É até um pouco niilista classificar Senna (ING 2010) como um documentário. Na verdade, a produção assinada pelo indiano Asif Kapadia é um híbrido de ficção com documentário. Essa realidade traz vantagens e desvantagens. Certamente do ponto de vista do marketing é uma peça valiosa, já que se pode reclamar a primazia em abordar a trajetória de um ídolo das massas em uma narrativa convencional e ajustada aos padrões hollywoodianos de grandes heróis sem abdicar da sobriedade do gênero documental. Por outro lado, reforça a sensação de que o filme sobre o piloto brasileiro não é o filme sobre aquele homem e sim o filme que sua família gostaria que fosse feito.
Vale lembrar que por muito tempo um longa sobre Ayrton Senna foi negociado em Hollywood, mas a família Senna não abria mão do controle criativo sobre a obra. Surgia assim esse documentário que é constituído basicamente por imagens de arquivo (algumas inéditas conseguidas junto a Federação internacional de automobilismo). Em Senna, há um cuidado rigoroso com a imagem do piloto, morto em um acidente no circuito de Ímola em 1994. Senna, o documentário, versa sobre a trajetória de Senna na Fórmula 1 e só. Nada que quem já não esteja familiarizado com a história do piloto já não conheça. Não existe o interesse por parte da realização de investigar o homem por trás do mito, pelo contrário, a intenção é de realçar esse mito em uma potência ainda maior. Para isso alguns subterfúgios narrativos são empregados. O primeiro deles é criar um vilão para o herói Senna. E a figura antipática de Alain Prost, que rivalizou arduamente com Senna nas pistas e nos bastidores da F1, é primordial nesse sentido. Prost ganha tintas pouco lisonjeiras no filme que nos créditos faz uma mea culpa obsoleta ao lembrar que o tetra campeão mundial contribui assiduamente para o instituto Ayrton Senna.
Há pouco espaço para o Senna de fora das pistas no filme. O foco é a competição e seu legado na fórmula 1. Não havia porque supor que o filme não fosse celebrar a figura de Senna, mas em momento algum se articula ir além da simples idolatria.
Senna não é um filme ruim, mas fica aquém de produções mais sérias e comprometidas exibidas diretamente na TV em canais como Biography Channel e Discovery Channel. É lógico que o apelo midiático da figura se impõe. O diálogo que a fita estabelece com quem vivenciou o reinado de Senna na F1 ou sua trágica morte é irreproduzível e, em si, definitivo. É justamente aí que reside a razão de ser deste filme. Reascender a chama que vela por Senna. Quinze anos após sua morte, toda uma geração não reverbera o piloto em sua memória. Esse é o maior pecado de Senna enquanto cinema. O filme não será emocionante, muito menos marcante, para quem não tiver mais de 20 anos. Não é o filme que emociona. É a lembrança que ele provoca. Para um documentário que se alimenta desavergonhadamente de recursos da ficção para propalar uma figura já icônica não deixa de ser um resultado frustrante.
Bem chapa branca, como você disse. Enfim, é um doc. para quem gosta de esporte ou pelo menos admira o homem que Senna foi.
ResponderExcluirFiquei curioso quando vi o cartaz no cinema e agora com seu apontamento sobre o filme, estou mais ainda! Embora algumas de suas frustrações quanto a ele. Está ótimo seu texto e foi bom saber que o filme é uma fronteira entre documentário e ficção. Particularmente adoro isso neste formato que tem a facilidade de ficar chato se não for um assunto que o indivíduo aprecia muito.
ResponderExcluirE como não sou tão apreciador de esporte, tampouco F1, mas que gosto da figura e do homem que Senna foi, creio que vou gostar e ainda mais sabendo desta hibridização documental.
E o longa metragem/cinebiografia que o Antonio Banderas queria fazer. Soube dessa?
Queria muito um filme completo sobre ele!
Abs.
Rodrigo
Pena que o filme pareça pecar tanto em sua construção, Senna já era mito suficiente, não precisa ser "purificado" para ficar maior. Os grandes deuses, que o digam os gregos e romanos, não são seres unidimensionais e justamente por isso a identificação do povo com eles é tão intensa.
ResponderExcluirFamília Senna, leiam por favor "O poder do mito", e depois a gente conversa, rsrsrs Ah, tem em dvd, se preferirem :P
Rodrigo, pelo que entendi, o texto fala que o filme com Banderas não rolou pelo fato de a família do Senna não abrir mão de controlar o "conteúdo", digamos assim.
Luis Galvão: acho que vc resumiu bem para quem o filme é indicado. Abs
ResponderExcluirRodrigo:Tb acho positivo produções que se alimenta desse hibridismo.Mas Senna, mesmo com esse subterfúgio, apresenta problemas. E muitos. O filme com o Banderas, como aponto no texto, não rolou pq a família Senna vivia criando empecilhos. Alguns produtores interessados em um longa ficcional se retiraram e Banderas cansou-se de ficar à disposição. Ainda acredito que teremos um filme ficcional (assumido) sobre Senna. Mas não será tão cedo. Abs
Aline:Obrigado pelo comentário e pela percepção sempre aguçada.Pois é, mais uma vez seu comentário foi direto ao ponto. E que ponto. Bjs