Há quem acredite que de todas as artes, o cinema é a mais romântica. A justificativa é de que harmoniza todas as outras e lhe dá viço emocional através da imagem. É um raciocínio pertinente que se transforma em uma ideia ainda mais sedutora se sobreposta ao díptico orquestrado pelo cineasta Richard Linklater. Não era algo premeditado, mas o resultado nos permite atentar à simplicidade de ideias e conteúdos ajustados em dois filmes que se complementam e juntos produzem sentido uníssono, ainda que funcionem maravilhosamente bem separados.
O que Linkater alcança é a sensação de que o cinema pode ser, ao mesmo tempo, sensorial, leve, profundo, romântico, inadequado, pop, cult e sofisticado. Sem prescindir de rearranjos estilísticos e opções estéticas que facilitem a identificação de um cinema bem específico, no caso o panorama independente americano.
No primeiro filme, datado de 1995, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) passam uma noite em Viena com a sombra da certeza de que aquele encontro é definitivo. Existe um tentador charme romântico na ideia da impossibilidade dos desejos, de imaginar o “e se” e Antes do amanhecer é um filme que se impregna dessa atmosfera. É um filme falado. Do tipo que são Closer-perto demais e Cenas de um casamento – outras perolas do cinema que versa sobre relações pessoais e suas bifurcações amorosas.
Juventude, sonhos e maravilhamento são matérias-primas bem adornadas por Linklater e que, na ebulição química que os dois protagonistas apresentam, nos conduzem a um estado de imersão sensorial.
A ideia de retornar àqueles personagens, surgida totalmente do aleatório uma década depois, parecia fazer sentido narrativamente. E fazia. Em Antes do pôr-do-sol (2004), que teve seu roteiro indicado ao Oscar, Linkater divide os créditos do texto com seu par de atores que, na trama, se encontram nove anos depois durante uma excursão à França de Jesse para divulgar um romance.
O filme segue a mesma estrutura do primeiro, mas cresce dramaticamente ao trabalhar com o conflito entre o que os personagens sonhavam dez anos antes e o que eles eram naquele momento. O que eles almejavam, como guardaram na memória aquele mágico momento desfrutado em Viena e como o ensejo do reencontro lhes afetaria. Em um contexto mais amplo, o segundo filme dialoga com o primeiro, mas também lhe rouba alguns encantos e devaneios. Ainda que o faça de maneira poética – como sugere o título. Não se trata mais da esperança antes do dia chegar e sim das realizações antes da noite cair.
Como experiência cinematográfica, o díptico de Richard Linklater sobeja no afirmamento de que o cinema é um celeiro infindável, desde que bem articulado, para tudo que pode ser pensado – como diria o mestre Stanley Kubrick.
Gosto muito dos dois, juntos e separados, como você ressaltou, apesar de o primeiro ser melhor. Serve também para comparar o que o tempo fez com os atores, sendo generoso com Julie Delpy e quase cruel com Ethan Hawke. Mas, os diálogos de ambos são mesmo deliciosos.
ResponderExcluirbjs
Boa Reinaldo!
ResponderExcluirNão sou aquele fã de fitas românticas (só se elas tiverem um pano de fundo histórico: E O vento Levou, Titanic ou uma subtrama mais dramática desde que não tenha relação direta com o casal enamorado), mas as fitas de Linklater tem realmente aquele gostinho saboroso do romance que vale a pena. Dá pra sentir mesmo, mas são filmes para serem vistos em momentos adequados na vida.
Os dois são bons (os filmes), acima da média. E se vier o terceiro, pode valer a pena mais uma vez.
Acho a Delpy ótima também em "A Igualdade é Branca", o meu favorito daquela trilogia. Hawke foi vítima do tempo como ressaltou a Amanda. Um ator bom (Dia de Treinamento, Gattaca, Sociedade dos Poetas Mortos), mas que ultimamente (sem Linklater) parece errar nos projetos. E a beleza é muito perigosa para alguns atores de cinema. Acho que ele teve poucas chances como um galã notável, agora complica. Mesmo porque esses filmes são mais cults do que sucessos genéricos.
Fechou o texto com chave de ouro heim?
Abraço.
Eu gosto muito desses dois filmes e acho que você foi perfeito ao dizer que eles, na realidade, captam dois momentos de vida distintos do casal central. No primeiro filme, vivendo o fervor da juventude, pra eles tudo é possível, exceto viver de forma plena aquela conexão rara que surgiu entre eles, porque, naquele momento, eles tinham outra prioridade. Quando eles se reencontram no segundo filme, as prioridades também continuam diferentes, mas eles ainda possuem algo em comum: como já sabem o que é o amor e estão calejados por isso, eles, agora, vão se agarrar a qualquer chance que tenham para ser felizes.
ResponderExcluirEu sempre vi, na verdade, esses dois filmes da seguinte forma: o primeiro, mostra a ideia de um amor; enquanto que o segundo, mostra o amor em sua forma plena, por uma visão mais madura, livre dos devaneios juvenis.
Beijos!
São dois grandes filmes, que fogem da mesmice dos filmes românticos atuais. Seu texto é perfeito ao comentar que o primeiro filme mostrava jovens que tinham sonhos e o segundo sobre as realizações e frustrações nos dez anos que se passaram.
ResponderExcluirTorço para que Linklater, Hawk e Delpy voltem para um terceiro filme, seria no mínimo interessante.
Abraço
Amo muito esses filmes, mas ainda não tinha tomado consciência do porque eu gosto mais do segundo - percebi agora lendo sua crítica dos motivos. Adoro filme "falado", rsrsrs Amo Closer também, sou mega suspeita.
ResponderExcluirEsse foi um dos primeiros dvds que comprei e saí dando de presente para as minhas melhores amigas na ocasião. Uma delas, depois de visto os filmes, disse que passou a entender, depois de assisti-los, as razões das minhas escolhas amorosas. Tá vendo, até filosofia sobre a minha vida o filme suscitou, rsrsrs
Mas é lindo, o papo deles é muito gostoso de acompanhar... Invejinha de quem tem uma história dessas pra contar.
Amanda:É verdade Amanda. Hawke, que já não era muito bonito, enfeio pacas...
ResponderExcluirBjs
Rodrigo Mendes: Obrigado Rodrigo. Olha, preciso te confessar que sou contra um possível terceiro filme. Acho que o que um eventual terceiro filme teria a acrescentar, o segundo já o fez. Tanto em termos narrativos como em linguagem. Mas posso estar errado.
Abs
Kamila: É realmente a ideia de ofertar esse contraponto um dos trunfos desse duo.
Bjs
Hugo: É isso mesmo Hugo. Como disse p/a o Rodrigo, sou um pouco resistente a esse terceiro filme.
Abs
Aline: Todo mundo se vê nesse personagens. Esse é outro dos trunfos desses dois filmes.
bjs