: pai e filha vivem momento de carinho...



Um lugar qualquer não é um grande filme. Também não é ruim. Posto em comparação com Encontros e desencontros, filme mais significativo da carreira de Sofia e com o qual este exemplar guarda algumas semelhanças, Um lugar qualquer sai perdendo em matéria de cinema, mas ganha em propriedade narrativa. Essa dicotomia ocorre por duas razões. Se em Encontros e desencontros Sofia contava com um ator do calibre e sensibilidade de Bill Murray, aqui ela dispõe de Stephen Dorff, que embora esforçado, nunca consegue deixar o espectador avançar à sua alma. É um ator, talvez, mais superficial em cena, do que o que vive no filme. Em compensação Um lugar qualquer delimita, pelo tom, pelos ângulos e pela composição de algumas cenas, uma cineasta mais madura, mais conectada com as especificidades da dramaturgia. É um filme muitíssimo bem dirigido. É o melhor trabalho de Sofia como diretora, ainda que ela já tenha feito melhor como roteirista.
Sofia, no entanto, já cede a vaidade. Ela vincula definitivamente esta fita a Encontros e desencontros. No filme estrelado por Bill Murray e Scarlett Jonhansson, no final do filme os personagens trocam um cochicho que ficamos sem saber o que é e conjecturamos sobre o que poderia ter sido. Em Um lugar qualquer Johnny Marco grita algo para sua filha e é abafado pelo som das hélices do helicóptero. Ela não ouve o que ele diz, mas nós sim. Sofia já faz figura de linguagem com os próprios filmes. É uma metáfora bonita. É algo para cravejar seu cinema de um requinte autoral que já é facilmente identificado por seus admiradores. Um lugar qualquer é a afirmação do estilo Sofia Coppola de fazer cinema. E tudo o mais que se vê no filme se submete a isso.

4 comentários:

  1. Sou fã do cinema de Coppola. Acho único e especial de alguma forma. Adoro todos os três filmes da cineasta e espero grandes realizações ainda dele (quem sabe um Oscar um dia?). Estou extremamente curioso para assistir esse, que parece ter divido críticas pelos cinéfilos.

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  2. Assim como, muitos na expectativa de conferir logo este filme!

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  3. Olá Reinaldo.
    Assisti Um Lugar Qualquer e achei um bom filme. Nada de extraordinário, mas passa uma bonita mensagem. Apenas considerei alguns daqueles longos planos um pouco cansativos.
    No geral, gosto de Sofia Coppola, mas a acho um pouquinho pretensiosa, principalmente por Maria Antonieta.
    A cena do helicóptero me lembrou o que Hitchcock fez em Intriga Internacional quando uma conversa entre dois personagens é abafada pelo som de um avião e ficamos sem entender o que conversavam.
    Ótima crítica. Abraço.

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  4. Luis Galvão: Pois é Luis, como já te disse, não sou grande entusiasta do cinema de Sofia. Mas ela obtém grandes avanços aqui. Na minha ótica, porém, Encontros e desencontros continua sendo o seu melhor. abs

    Alan: Espero que vc possa atender a essa expectativa o quanto antes. abs

    Vitor Batista: Obrigado pelo feedback e pelas considerações Vitor. De fato, o cinema de Sofia é mesmo pretensioso. É algo vocacional nos Coppola, na verdade. Quanto os planos cansativos, a ideia era essa mesma. Exaurir o espectador. Tenha em mente, por exemplo, aquela cena em que Johnny Marco está aguardando o gesso secar para a máscara. Sofia queria nos aproximar de Marco naquele momento. É uma estratégia de risco e justamente por isso o filme funciona melhor com quem já é admirador de Sofia. Realmente foi uma boa lembrança essa de Intriga internacional, mas creio que a referência não deve ter sido proposital por parte de Sofia.
    Aquele abraço!

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