O preço da fé
Cercado de expectativas e polêmicas, e inaugurando uma reiterada
e ambiciosa fase bíblica em Hollywood, Noé (Noah, EUA 2014) não é um filme que
corresponda ao hype que ostenta. Produção de U$ 150 milhões e marcada por
desavenças entre o estúdio e o diretor, Noé é um filme cheio de gargalos. Começa
muito mal, melhora na metade e termina de maneira pálida e condescendente. Ainda
que seja um desafio renovar uma história plenamente conhecida até mesmo por quem
tem pouca familiaridade com a bíblia, Noé sofre de más escolhas de direção. A
primeira delas é tornar uma história eminentemente simples em um épico. Outra,
por exemplo, é valorizar pouco a chegada dos animais à arca e mais a contenda
entre o descendente de Cain (Ray Winstone) e Noé.
Há problemas no ritmo do filme e há um elenco muito
oscilante também. Russell Crowe está muito ruim. Se colocarmos em comparação
sua oscarizada performance em Gladiador e esta em Noé, será flagrado um ator
preguiçoso e complacente.
Russell Crowe pouco impressiona como um Noé virtuoso em sua obstinação |
Mas Noé revela também o conflito entre o diretor Darren Aronofsky
e o estúdio Paramount. A agenda ecológica do diretor é aventada no curso do
filme e é uma sombra à estruturação religiosa da trama. Outro conflito intrínseco
à narrativa reside no tom do filme, que obscurece profundamente quando o dilúvio
está em curso. É justamente aí, quando Aronofsky apresenta mais consonância com
seus interesses enquanto cineasta, que Noé tem seu melhor momento. Quando
envereda pela análise do custo que é para este homem temente a Deus, manter sua
fé em alta, Aronofsky rabisca um grande filme. Mas é apenas um momento
entremeado por uma dicção narrativa confusa, ensimesmada e pouco inspirada
visualmente (outra decepção tratando-se de Aronofsky).
Noé era um projeto querido e ansiado pelo diretor, que vinha
de sua obra-prima Cisne negro. O estudo dos limites entre fé e alienação,
notadamente o interesse primário do cineasta, submerge ante tantos equívocos. Não
dá para culpar apenas o estúdio. É compreensível que com um orçamento desse
tamanho, a Paramount objetivasse uma produção mais comercial. A culpa recai
mesmo sobre os ombros de Aronofsky, Cisne negro, com toda sua reticência de
drama psicológico e menos boa vontade do que Noé amealha em boa parte do público,
era mais satisfatório dramaticamente.
Noé decepciona porque Aronofsky não se aprofunda na
análise que quer fazer e titubeia em decisões que cristalizariam o escopo do
filme. O discurso “eco friendly”, ainda que cabível, soa um tanto quanto
deslocado das prioridades narrativas.
O que, para a infelicidade de Aronofsky, pesa mais contra o
filme, além das licenças pouco convincentes que toma da bíblia, são aqueles 20
e poucos minutos em que seu filme beira a genialidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário